domingo, 29 de setembro de 2019

O papel jurídico nas questões político-sociais: garantias de ação e representatividade.


  Que o direito assume diversas abordagens de acordo com o meio social é fato conhecido muito bem, principalmente após teorias como as do sociólogo Pierre Bourdieu sobre a autonomia relativa do direito devido sua exposição às provocações do campo social. Entretanto, a análise do fazer jurídico a partir da modernidade não se limita a constatar as relações inconstantes entre direito e sociedade, mas passa a se aprofundar na ação concreta e no poder dos tribunais de acordo com os diferentes contextos políticos e seus indivíduos e grupos, os quais buscam uma comunicação política e social para garantir suas necessidades. Assim, a partir da obra “Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos “usuários”.” de Michael W. McCann é possível verificar a intenção de engendrar concretamente os caminhos que estão sendo tomados para a mobilização do direito pelas ações individuais e coletivas na busca de seus interesses. 

  Esse questionamento é evidenciado por meio de uma análise sobre as questões sociais em pauta no nosso país, as quais transitam entre os meios políticos e jurídicos expressando posicionamentos importantes e, muitas vezes, silenciados pela própria sociedade brasileira. A discussão sobre a criminalização da homofobia e transfobia a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo deputado federal do Partido Popular Socialista (PPS) Roberto João Pereira Freire é um exemplo dessa ação judiciária e seus liames no campo político e social. Dessa maneira, esse procedimento abordou a discriminação e o atentado aos direitos assegurados não apenas em vários documentos internacionais - como nos Princípios de Yogyakarta, na Convenção Internacional sobre a eliminação de
todas as formas de Discriminação Racial ou na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo - como também em nossa Carta Magna, mais precisamente em seu Artigo 5º em especial no inciso XLI. Sendo assim, criminalizar atos de LGBT+fobia seria uma ação prevista constitucionalmente de legislar em âmbito do Direito Penal, uma vez que pela teoria do Direito Penal Mínimo a vertente jurídica penal se constitui como última ratio para garantir a proteção de direitos fundamentais, considerando também o agravante da inércia do Legislativo e sua falta de comprometimento a respeito do tema.

  A partir do exposto, percebe-se a mobilização do Direito para colocar em debate e discussão um tema visto, muitas vezes, como inútil para determinada parcela da sociedade que pensa não ser diretamente atingida pela questão ou que até convalida com atitudes discriminatórias e violentas contra a comunidade LGBT+. Entretanto, um posicionamento contrário às disposições dessa ADO é sustentado pela dúvida sobre a real eficácia da criminalização da homofobia e transfobia para a resolução das violências motivadas pela orientação sexual ou identidade de gênero de alguém. Essa linha de pensamento é justificada pelo pensamento de que por esse tipo de discriminação já ser até citada como punível no texto constitucional, especificamente no artigo 5º mencionado anteriormente nesse texto, criar uma penalização não mudaria concretamente tal impasse. Além disso, o posicionamento contrário à criminalização também engendra que essa ação do judiciário de criar um tipo penal seria um desvio de suas funções a partir da separação dos três poderes, como levantado nos votos dos Ministros Lewandowski, Marco Aurélio e Dias Toffoli.

  É necessário salientar, porém, que a posição não favorável à ADO parece não se lembrar da busca do papel emancipatório do Direito, uma vez que tal pauta é recebida pelo âmbito judiciário após constantes tentativas de representação e de voz política pelas pessoas que sofrem esse tipo de violação. Sendo assim, é necessário interpretar esse movimento jurídico não apenas como uma busca de solução concreta para o caso da LGBT+fobia, mas como uma ação de abertura de diálogo e de segurança jurídica para que os indivíduos oprimidos por essa violência tenham acesso aos seus direitos fundamentais e à dignidade humana.

“O acesso que as instituições judiciais concedem aos cidadãos para eles fazerem valer seus direitos é um direito-chave e um indicador do vigor democrático de uma sociedade.” (MCCANN, 2010, p. 192)

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