quinta-feira, 15 de agosto de 2019

ADPF 54: Reflexão por um viés bourdieusiano.

  Pierre Bourdieu concebe a ciência jurídica como uma construção histórica complexa, a qual configura um ambiente de estruturação de moldes conceituais e metodológicos que regem a vida humana em sociedade. Nesse sentido, como exposto no capítulo oitavo de “O Poder Simbólico”, o campo jurídico revela a construção essencial de preceitos regentes da vida social em compromisso com a realidade dinâmica. Dessa forma, tendo em vista a ciência jurídica concebida como resultante de uma construção social e cultural ao longo da história, a decisão acerca da autorização do aborto de anencéfalos sem a necessidade de permissão judicial (ADPF 54) pode ser e é interpretada como um dos desfechos da construção histórica sustentadora do sistema jurídico.
  O sociólogo francês discorre profundamente acerca da neutralidade e universalidade vestidas pelo campo jurídico pela inter-relação de distintos “campos simbólicos” inseridos na sociedade. E tais preceitos são notáveis e elencam a decisão do Supremo Tribunal Federal ao serem expostos e ponderados o caráter universal da autonomia de decisão cabível às mulheres, a dimensão ilimitada da dignidade da pessoa humana e diversas garantias fundamentais constantes no topo hierárquico ocupado pela Constituição Federal em harmonia com dados científicos. Através de apontamentos, tais como a dignidade da pessoa humana e a tutela à vida- constantes na CF e na legislação penal, a descriminalização do aborto em caso de feto anencéfalo é defendida com base na universalização do direito de vontade autônoma da mulher diante da situação em que carregar um feto “inviável” acarreta riscos a sua própria integridade como genitora.
  Dessa maneira, vale ressaltar que a ADPF 54, analisada em 2012, insere-se em um contexto no qual uma lacuna da lei possibilitou que tal discussão, a qual engloba esferas civis e penais em subordinação ao texto constitucional, adentrasse o ambiente do Judiciário, tido como “guardião máximo da CF”. Desse modo, a discussão se arrasta para esferas superiores- sujeita ao “filtro regulador” do espaço dos possíveis, como trata Bourdieu- e busca colocar em cheque conflitos de direitos resultantes de distintas interpretações.
  Por conseguinte, mobilizar uma discussão detentora de importante temática contemporânea para ambientes do STF caracteriza e representa um envolvimento/embate entre a laicidade estatal e diversos âmbitos jurídicos os quais envolvem desde questões de saúde a discussões de gênero. E essa mobilização, também, coincide com a abordagem de Bourdieu acerca da construção do campo jurídico por teses antagonistas refletoras da realidade, as quais compõem uma lógica de decisão, de certa forma, resultante de ambiguidades pilares de uma ideal dinâmica característica do Direito.
  Assim, em comprovação à existência dos embates e antagonismos para a construção de um Direito “espelho” da dinâmica social apontada pelo sociólogo, são constantes os conflitos entre vieses de preceitos religiosos intrínsecos à estruturação do Direito brasileiro e o compromisso estatal com a laicidade e garantia de direitos. E são esses embates (levados em conta na decisão tomada na ADPF 54, em destaque às ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia) os responsáveis pela percepção e interpretação atual acerca do fenômeno jurídico simultaneamente com a submissão intransponível às previsões constitucionais- moldadas por preceitos pautados na humanização simultaneamente com a defesa da autonomia individual.
  Nesse sentido, os votos apresentados pelos ministros exemplificam um norteamento o qual Bourdieu trata como resultante de distintos habitus que compõem o campo jurídico. No contexto, 8 ministros votaram a favor da descriminalização da interrupção terapêutica e 2 votaram contra. E esses votos condizem com os habitus, as visões de mundo construídas pelos ministros ao decorrer de suas carreiras, atuações, estudos e também experiências pessoais inseridas em seu meio social atuante. Ou seja, na tratada situação de votação e decisão inserida no Judiciário, interpretações fundadas em distintos capitais culturais caracterizadores das inclinações dos ministros mostram-se sujeitas a influências provenientes tanto de uma lógica científica positiva, como de uma lógica normativa derivada da moral- as quais culminaram em uma decisão construída racionalmente em compromisso com garantias fundamentais.
  Logo, a não criminalização da prática de aborto em caso de feto anencéfalo deferida pelo STF caracteriza, fielmente, a realização de uma ponderação racional entre direitos, da qual se preponderam os direitos fundamentais de autonomia da mulher. E essa preponderância se deve à trajetória integradora de distintos campos relacionados à ordem jurídica, os quais contribuíram para configurar uma decisão construída historicamente, socialmente e culturalmente através do rompimento com obstáculos inseridos seja na laicidade estatal e até mesmo nas interpretações jurídicas.

Lorena Yumi Pistori Ynomoto. Direito Noturno 

ADPF 54 e Conexões com Bourdieu


A análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 suscita vários pontos relevantes ao campo jurídico e, portanto, também promove encontros com as teses de Bourdieu sobre o poder simbólico. Se trata de uma discussão polêmica dado a matéria do aborto, mas leva em conta questões como a autonomia jurídica, o papel do judiciário atualmente e quais são os limites do direito.
             É discutido extensivamente durante os votos dos ministros a definição de quando começaria a vida. Se deveria ser levado em conta o Código Civil que considera a respiração como fator determinante, os levantamentos de uma série de organizações médico científicas, a exemplo da OMS que estabelecem a atividade cerebral como tal fator ou ainda a voz de grupos sociais concepcionistas. Lançando mão de Bourdieu, cada grupo com seu ‘‘Habitus’’ - cada um com disposições incorporadas advindas de suas referências de classe - trouxeram diferentes capitais a discussão. Entretanto, quando se fala de um feto anencéfalo é inútil definir qual seria o começo da vida, visto que é materialmente comprovado que tais fetos não irão sobreviver, morrendo antes ou pouco depois do parto. Dessa forma, não são seres humanos em potencial. Ademais, os casos excepcionais tragos à tona em que supostos fetos anencefálicos sobreviveram, tratam-se na verdade de mesofalia.
             Tendo isso em vista, a antecipação terapêutica avaliada, não compete questões como eugenia ou findar vidas em potencial. O aborto se trata da dignidade da vida da mulher e da sua autonomia, explicitado na fala dos Confederação Nacional de Trabalhadores na Saúde (CNTS) seguinte:
“se não há, na hipótese, vida a ser protegida, nada justifica a restrição aos direitos fundamentais da gestante (dignidade, liberdade e saúde) que a obrigação de levar a cabo a gravidez acarreta”, eis que, em tal hipótese – segundo sustenta -, “A incidência da norma penal no caso (...) será inteiramente desproporcional e inconstitucional”.

                Ao fim desse acórdão, é perceptível fenômenos descritos por Bourdieu como a historização da norma e como o direito é formado pela soma da lógica positiva da ciência com a lógica normativa da moral. O primeiro ponto, pois se observava até poucos anos um movimento global de maior reconhecimento pelos direitos femininos, negados por uma perspectiva histórica patriarcal a tanto tempo. Já o segundo se confirma no extenso debate durante a votação opondo a lógica do direito e confirmações cientificas com a moral judaico cristã da sociedade brasileira. 
                A decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal é acertada, pois ela não tem um caráter de obrigatoriedade, mas de possibilidade a gestante. É livre a cada mulher decidir o destino de seu corpo. E nesse sentido, o direito não ultrapassa os limites de seu campo, foram suficientemente sopesadas as reivindicações de cada grupo – cientifico, feminino, cristão etc. Contudo, em concordância com o Ministro Ricardo Lewandowski, essa decisão não cabia ao judiciário, em oito anos de curso que essa ADPF perpassou, deveriam ter sido tomadas outras providências para que a instância do judiciário não suplantasse o legislativo.  

Jaqueline Sayuri Marcola Abe 1ºano Direito Matutino

ADPF 54: a ilustração da dupla lógica do Direito.

  A observação da atuação do Judiciário no Brasil atualmente ocasiona reflexões sobre os engendramentos da atividade judiciária e até de um ativismo dos magistrados diante do campo social - termo utilizado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu para nomear um espaço social em uma ideia de totalidade diante do conflito de forças e de fragmentos distintos. Nesse sentido, o campo jurídico também está relacionado com o campo social, uma vez que o Direito, na visão do cientista social mencionado, é ambientado por estruturas internas e externas a si, formando as práticas jurídicas tanto pelas questões vindas da sociedade quanto pelos sistemas formais e metodológicos próprios da teoria jurídica.

  Um caso prático dessas relações jurídicas e sociais pode ser observado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54 ), ato que discutiu a inconstitucionalidade da interpretação sobre a interrupção da gravidez de um feto anencéfalo perante o Código Penal brasileiro. A alegação para essa ação relatada pelo Ministro Marco Aurélio fundamentou-se no risco de segurança jurídica sofrido por trabalhadores da área da saúde ao participarem dessa interrupção de gravidez, uma vez que partindo do código Penal nos artigos 124,126 e 128 tal atitude poderia ser julgada criminosa; essa alegação foi afirmada também na violação dos direitos da mulher assegurados em nossa Carta Maior  à liberdade, à privacidade, à saúde e à autonomia ao realizar esse procedimento de antecipação da gravidez. Por outro lado, suscitaram dos Ministros Ricardo Lewandowski e Cesar Peluso posicionamentos contrários à possibilidade de interrupção da gravidez de um feto anencéfalo, os quais se embasaram na duvidosa legitimidade da ADPF, já que o Judiciário estaria se sobrepondo à uma responsabilidade do Legislativo como representante do poder político autorizado pela sociedade a partir do voto. Além disso, os argumentos contrários também questionaram a incapacidade de definição do que seria ou não vida diante da condição patológica informada na arguição por competentes órgãos da saúde, como a OMS, o Conselho Federal de Medicina, o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo.   

  Diante dessa discussão nota-se o embate de contrários, também comentado por Bourdieu, no fazer do Direito ao gravitar a ADPF em situações de apelo e necessidade práticos, como a reivindicação da saúde da mulher e a situação do feto anencéfalo, e de essência técnica e teórica, como no debate sobre a positivação de direitos na atuação não só jurídica quanto política do STF e na gravitação conceitual do que é ou deve ser considerado vida no campo social e seus subcampos do Direito, da Medicina e da Moral entre outros. Percebe-se claramente a "dupla lógica" do campo jurídico e a busca de capital que possibilite a posse da razão pública e universal, a qual dirá pela linguagem jurídica tão bem colocada nas citações até literárias dessa ADPF o que e quem está certo e imbuído de poder simbólico, isto é, de autorização e de legitimidade para interpretar a realidade.

  A questão da interrupção da gravidez de feto anencéfalo ilustra a importância da maleabilidade do Direito por questionar a historicidade da norma no campo jurídico diante da vulgarização do ativismo do judiciário ao adentrar uma area que teoricamente não é de sua plena competência e sim do Legislativo, sendo nas palavras de Bourdieu fora do"espaço do possível" do Direito; e por criticar também a sistematização formal que prega uma auto-suficiência do campo jurídico fechado em si, que desconsidera os movimentos e os conflitos da realidade social e suas exigências perante as estruturas jurídicas. Configurando-se essa ADPF, portanto, em um exemplo prático da autonomia relativa do Direito.


Júlia Jacob Alonso
1º Ano Direito Matutino - Unesp. 

Direito, Religião e Anencefalia


          No ano de 2012 foi julgado, pelo Supremo Tribunal Federal, um pedido de inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal, que enquadraria como crime a prática do aborto nos casos em que o feto é diagnosticado com anencefalia. Iniciou-se um intenso debate enquanto ao tema na corte, com os ministros dando seus pontos de vista a respeito do tema.


          Destarte, vários grupos religiosos tentavam utilizar conceitos e pregações de suas crenças como argumento para criminalizar tal prática. Um importante sociólogo francês, Pierre Bordieu, conceitua o Direito como uma relação positiva da ciência, aliada a uma lógica normativa da moral. A interferência de grupos e argumentos de viés exclusivamente religioso em meio a um tema jurídico seria uma ruptura da própria dinâmica do Direito, já que são argumentações que não apresentam uma lógica científica por trás.


          Ademais, o ministro relator do caso, Marco Aurélio, conceituou dentro do seu voto que não se pode colocar a argumentação desses grupos como inválida, pois o debate deve dar voz a todos, mas os argumentos destes grupos devem estar baseados em motivações públicas cuja adesão não dependa exclusivamente de uma ótica advinda de uma vertente religiosa especifica. Seria uma extrapolação do espaço do possível do campo religioso, já que não cabe-lhe a interferência indevida no campo jurídico.


          Dentro de outro importante conceito de Bordieu, o da historicidade da norma, cabe encaixar uma situação nova e adversa dentro de uma norma preexistente através de um processo de analogia para o preenchimento de uma eventual lacuna. Aplicando este conceito dentro da situação supracitada, embora o aborto de fetos anencéfalos não esteja previsto no ordenamento jurídico brasileiro, é possível encaixá-lo dentro de outras normas que liberam a prática do aborto. 


          Levando em conta a conjuntura degradante em que a mulher encontra-se, uma visão mais ampla dos princípios do direito nacional e de várias garantias fundamentais presentes na Constituição Federal, como o da preservação da integridade física, psicológica e da dignidade da gestante, a manutenção compulsória da gestação iria acarretar em diversos danos ao seu corpo e ao seu estado emocional, tornando a antecipação terapêutica do feto anencéfalo como a opção mais plausível e menos dolorosa para a mãe.
          Não cabe ao Estado submeter a mulher a uma situação análoga à tortura, já que é o dever dele e de seus órgãos prezar pelo bem-estar físico e psicológico de seus nacionais e dos estrangeiros residentes no mesmo. Seria uma quebra ainda de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, em que assumiu compromissos de proteger as mulheres de violências e abusos.

João Lucas Albuquerque Vieira
Direito Matutino
Universidade Estadual Paulista - Campus de Franca

Uma síntese ao olhar de Bourdeau da ADPF 54

O caso em questão é a ADPF 54, que retrata um pedido da Comissão Nacional dos Trabalhadores da Saúde para a possibilidade da antecipação terapêutica de fetos anencéfalos e de como o pensamento de Pierre Bourdieu se enquadra nesse caso e no direito vinculado ao mesmo. Posteriormente da argumentação favorável pela ADPF e contra, irei expor parte de meu entendimento sobre o tema.
Devido constante embate entre operadores e doutrinadores, os ministros que votaram por acatar a ADPF, em sua maioria se enquadram como doutrinadores, ou seja, no espaço dos possíveis, tentam adentrar ideias novas no campo jurídico, contrariando a visão racionalista, que deve impor a norma na forma dos apelos sociais. Por ser a vida e morte fenômenos pré-jurídicos, não cabe ao campo atuar em sua defesa ou liberdade, sendo assim o campo médico deve ordenar tais fenômenos, ou seja, os anencéfalos não são viáveis. Ainda mantendo esta explanação, devido direito ser a soma da lógica racional ao poder moral, se o poder moral se modificou perante o tempo, logo o direito deve mudar também, lembrando que deve incluir o habitus de cada ministro, sendo a maioria de origem progressista e desvinculados do fundamentalismo religioso, algo que influencia a decisão dos juristas. Além do princípio da universalidade, que supõe a questão de livre-arbítrio de abortar ou não, pois o direito se preocupa com o fato específico, não o que deve ser. O uso da interpretação da lei de acordo com a história é cabível de ação da Suprema Corte no espaço dos possíveis, vendo que muitos doutrinadores, como Gilmar Mendes e Barroso (advogado do caso) e também operadores utilizam seu embasamento no direito comparado (passível de indução do direito brasileiro) e também das ideias que ultrapassam os movimentos sociais, mas já se encontram no campo jurídico em debate.
Contradizendo todos os argumentos já expostos, ao utilizar o direito comparado, o campo jurídico é influenciado por doutrinadores e operadores, como já exposto, que consideram que assim como o código alemão o nascituro deve ter direitos garantidos, logo o campo jurídico brasileiro deve sofrer ação dos outros de outros países também. Assim sendo, o campo jurídico de acordo com o Código Civil deve legislar sobre todos aqueles que possuem respiração, ou seja, se o anencéfalo respira ao nascer, ele é protegido por lei. Pelo princípio da impessoalidade, o juiz deve se eximir de sua opinião e centrar-se no que o direito diz, ou seja, focar-se no Código Penal. Na luta simbólica de doutrinadores e operadores, nesse caso a prevalência das ideias de que o Código Penal já enquadra exclusões no crime de aborto, seria então inviável a procedência da ADPF, por enquadrar a teoria pura do direito como fundamental. O habitus de cada jurista deve ser sim considerado, pois a partir disso se estipula os votos e as considerações sobre o caso. Os juristas também devem se afastar do instrumentalismo que apresentam na corte, pois tal fato despreza o direito como ciência autônoma em parte e de modo a equilibrar tais extremos. Não é papel do judiciário dizer o direito, nem deve ser, seu papel é básica e somente no espaço dos possíveis analisar os fatos apresentados, suas implicações e seus antecedentes.
          Assim, a partir de ambas as exposições, busco uma síntese. Que o legislativo tem o poder de mudar as leis, sendo o único que pode assim fazer, é nítido da teoria de Montesquieu, porém o Supremo não modificou a lei, apenas a partir de uma lacuna da mesma deu uma interpretação sobre a constitucionalidade. O campo jurídico não está isolado, sofre influências de outros, e assim sendo o campo científico e o campo social demonstraram nos amicus curi o sofrimento das mães que desejavam abortar e que a medicina avançou sobre a detecção do problema de anencefalia, logo ao adentrar no espaço dos possíveis seria negligenciar tais fatores por apenas considerar que o Supremo não deve legislar. Como já havia apontado, o legislativo tem o único poder de modificara e criar leis, desde que essas sejam constitucionais e se uma nova lei sobre o tema não e feita desde 1940 (ano de criação do Código Penal), é sim papel do Supremo analisar de forma a colocar a norma na forma, ou seja no período e na sociedade a qual ela acaba sendo vigente. Assim sendo, o papel do Supremo não foi apenas a aceitação da voz da sociedade, nem mesmo uma interpretação pura da lei, foi sim uma ponderação entre o formalismo e o instrumentalismo, para assim conseguir achar o meio termo que Bourdieu defende em sua obra, afastando também a dominância e a violência simbólica no sentido da classe dominante utilizar do Código e da pena para de maneira opressora violar o direito fundamental da liberdade, pela ponderação o direito da mulher sobre o direito de uma concepção de feto que é natimorto, acredito que o campo jurídico deva ser elástico do modo a compreender a permissibilidade da antecipação.

(Há) A vida para aqueles que acreditam


  Durante a ADPF 54 nos deparamos com um questionamento "O que é a vida?", se já não fosse o suficientemente complicado explicar quem possui direito a decidir o que é vida, temos ainda que questionar o que ela é para todas as vertentes. No caso quando relatamos pedidos favoráveis a decisão do antecipamento terapêutico ele aparece exatamente como uma medida preventiva da saúde da mulher e com esse nome, quando vemos um voto a favor ele se transforma em aborto e a pauta muda para o direito sagrado da vida,  Bourdieu já dizia que o direito é uma batalha hierárquica e ideológica, e não é atoa que vemos isso em demasiado na ADPF 54. Voltando a pauta "O que é a vida" e somando aos pensamentos filosóficos de  Bourdieu podemos exemplificar um dos Ministros, Cezar Peluso se utiliza ,quando contra o voto, de suas ideologias através de vozes dos outros, vida para ele é aquilo que pode se mover, se o anencéfalo pode se mover logo ele vive e consequentemente não poderá ser "abortado", o Ministro em questão serve como exemplo de como a ideologia é aparente e perigosa, pois ao mesmo tempo que ajuda a estabilizar argumentos ela também muda o alvo da discussão, quando a ideologia entrou o antecipamento terapêutico deixou de ser ele mesmo e passou a obter outro significado, passou a ser aborto e toda a carga negativa que leva consigo a de um  tabu social.
  Ampliando um pouco o assunto e continuando na corrente filosófica e socióloga de  Bourdieu, podemos ver que nos votos contrários é sempre visto os mesmos argumentos pautados nas mesmas explicações e exemplos, a visão do dominante chega a ser tão forte que aparece em dois ministros da mesma maneira, diferente dos votos a favor que divergiam em exemplos e assuntos, os que votam contra possuem uma base forte, mas singular e repetitiva.O caso em si foi polêmico e com diversos assuntos escondidos no tema, mas foi formalizado e de certa forma concedeu uma historialização sem perder a seriedade da lei e seu monopólio. No final "O que é vida" não foi respondido e até por isso que o aborto ainda é um tabu e fica na penumbra de decisões, mas definitivamente a ADPF 54 é um grande passo para o desvendamento desse tabu tão antigo.Carlos Eduardo Trigo Nasser Felix- 1º Matutino Direito 
   

Aborto de anencéfalos à luz de Bourdieu


“A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, de Pierre Bourdieu, é uma profunda análise acerca das dimensões do poder jurídico em âmbito social. O autor estuda a fundo as metodologias marxista, estruturalista e funcionalista para superá-las e apresentar uma nova ótica acerca da força do direito. Uma das principais ideias desenvolvidas é acerca do conceito de “campo”, o qual entende como um espaço social que engendra recursos específicos em sua dinâmica de funcionamento, culminando no fato de que cada espaço exige uma dinâmica única. O conceito de campo para Bourdieu não é determinado somente por relações de produção (como entende o marxismo), mas engloba frações que possuem tanto forças distintas quanto recursos distintos que engendram lutas, combates e confrontos diferentes do que se chama de conflito de classe, existindo também os campos intermediários e simbólicos.
É justamente nesse conceito de campo simbólico que atuaria a força do direito, e tomarei como exemplo disso a questão do aborto em caso de feto anencéfalo, discutida, regularizada e aprovada pelo Supremo Tribunal Federal em 2012. Consta nos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal vigente, clara proibição e criminalização da prática de aborto em quaisquer circunstâncias, exceto as de gravidez advinda de estupro e se não há outro meio de salvar a vida da gestante. A lei assim positivada abre margem para uma discussão efervescente acerca da temática, que por um lado teria a proteção à vida do feto garantida pelo Código Penal, mas, por outro, a liberdade sexual e reprodutiva, saúde, dignidade, autodeterminação e direitos fundamentais da mulher, garantidos pela Constituição Federal. Os ministros do STF foram colocados, portanto, no dever de ponderação dessas normas para decidirem, então, qual das linhas interpretativas da lei melhor dialogaria com os ideais de justiça socialmente esperados.
É fato que, nesse contexto, o poder simbólico dos juristas vem à tona. O campo jurídico assim se apresenta como definidor de condutas para fora dele, e, desta forma, o que é objeto de embate dentro de tal esfera se irradia para toda a sociedade. O controle dessa dinâmica seria, segundo Bourdieu, o lastreamento do poder dos profissionais do direito no próprio campo jurídico, ou seja, tudo aquilo que é feito por eles deve ser ancorado por uma justificativa plausível, seja pela doutrina, moral ou jurisprudência. No caso aqui discutido, observa-se que os votos dos ministros foram de encontro tal exigência, já que, independentemente do posicionamento do jurista, todos sustentaram suas argumentações em concordância com a lei.
A problematização dessa força do direito tem fundamento na medida em que a força do direito se converta em violência simbólica à parcela da sociedade envolvida em determinada decisão. No caso do aborto, a questão que se coloca é que obrigar uma mulher a gestar um feto anencefálico seria, isso sim, irreparável violência física e psíquica. A decisão do STF, nesse aspecto, optou pela garantia do direito das mulheres em serem privadas do sofrimento e agonia de se gestar um ser que, comprovadamente pela ciência médica, ou nascerá morto, ou não sobreviverá mais de poucos instantes após o parto. Tal decisão estaria de acordo com o que Bourdieu define como historicização da norma, aplicando esta a uma situação real e histórica. Segundo o autor, o rigorismo racional impede que haja soluções jurídicas para problemas incessantemente novos. Desta maneira, os teóricos devem integrar ao sistema, através do que define como “pôr em forma” – inserir aquilo que se configura como demanda social no campo jurídico.
Finalizo com a ênfase de que, no caso aqui discutido, não há como se falar em usurpação do poder judiciário, já que este fundamentou sua decisão na garantia de direitos fundamentais abarcados pela legislação brasileira. Ademais, foi coerente na simbiose entre a lógica positiva da ciência e a lógica normativa da moral, usando do poder simbólico do campo jurídico para criar novas ignições estratégicas e, consequentemente, parâmetros de luta social.

Carolina Juabre Camarinha.  
1 ano. Direito matutino.

Bourdieu e o Direito Racional


O que é vida? O que significa estar vivo? O que significa estar morto? As respostas para essas perguntas são diversas; uns se baseiam em conceitos religiosos, outros recorrem a conceitos científicos. Com isso, em 2012, quando a ADPF 54 tratou da interrupção da gravidez de um feto diagnosticado com anencefalia e decidiu não criminalizar tal ato, dando a permissão para esse procedimento, surgiram inúmeros embates.
Partindo-se desses fatos, tal procedimento de interrupção tende a ser fortemente criticado pelo fato de grande parte da população brasileira possuir uma formação judaico-cristã. Porém, como Pierre Bourdieu defende, o Direito deve ter uma autonomia relativa, portanto, definições religiosas, mesmo que venham de uma religião predominante em certo local, não podem reger o Direito. Ademais, este último tende a ser algo racional, algo prático, distanciado de emoções e sentimentos, e assim sendo, deve se embasar também em algo racional, no caso, na ciência. Dessa maneira, como dita atualmente o Direito e o pensamento científico, a morte real se dá com o óbito comprovado da pessoa natural e o critério jurídico de morte no Brasil é a morte encefálica. Assim sendo, um feto anencéfalo não pode ser considerado como um ser humano com vida.
Finalmente, citando Bourdieu mais uma vez, as decisões judiciais não podem ser distanciadas da realidade. Com isso, tem-se que cada caso é um caso e, portanto, o judiciário deve analisar especificações como a sofrimento da mãe e da família ao ter que prolongar uma gravidez na qual o fruto não tem possibilidade de sobreviver. Dessa forma, impedir a interrupção é apenas fazer com que o luto e o sofrimento se estendam por vários meses.


Juliana Silva Pastore - Direito/1° ano (matutino)

Bourdieu e a Antecipação da Gestação de Anencéfalos


Nas palavras do Ministro Lewandowski sobre a antecipação terapêutica, “sem lei devidamente aprovada pelo parlamento, que regule o tema com minucias, precedida de um amplo debate público, provavelmente retrocederíamos aos tempos dos antigos romanos, em que se lançavam para a morte, do alto de uma rocha, as crianças consideradas fracas ou debilitadas”, ou seja, estaremos pré-dispostos a um Império de Leis, e o judiciário seria um legislador negativo, contrariando a atual forma tripartidária do poder governativo do Brasil. Assim, a elaboração prática da lei estaria fundada em uma luta simbólica entre profissionais dotados de competência técnicas e sociais desiguais, e cada progresso no sentido da jurisdicização provoca  sem devidos processos legislativos, um novo mercado jurídico guiado por novos interesses, uma nova oferta jurídica. Os juristas deixam o seu aspecto de interpretar a lei para entrar em assuntos que não é sua especialidade.
 As bases argumentativas jurídicas que negam a interrupção de gestação de anencéfalos estão presentes na lei maior, a Constituição Federal, suprema diante das demais leis infraconstitucionais. O primeiro ponto é o direito do nascituro, que em face da constituição, o feto já é um titular de direito, sendo assim deve ser garantido ao menos o direito a vida. Outro aspecto é a questão do Código Penal que se eximiu de determinar um rol das hipóteses de aborto. A partir disto, de acordo com Bourdieu, o espírito jurídico deve ser sustentado a partir de um corpo de regras sustentado pela sua coerência interna.
Ademais, vale ressaltar que a vida de cada individuo, além de um bem pessoal inalienável é um bem social, ou seja, cabe à própria sociedade, a promoção e defesa dos direitos do feto portador de anomalia. Assim, o adendo do ministro é feito devido a um processo de generalização para outras patologias fetais que as chances de vida são reduzidas, através do método jurídico de analogia.
Em suma, este texto está desempenhando função de análise para a graduação, ou seja, a opinião pessoal, apesar de sempre estar atrelada aos pontos de vista individual, não está posta. Assim, o filtro utilizado são as bases argumentativas do ministro Lewandowski, que preza pela interpretação conforme a Constituição Federal, com análise sociológica de Bourdieu o qual determina que as decisões judiciais são atos de força política e o resultado necessário de uma interpretação regulada de textos unanimemente reconhecidos.

Yasmin Marcheto Simões, 1° ano Direito Matutino.