segunda-feira, 28 de outubro de 2019

A perpetuidade fantasma

    Em um tempo onde as distâncias simbólicas entre as diversas culturas que permeiam a terra se vêem mais e mais encurtadas devido ao progresso nas esferas da telecomunicação e da informação, as pretensões idealistas de um humanismo eurocêntrico são cada vez mas questionadas em um choque e cultura decorrente da principal questão acerca desse localismo: Como pode uma filosofia ser simultaneamente universalista e extremamente localizada e enviesada com paradigmas de seu local de origem? O paradoxo é notável, e presente não apenas em uma só escola de pensamento, mas também até mesmo em qualquer instituição de aspirações globais, um exemplo percebível sendo até mesmo encontrado na Igreja Católica Apostólica Romana em si.
   No âmbito nacional, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4439 se encontra em estado de relevância quanto às decisões que tratam da laicidade do país, ao buscar determinar se o ensino religioso confessional, isso é, se a admissão de figuras representativas de alguma fé como professores no ensino público (tais como padres ou rabinos) era de fato constitucional ou não, anteriormente permitido na Lei de diretrizes e bases da educação Nacional e no artigo 11 do Anexo do Decreto nº 7.107/2010, sendo tal ação ultimamente julgada improcedente por 6/5 votos, sendo assim mantida a constitucionalidade do ensino confessional.
   Além de se questionar a laicidade inconsistente de um ensino confessional que será precariamente sujeito à fortes vieses e convicções pessoais/espirituais, especialmente de religiões de caráter mais proselitista, é importante notar a variante dinâmica de poder vigente entre as denominações religiosas brasileiras e suas associações no contexto nacional. Enquanto um ensino religioso menos pessoalmente apegado possa ter fortíssimo valor para o entendimento antropológico e simultaneamente ser estimulante ao diálogo inter-religioso, o ensino confessional tende a perpetuar o poder institucional das fés de maior proeminência cultural no Brasil.
  Fazendo jus a teoria de Boaventura de Sousa Santos, as religiões mais fortemente associadas e enraizadas no topos de determinada cultura dificilmente perceberão suas próprias incompletudes devido a sua auto-perpetuação em um sistema que indefinidamente sustenta e conserva seus valores, tornando então redundante o necessário dialogo inter-religioso aos seus olhos: "O dilema da completude cultural pode ser assim formulado: se uma cultura se considera inabalavelmente completa, então não terá nenhum interesse em envolver-se em diálogos interculturais". Pode se assumir então que diversas instituições, incluindo as religiosas, adotem uma postura de autorreflexão semelhante à citada dependendo do seu papel e grau de hegemonia na cultura em que estiverem inseridas, ao detrimento de outras fés previamente marginalizadas, perpetuando uma visão errônea e equivocada de outras religiões como crenças "estrangeiras" e forasteiras aos paradigmas culturais de uma nação, cementando mais ainda sua associação com a segregação sociocultural, assim exacerbando ainda mais barreiras de desigualdade e o ostracismo injustificado que se perpetuam há séculos no país.

Rodrigo Riboldi Silva
1° Ano
Direito - Noturno

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