quinta-feira, 28 de junho de 2018

AS DIMENSÕES DA CIDADANIA



Para o sociólogo alemão Axel Honneth, em contraste ao que foi preconizado pelas gerações de sociólogos anteriores a ele, as mobilizações da luta social não decorrem apenas do embate de interesses do conflito de classes; estas mobilizações ocorrem pelo sentimento de lesão moral. O indivíduo que sente que sua condição de igualdade foi lesada, buscará a solução desse quadro para poder usufruir de um direito visto por muitos filósofos jusnaturalistas, como simplesmente natural ao homem, o direito à igualdade.
A decisão que reconheceu a união homoafetiva ilustra a tese de Honneth, a medida em que os homossexuais se sentiram lesados por terem seus direitos negados por interesses morais ou religiosos de pessoas que sequer teriam suas vidas diretamente afetadas por tais uniões, tendo em vista que a intimidade do outro não nega direito algum à terceiros. As três dimensões de Honneth, o amor ( normalmente o maternal que gera a auto confiança), o Direito ( que expande a auto confiança a ponto de permitir a vida pública ao entender que a lei afeta a vida de todos) e por último, a solidariedade em que o reconhecimento dos pares gera a efetivação dos anseios do indivíduo; servem de base para a compreensão dos motivos que levaram aos homoafetivos acionarem o Judiciário para atender suas necessidades.
A sensação de lesão de ao menos duas dimensões, ao não serem reconhecidos nem pelo Direito vigente e consequentemente, nem pela sociedade (os seus pares) gera um sentimento de indignação no indivíduo, sendo que o texto constitucional não proíbe suas relações, na verdade condena a discriminação e exalta a igualdade, portanto, um bloqueio preconceituoso sequer baseado na norma explícita é mais do que o suficiente para que todos os que se sentem lesados por ela busquem a derrubada de tais entraves.
A decisão do STF que reconheceu a união homoafetiva representa a vitória dos que foram lesados e a celebração dos princípios de igualdade e liberdade da norma constitucional, portanto, graças a ela, ao menos a lesão de segunda dimensão foi cessada. A decisão não encerra a luta, pois a terceira dimensão foi restaurada parcialmente, pois os pares devem reconhecer os direitos dos homoafetivos sob pena de sanções legais, o pleno reconhecimento à igualdade se dará apenas quando não for necessário a intervenção estatal para manter a igualdade e sim que todos tenham a capacidade de se reconhecer como iguais por serem cidadãos.
CAÍQUE BARRETO DA SILVA – TURMA XXXV - MATUTINO

A DUALIDADE DO DIREITO DOS 99% CONTRA OS 1%


As relações referentes a terra no Brasil encontram sua origem no período colonial em um processo de distribuição de latifúndios de maneira baseada em renda; contudo, em uma sociedade altamente estratificada e com mobilidade praticamente inexistente, os impactos da concentração de propriedade nas mãos de famílias historicamente poderosas que usaram do mesmo poder para concentrar terras até mesmo nas novas fronteiras agrícolas leva à um processo de extrema desigualdade nas relações no campo.
Para Boaventura de Souza Santos, o direito criado pelos estratos superiores da sociedade não é um direito de conflito; e, portanto, não se preocupa em alterar drasticamente as relações, apenas se limita a regular o básico necessário. Por isso mesmo a ‘’função social da terra’’ que evitaria a posse de terra ociosa presente na Carta Magna encontra dificuldades em ser efetivamente aplicada.
A ação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ilustra a nova forma de atuação que Boaventura identificou na nova ordem mundial. Os novos movimentos não buscam negar a ordem social, buscam reconfigurar a ordem vigente e, para isso fazem uso do Direito em detrimento de lutas revolucionárias. A atuação do MST é baseada principalmente na função social da terra, para tanto, quando membros do movimento encontram terra improdutiva, a ocupam e buscam a desapropriação de tal terra pelo Judiciário.
A ação do MST na fazenda Primavera no inicio dos anos 2000 mostra um momento (mesmo que isso não tenha se tornado necessariamente regra após o ocorrido) em que o Direito dos 1%, o Direito hegemônico que visa a manutenção da ordem social vigente é sobrepujado pelo Direito dos 99% que é contra-hegemônico e busca a Justiça Social.
A ação bem sucedida do MST que conseguiu a desapropriação por meios legais de tal terra improdutiva é um ponto de virada e um marco pela luta do Direito Reconfigurativo, pois ao derrotar o poder hegemônico através de um mecanismo que é entendido por autores como Karl Marx como um instrumento de manutenção dos estamentos dominantes, o MST abre precedentes para que novas lutas possam ser vencidas, e, para desgosto de alguns, usando mecanismos legítimos juridicamente.

CAÍQUE BARRETO DA SILVA- TURMA XXXV – MATUTINO

Narrativa jurídica moderna


            Professor renomado e Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Boaventura de Souza Santos, em seu livro “As Bifurcações da Ordem: Revolução, Cidade, Campo e Indignação”, discute as possibilidades emancipatórias da área jurídica. Na sua obra, o autor possui uma visão otimista, nítida no capítulo VI, revelando que Direito pode ser mobilizado a partir de movimentações políticas abrangentes, através de “recursos aos tribunais para apresentar queixas e reivindicações”, “pressão sobre a burocracia estatal” e busca por “alterações legislativas”, e, concomitantemente, uma visão pessimista, apresentada no capítulo VII, em que, para os movimentos sociais novíssimos, compostos pelos denominados indignados, o Direito “só pode ser recuperado como instrumento emancipatório se a democracia for refundada e, de certo modo, reinventada”. Nesse sentido, com o intuito de explanar se é possível ocupar o campo jurídico, por meio de conceitos abordados por Boaventura, é válido mostrar o “agravo de instrumento interposto por Plínio Formiguieri e Valéria Dreyer Formighieri, contra a decisão judicial que, nos autos da ação de reintegração de posse endereçada contra Loivo Dal Agnoll e outros, indeferiu a liminar reintegratória”, o qual revela a importância das lutas sociais, a exemplo do MTST, na conquista de direitos constitucionais.

            A partir da análise do julgado, em primeiro lugar, nota-se que o voto do Desembargador Luís Augusto Coelho Braga contém inúmeras referências do Direito Configurativo que prepondera no sistema judiciário brasileiro atualmente. Segundo ele, o MTST possui uma postura contrária ao direito tutelado pela Carta Magna, pois “não é desrespeitando as leis e agindo de forma temerária e revolucionária, nos moldes de guerrilha, dentro de um Estado Democrático de Direito, onde todo cidadão tem assegurado o exercício do legítimo direito de defesa da propriedade e de seu uso privado, quebrando a paz social e a tranquilidade jurídica e legal, que alcançarão a justa reforma agrária ou urbana”. Esse tipo de Direito, apresentado por Boaventura, luta por sua conservação e rigidez, configurando uma dualidade abissal entre os oprimidos (chamado de “direito dos 99%”) e opressores (denominado “direito dos 1%”). Nesse sentido, há de se afirmar que há lutas e ocupações violentas porque a ciência jurídica ainda é mantida pelas relações de poder realizadas pelos sujeitos dominadores, os quais buscam privar as conquistas das minorias, e instituem como ilegais tudo aquilo que foge do padrão conservador do campo jurídico.
            No entanto, embora existam indivíduos imersos na estrutura configurativa do Direito, as estratégias sociojurídicas dos movimentos sociais, com enfoque no Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, têm alcançado várias personalidades jurídicas, a exemplo dos outros dois desembargadores que julgaram o agravo de instrumento supracitado, Carlos Rafael Dos Santos Junior (Relator) e Mário José Gomes Pereira (Revisor), indicando a possibilidade de existência de um Direito Reconfigurativo no meio social, conforme mostrado por Boaventura de Souza Santos. As ações do movimento chamam a atenção para a estratégia de buscar uma interpretação nova, de se utilizar uma hermenêutica que instrumentalize um caráter contrahegemônico. Assim, a perspectiva de representar não somente o status quo, mas de dar voz, no campo jurídico, aos 99%, minimiza o abismo presente entre o direito dos oprimidos e o direito dos opressores. Tal é a veracidade da proposição apresentada que, segundo o revisor do agravo, “o Poder Judiciário não pode e nem deve ficar à margem dessa questão legal, que representa hoje o mais fundo conflito social brasileiro: o que coloca, de um lado da refrega, vastos contingentes de trabalhadores rurais sem-terra e, do outro, proprietários de glebas de grandes extensões”.
            Além disso, o desembargador Mário José Gomes Pereira, em seu voto, afirma que “o possuidor latifundiário que descumpre o princípio da destinação social da propriedade desafia o equilíbrio social e afronta o sentimento de justiça das populações pobres do campo”. Desse modo, diante da injustiça vivenciada pelas minorias, Boaventura afirma que “o MST tem mostrado acima de tudo a eficiência e a eficácia de suas estratégias políticas e jurídicas na luta por direito e justiça na urgente reforma agrária brasileira”, buscando, por meio de estratégias jurídicas e não-jurídicas, como recursos de Agravo de Instrumento, a prevalência dos direitos humanos sobre os direitos de propriedade e reinterpretações da lei constitucional e processual, construir novos discursos, e traduzir (ato denominado “tradução” pelo renomado professor Boaventura) as exposições e petições provenientes das diversas manifestações dos movimentos sociais para o Direito, ajudando na diminuição das relações de poder e das desigualdades.
                Torna-se evidente, portanto, por meio das inúmeras hermenêuticas díspares no que tange à propriedade e função social, que existe uma ecologia de saberes e de formas interpretativas inclusas no campo jurídico e que a decisão proferida pela maioria dos desembargadores reflete a tentativa em diminuir o abismo (estrutura abissal) existente entre os opressores e oprimidos. Não somente isso, mas que o Direito pode se converter em uma ferramenta emancipatória caso confrontado, mobilizado e adaptado por meio de um constitucionalismo transformador, “que efetivamente promove a igualdade política, social e econômica e o respeito pela igualdade (..) impulsionado de baixo para cima através de um processo político participativo”, conforme abordado por Boaventura. Dessa maneira, o julgado demonstra como o campo jurídico pode “abraçar” novas interpretações sem deixar de ser o mesmo instrumento (não precisa existir uma revolução ou mudança drástica, mas há a permissão para a entrada dos 99%). Esse direito é aquele que trabalha no sentido reconfigurativo, como já abordado, isto é, trazendo para o meio interno aquilo que deveria estar no Direito, mas não está. Logo, uma narrativa jurídica moderna é criada, ocupando essa área tradicionalmente analisada como “própria dos dominantes”.

Leonardo de Oliveira Baroni - Direito (Noturno).

De acordo com a teoria do reconhecimento de Honneth, os avanços sociais se dão em decorrência de uma “desigualdade” ocorrida em um determinado convívio social. Quando um cidadão percebe-se em em desigualdade em relação aos demais, ele se sente lesado, e então, passa a pleitear uma condição de igualdade. A isso, dá-se o nome de lutas emancipatórias, e essas lutas emancipatórias cada vez mais se fortalecem e são respaldadas por outras lutas emancipatórias. De acordo com Honneth, existem três princípios de reconhecimento, o reconhecimento do amor, o reconhecimento do direito, e o reconhecimento da solidariedade. O primeiro, do amor, é o núcleo fundamental de toda a moralidade, sendo o pilar das relações sociais e da autoconfiança, de modo a desenvolver a autonomia e o auto respeito necessário para que se participe da vida pública. Já o princípio de reconhecimento do direito, que ocorre quando o cidadão é reconhecido como um ativo membro de sua sociedade. Esse direito deve ser geral, de modo a considerar todos os interesses de todos os membros de sua sociedade. Por fim, o terceiro princípio de reconhecimento é o da solidariedade, que implica em uma integração social entre os objetivos e valores daqueles que convivem em um determinado meio social, de modo a se criar uma autocompreensão da sociedade. Para Honneth O amor se torna relevante posto que instiga o auto-respeito e a auto-estima. O indivíduo em busca de reconhecimento social precisa primeiro reconhecer-se e respeitar sua própria subjetividade. Assim uma organização coletiva precisa de integrantes conscientes do seu próprio eu, que se vejam como humanos o bastante para usufruir de direitos, e, consequentemente, tenham força de lutar contra a opressão do sistema. Em 2011, o STF julgou a legitimidade da união estável entre pessoas do mesmo sexo de forma unânime. A conquista desse direito é fruto de uma luta social e da pressão exercida pelo movimento LGBT, que se deu através quando esse “grupo” social se entendeu no direito de ser reconhecido juridicamente. Assim, é claro que do reconhecimento jurídico, foi necessário que tivesse o reconhecimento do amor, que exerceu influência e pressão social para que se se reconhecesse como legítima a união homoafetiva. Portanto, esse reconhecimento, não apenas garante às minorias a posição de sujeitos de direito, mas também possibilita uma realização pessoal de um grupo social. Honneth nos apresenta justamente uma inovação da teoria e da metodologia do reconhecimento humano e individual das lutas sociais, evidenciando os sentidos e indicando o amor com o mais importante agente de modificações positivas na sociedade. Alex de Andrade Freitas - Diurno

A união homoafetiva e a polêmica que envolve
   Na atualidade há uma luta de peso e diária para que a comunidade LGBT tenha seus direitos reconhecidos, e assim, desconstruir, pouco a pouco, o preconceito e aversão às pessoas decorrentes de sua sexualidade. Dessa maneira, há uma polêmica quando trata-se da união homoafetiva e sua legalização, já efetivada no Brasil atualmente, alegando-se de forma errônea e com base em preceitos conservadores que o ato ameaçaria a ordem, a cultura, prejudicaria as crianças, entre outros.
   Acontece, no entanto, que não há nenhuma prova de que um casamento desrespeite alguma lei já inclusa na Constituição Federal vigente, sendo, inclusive uma forma de dar legitimidade aquilo que a mesma institui, como o princípio de isonomia, o princípio da liberdade, principio da dignidade da pessoa humana, princípio da segurança jurídica, e o da Proporcionalidade.
   Axel Honneth caracteriza as origem das lutas sociais com base na teoria do reconhecimento, dividido em três dimensões crescentes: o amor, que é responsável, desde a infância pela auto confiança, indispensável para a participação autônoma na vida política, o direito, uma vez que a vigência de um conjunto de leis em uma comunidade gera o sentimento de identificação com o próximo, e a solidariedade, que se relaciona com a coletividade e a representatividade. Quando há lesão da construção do reconhecimento em uma dessas dimensões, e quanto esse processo é recorrente, passa-se a ter uma luta social, que conta, por vezes com o auxílio do judiciário para alcançar conquistas sociais com base na lei. A união homoafetiva e o conflito que trouxe consigo se baseia na falta de reconhecimento tanto no direito, quanto na solidariedade, quando não no amor, já que muita vezes a questão da sexualidade é motivo de conflito dentro da própria família do indivíduo.
   Ainda segundo Honneth, ele classifica as lutas sociais com base nas suas motivações, podendo essa ser o interesse ou o desrespeito. Assim, pode-se dizer que a luta pela direito do casamento entre homossexuais se inicia no desrespeito, quando há a falha no sentimento de reconhecimento, já que não se viam representados na lei os homossexuais e mesmo depois de que viam-se, muitas vezes sofrem preconceito pela comunidade, até tornar-se um conflito de interesses, que se relaciona com a sobrevivência, já que o amor e o casamento são coisas básicas e comuns entre toda a sociedade, condição muito tempo negada à homossexuais.
   Por isso, com um sentimento de lesão profundamente arraigado na sociedade LGBT, houve o ingresso à luta social pelo direito de exercer de maneira livre aquilo que já ocorria, e com o apoio do judiciário torna-se mais fácil para que o preconceito seja desconstruído no resto da população que não compactua com a união homoafetiva, e assim, alcançar um estado de equidade de direitos e diminuir o sentimento de lesão.



Mariana Cruz de Souza- Direito Diurno XXXV

   Posse e propriedade equânime
   Durante a formulação da Constituição de 46 houve uma pressão de grupos conservadores para que houvesse a manutenção disfarçada da disposição de poderes, e dessa forma, para que ainda houvesse uma certa dominação com base na propriedade de terras, a reforma agrária não foi aderida ao Brasil nem nesse período e nem posteriormente. Por isso, ainda hoje pode-se observar uma divisão desigual das terras que desencadeia diversos problemas, como pode ser materialmente representado pelo MST e suas ações. Dessa forma, com posteriores movimentos em prol de regularização de tal situação, o movimento social tem o caráter de um movimento novíssimo, visto que tem origem em um momento anterior, mas ainda persiste na atualidade e ainda adquiriu maior radicalismo, conforme Boaventura Sousa Santos.
   Em um país de base agrária e exportadora é de fundamental importância que haja um funcionamento produtivo das terras e que essas sejam beneficiarias a população, ao invés de não produzirem e servirem apenas para reprodução de poder e capital de uma minoria. Nesse sentido, Boaventura aponta o conceito do direito dos 1% e dos 99%, sendo aqueles os opressores e estes os oprimidos, que coexistem no mesmo espaço, sendo a minoria a que oprime as tentativas da minoria de reivindicar mudanças, anulando o perigo de passarem a não estar mais no poder.
   Acontece que, ainda como cita Boaventura: desde a crise de 2008 pôde-se perceber que os direitos sociais econômicos não são uma conquista sociais irreversível, mas sim um luxo insustentável, visto que não há coerência na concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, que muitas vezes não conseguem manter a terra produtiva, e ocorrem invasões de terra por grupos enormes de pessoas que precisam de terra para trabalhar e morar, e não possuem como aconteceu na Fazenda Primavera, o que pode ser reconhecido como uma desproporcionalidade absurda entre as classes.
  O alcance desses casos ao Tribunal se justifica pois há uma indignação fundamentada na vivência de uma injustiça por ambas as partes. No entanto, ainda que o direito à propriedade deva ser respeitado, deve haver uma regulação, nesse caso jurídico, para que hajam formas justas de divisão, com garantia de indenização aos proprietários iniciais e incentivos à ocupação. Por isso, na intenção de se modificar uma realidade e qual acredita-se ser prejudicial para boa parte da população como direito reconfigurativo, o qual pretende alterar as relações de poder e a reconfigurar a correlação de forças na sociedade.
   Portanto, a luta social por divisão de terras de forma justa e igualitária, provem da falha no processo agrário natural, o qual geralmente resulta em uma reforma, que não aconteceu no Brasil, e por isso, há inúmeras regiões com a atuação de lutas sociais para o benefício da sociedade no geral, que pretende contar com o apoio do judiciário, que positiva o reparo no caso agrário com o apoio das leis e da própria sociedade.


Mariana Cruz de Souza- Direito Diurno XXXV

Ruptura de paradigmas: a união homoafetiva


Em meados de 2011, o Supremo Tribunal Federal conferiu às uniões homoafetivas o caráter de entidade familiar, concedendo a mesma proteção jurídica destinada à união estável. Sob a ótica de Axel Honneth, a decisão da corte foi de suma importância para o movimento social dos homossexuais, já que houve o reconhecimento pela segunda dimensão, o direito. Isso é um importante passo para o reconhecimento, afinal, salvo algumas exceções, a primeira dimensão é extremamente prejudicada, interferindo na autoconfiança, mas o direito confere o autorrespeito. Com isso, pode haver a concretização da terceira dimensão, a solidariedade, reconhecimento pelos pares; já que, como disse Dimitri Dimoulis, o direito pode interferir na moral de uma sociedade.
A luta social é estimulada, segundo Honneth, pelo sentimento de lesão. Durante muito tempo, os homossexuais foram lesados, tanto no âmbito moral, quanto no físico; no decorrer da história, por exemplo, na Segunda Guerra Mundial, eles foram mortos por amarem um indivíduo do mesmo gênero. Até a contemporaneidade, os homossexuais sofreram de diversas maneiras o desrespeito, lesão moral, afinal, a OMS (Organização Mundial da Saúde) até 1990 considerou a homossexualidade como doença, ou seja, havia a negação da igualdade e até mesmo o da humanidade em relação aos homossexuais. A luta social começou quando houve a “comunidade de sofrimento”, o sentimento de lesão e trauma que um indivíduo passou, articulou-se com o coletivo, isto é, o trauma que um particular sofreu é semelhante entre os pares, do grupo social, que majoritariamente sofre com isso. Ou seja, as lesões que um homossexual sofre é semelhante ao do outro homossexual, como por exemplo: títulos vexatórios e, como já enunciado, a consideração patológica da homossexualidade.  
 Dessa forma, houve a ponte semântica, a reação contra a injustiça foi sentida por todos de uma mesma forma, gerando uma identidade coletiva, impulsionando as lutas sociais, incidindo no engajamento do grupo. Por isso, a decisão do STF foi de suma importância, já que garante a segunda dimensão do reconhecimento, incidindo no autorrespeito, isto é, o indivíduo se torna sujeito de direito; no julgado, os casais homoafetivos adquiriram direitos e deveres como qualquer outro casal derivado da união estável, ou seja, desde que haja a intenção de constituir família, o homoafetivo poderá registrar a união, podendo os cônjuges herdarem um do outro, adotarem, entre outros direitos. Esta instrumentalização, a positivação do reconhecimento da união homoafetiva, pode mudar a moral da sociedade, como diria Dimoulis, afinal, em diversas ocasiões uma norma mudou o pensamento da sociedade, haja vista que, na atualidade, a união é legal em termos jurídicos, abstraindo da ideia retrógrada de doença ou de anormalidade e essa nova relação será exposta ao corpo social, acarretando em uma mudança de mentalidade, obviamente, isso não acontecerá de forma espontânea.
Sendo assim, a decisão da Corte seguiu um dos princípios fundamentais da Constituição que é o princípio da dignidade da pessoa humana. Negar ou criminalizar o casamento homoafetivo é negar a própria existência do indivíduo, pois como diria Max Scheler, citado no voto do Ministro Ayres Britto, “O ser humano, antes de um ser pensante ou volitivo, é um ser amante”. Além disso, na perspectiva de Honneth, a atual conjectura da condição homoafetiva está incidindo na última dimensão do reconhecimento, a solidariedade. Nessa dimensão, os homossexuais são reconhecidos, isto é, os pares e a sociedade, reconhecem os seus valores e moral, titulando como legitimo e igualitário. Entretanto, até que complete essa fase, muitos paradigmas devem ser quebrados e estruturas remodeladas, mas deve se lembrar que, para Honneth, essa é a última dimensão do reconhecimento, ou seja, diversos paradigmas já foram quebrados, estando muito próximo da resolução desse embate e a Corte corroborou para que isso aconteça.  

Joelson Vitor Ramos dos Santos - Matutino, Turma XXXV

A ocupação do direito na sociedade contemporânea


Observando a realidade brasileira contemporânea, nota-se que há entre os indivíduos uma divergência social dispare, derivado, principalmente, do acesso à posse e propriedade da terra, enquanto uns possuem muita terra, outros se subordinam para viverem nelas. Boaventura relata em seus estudos que para chegar nessa estrutura, no decorrer da história, o direito e o sistema judicial foram utilizados para legitimar e consolidar essas situações injustas, incidindo no direito dos 99%, os menos favorecidos, e dos 1%, os mais favorecidos. Em sede disso, o autor acredita em uma mudança social, isto é, processos políticos cujo objetivo é incluir na sociedade os grupos sociais isolados socialmente, visando a concretização de uma justiça social, para tanto os movimentos sociais são de suma importância para a mobilização desse direito que por muito tempo desigualou os entes, acarretando em uma hermenêutica diferenciada, derivando em movimentos contra-hegemônicos. Sabendo disso, movimentos como o MST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) cumpre a função de mudar o paradigma vigente, estimulando a ocupação do direito.
Em meados de 2001, por meio de um agravo de instrumento interposto por Formiguieri, o poder judiciário lidou diretamente com o que foi retratado por Boaventura e posicionou-se favorável a mudança social, negando o agravo. No caso, os envolvidos relatam que a sua propriedade foi ocupada por pessoas que são membros do MST, isto é, pessoas que não possuem residência e propriedade, e acabam ocupando o território. Em termos legais, seguindo a letra da lei, essa ocupação é ilegítima, pois fere um dos princípios constitucionais, todavia, nesse caso, também é inconstitucional a situação na qual a propriedade se encontrava e a situação dos membros do MST, uma vez que o direito a uma vida digna não foi concretizado, afinal, a moradia é o pilar da dignidade. Os desembargadores em todo momento seguiram o princípio constitucional da função social da propriedade, que incide no fato de que a propriedade deve deter de uma utilidade. Ou seja, a propriedade que foi ocupada não exercia função social e com a chegada do MST passou a possuir isso.
Essa decisão recai sobre um direito contra-hegemônico. Ao longo da história do MST, poucos juízes foram favoráveis àqueles que Boaventura chamaria de 99%, uma vez que a estrutura social começou a mudar com o advento da Constituição de 1988 que engendrou diversos elementos dos direitos de caráter cosmopolita, os diretos humanos. Nessa nova organização, as universidades começaram a ensinar aos futuros doutrinadores e operadores do direito conceitos que tangenciam as novas propostas e demandas sociais, entre elas a função social da propriedade. Isso fortaleceu os movimentos contra-hegemônicos, entre eles o MST, que encontrou nessas lacunas que demandam de interpretação, uma forma de ocupar o direito. Como no caso apresentado, o direito à moradia foi conquistado, correlacionando a propriedade com a função social. Para tal ato, houve a necessidade do acesso à justiça, algo que começa a ser acessado pela população. Tudo que foi salientado, condiz com o que Boaventura chama de direito reconfigurativo, isto é, remodelar a hegemonia presente, utilizando de artifícios que o próprio direito concede.
Sendo assim, Boaventura acredita que determinados grupos podem angariar ganhos superiores em relação as restrições que detinham até determinado momento, emancipação por meio do direito. Para isso os movimentos sociais devem estabelecer estratégias políticas e jurídicas, como ocupações coletivas, como feito no caso exposto, a Fazenda Primavera, e mobilizar de maneira proativa o judiciário, estabelecendo recursos que apresentam reinvindicações em prol do cumprimento do direito que foi positivado na Constituição Cidadã, a título de exemplo: direito à moradia e a exigência do cumprimento da função social da propriedade. Dessa forma, para Boaventura, a mudança social virá com o uso do direito como instrumento emancipatório e com a reformulação da democracia, reconfigurando as relações de poder, quando o direito que os 1% possuem passarem a ser usados em prol dos 99%.

Joelson Vitor Ramos dos Santos - Matutino, Turma XXXV


A legitimação da afetividade


Os fatores que engendram as lutas sociais foram amplamente discutidos ao longo da história: para os positivistas, representavam uma desordem na estrutura social; já Karl Marx as interpretava como uma dialética natural entre as classes oprimidas e dominantes; Pierre Bourdieu, por outro lado, entendia essas lutas como um condicionamento conflitante entre as relações simbólicas.
Traz um novo entendimento, nesse sentido, o sociólogo Axel Honneth. Para ele, as mobilizações sociais não se dão somente por interesse como os conflitos de classe, mas se movem a partir das lesões dos sentimentos morais que impulsionam a luta, primeiramente individuais e depois coletivos. Isto é, no momento em que o sujeito tem sua condição de igual negada perante os demais devido a alguma particularidade sua, ele passa a buscar um reconhecimento. Esse desrespeito, contudo, não fica apenas no âmbito privado, já que através de uma ponte semântica cria-se uma identidade coletiva, uma comunidade em que a dor é sentida por todos aqueles que não tem seus valores legitimados pela sociedade.
À luz da formulação de Honneth, assim, é possível entender como exemplo dessa luta o caso do casamento homoafetivo, discutido pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, o qual resultou na legalização da união de pessoas do mesmo sexo, garantido aos homossexuais o mesmo tratamento de casais heterossexuais. Essa busca por uma igualdade civil-moral desse grupo, ademais, tenta abranger o ‘’pluralismo sócio-político-cultural’’ da nossa sociedade atual desenvolvendo o sistema democrático representando a respeitosa convivência dos contrários.
Os ministros, por fim, entenderam seu veredito estava em conformidade com a Constituição Federal, na medida em que ela proíbe o preconceito e prevê que cada um deve dispor de seu aparelho reprodutivo como bem quiser. Ademais, a Carta Magna protege em seu Art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana, assim como o direito à intimidade, à privacidade, à liberdade e a livre disposição da própria sexualidade, trazendo a aplicação de diversos Direitos Humanos na hermenêutica do texto constitucional. A decisão final da Suprema Corte, portanto, foi imprescindível para que mais uma minoria tivesse seus valores validados e legitimados perante a sociedade, cessando a lesão aos seus sentimentos morais.
Axel Honneth, outrossim, consta que existem três dimensões para o reconhecimento: a primeira é o amor materno (primeiros contatos com o afeto que traz um sentimento de autoconfiança primordial), a segunda pelo Direito (ocorre quando o sujeito expande sua estima social atingindo o Estado, isso gera um respeito para consigo mesmo, uma vez que ele entendo que a mesma lei que o rege também rege a vida dos demais) e a terceira, por fim, é o reconhecimento dos pares que leva a uma solidariedade ou estima social.
Aqueles que sentiam atração por indivíduos do mesmo sexo, dessa forma, antes do veredito do julgado, estavam sujeitos a uma dupla lesão, uma vez que não possuíam nem o reconhecimento do Direito e nem de seus pares. Isso leva, por conseguinte, a uma busca desse grupo por uma luta de efetivação de seus valores no meio jurídico, pois, não obstante não tenha o reconhecimento do todo, ao menos a força da lei lhe é favorável. Ademais, quando a identidade se torna coletiva, o sujeito passa a ter seus valores legitimados dentro do grupo, o que traz um empoderamento e um reconhecimento antecipado, bem como uma perspectiva futura de legitimação social.
Os homossexuais, assim, constituem um conjunto de pessoas com uma determinada identidade psíquica que demonstram que a afetividade supera a biologicidade, a qual independe de qualquer vontade por ser mecânica e automática. O conceito de família, além disso, também se torna mais abrangente e subjetivo, pois é um fato cultural e espiritual, não necessariamente biológico, portanto, entende-se que a união heteroafetiva não representa o único tipo de entidade familiar possível e que legalizar o casamento entre as pessoas do mesmo sexo não fere o direito dos casais compostos por indivíduos de sexos diferentes, portanto, não há nenhum tipo de dano social na decisão do Tribunal.
Diante do supracitado, por fim, conclui-se que, a partir da perspectiva de Honneth, a legalização do casamento homoafetivo se traduz em uma luta pelas condições intersubjetivas de integridade pessoal, objetivando a validade dos sentimentos morais do indivíduo que aspira atingir todas as dimensões de reconhecimento previstas pelo sociólogo.


LÍVIA MARINHO GOTO - TURMA XXXV- MATUTINO

Por ser e para ser igual: ADI 4277 à luz da “lógica moral dos conflitos sociais”

                                                         Para Marx, estava fora de questão que o movimento  operário                                                                                  sintetizasse seus fins em “dignidade”. (HONNETH, 2003, p.253) 
      A lógica moral dos conflitos sociais é uma terra pouco conhecida no horizonte da sociologia. Em se tratando dos aspectos que impulsionam os movimentos de luta contra a injustiça e busca por reconhecimento, a redução de suas demandas a meros “interesses” tem feito destes os verdadeiros protagonistas no cenário da busca pelas explicações dos conflitos sociais. Impulsionado pelos defeitos do reducionismo, Axel Honneth, na linha da crítica social da escola de Frankfurt, lança mão dos elementos da “gramática moral dos conflitos sociais” no contexto da luta por reconhecimento, luta essa que se materializa nos elementos presentes na ADI 4277, julgada no plenário do STF.  
  A interpretação de Honneth se alinha com a ação direta pelo reconhecimento da união homoafetiva em múltiplos aspectos, dentre os quais se destacam o contexto externo condicionante e o conteúdo do acórdão que publicou a decisão do colegiado. De início, a conjuntura que implica o surgimento de uma demanda por reconhecimento, para Honneth, consiste no encadeamento de sentimentos morais de injustiça. Num dado momento, todos os indivíduos que se sentem injustiçados por, ao mesmo tempo, serem plenos em dignidade devido a sua condição humana e terem sua posição de igualdade rejeitada. A condição para que isso aconteça consiste na conexão entre experiência de desrespeito individual e experiências de desrespeito coletivas, conexão tal que dá o significado ao sentimento comum(a ponte semântica) tendo em vista que a percepção da condição desigual da coletividade fortalece o potencial da luta por reconhecimento.
    Seguindo essa linha, a ADI 4277 reúne os atributos que Honneth considera essenciais para a luta por reconhecimento. A inconstitucionalidade denunciada diz respeito tão somente ao não reconhecimento da possibilidade de o tripé amor, respeito e solidariedade poder se constituir em uma relação entre pessoas do mesmo sexo. Como Honneth afirma, por não estar assente a ideia da homoafetividade na gramática moral é necessário engendrá-la na forma da luta contra a denegação do reconhecimento, de forma que existam condições de ampliar o horizonte das experiências morais. 
  Quanto ao conteúdo do julgado, aliás, em que se destacam os votos unanimemente favoráveis à equiparação da união homoafetiva à heteroafetiva, do ponto de vista de Honneth, ocorre a liberação do potencial normativo em prol do reconhecimento. Ora, se de fato são todos iguais em direitos e oportunidades e não havendo vedação ao afeto entre pessoas do mesmo sexo, cabe ao direito, tendo em vista estancar a lesão normativa do não reconhecimento, reconhecer a igualdade que este próprio prega.  
  Por fim, há uma lógica da ampliação das relações de reconhecimento que consiste no aspecto essencial dos conflitos sociais. Devido ao fato de, em sua filosofia interna e em seu funcionamento haver a concretização daquilo que a própria coletividade em prol do reconhecimento prega - ou seja, a busca pela extinção do desrespeito- , luta por reconhecimento é um processo que aufere abrangência e culmina no aprendizado moral, com o destacamento de sua semântica interna. Eis o que se deu na ADI 4277, a luta por reconhecimento seguiu do contexto coletivo ou grupal para o nível jurídico nacional.


 João Pedro Santos Frari - Matutino