quinta-feira, 28 de junho de 2018

A legitimação da afetividade


Os fatores que engendram as lutas sociais foram amplamente discutidos ao longo da história: para os positivistas, representavam uma desordem na estrutura social; já Karl Marx as interpretava como uma dialética natural entre as classes oprimidas e dominantes; Pierre Bourdieu, por outro lado, entendia essas lutas como um condicionamento conflitante entre as relações simbólicas.
Traz um novo entendimento, nesse sentido, o sociólogo Axel Honneth. Para ele, as mobilizações sociais não se dão somente por interesse como os conflitos de classe, mas se movem a partir das lesões dos sentimentos morais que impulsionam a luta, primeiramente individuais e depois coletivos. Isto é, no momento em que o sujeito tem sua condição de igual negada perante os demais devido a alguma particularidade sua, ele passa a buscar um reconhecimento. Esse desrespeito, contudo, não fica apenas no âmbito privado, já que através de uma ponte semântica cria-se uma identidade coletiva, uma comunidade em que a dor é sentida por todos aqueles que não tem seus valores legitimados pela sociedade.
À luz da formulação de Honneth, assim, é possível entender como exemplo dessa luta o caso do casamento homoafetivo, discutido pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, o qual resultou na legalização da união de pessoas do mesmo sexo, garantido aos homossexuais o mesmo tratamento de casais heterossexuais. Essa busca por uma igualdade civil-moral desse grupo, ademais, tenta abranger o ‘’pluralismo sócio-político-cultural’’ da nossa sociedade atual desenvolvendo o sistema democrático representando a respeitosa convivência dos contrários.
Os ministros, por fim, entenderam seu veredito estava em conformidade com a Constituição Federal, na medida em que ela proíbe o preconceito e prevê que cada um deve dispor de seu aparelho reprodutivo como bem quiser. Ademais, a Carta Magna protege em seu Art. 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana, assim como o direito à intimidade, à privacidade, à liberdade e a livre disposição da própria sexualidade, trazendo a aplicação de diversos Direitos Humanos na hermenêutica do texto constitucional. A decisão final da Suprema Corte, portanto, foi imprescindível para que mais uma minoria tivesse seus valores validados e legitimados perante a sociedade, cessando a lesão aos seus sentimentos morais.
Axel Honneth, outrossim, consta que existem três dimensões para o reconhecimento: a primeira é o amor materno (primeiros contatos com o afeto que traz um sentimento de autoconfiança primordial), a segunda pelo Direito (ocorre quando o sujeito expande sua estima social atingindo o Estado, isso gera um respeito para consigo mesmo, uma vez que ele entendo que a mesma lei que o rege também rege a vida dos demais) e a terceira, por fim, é o reconhecimento dos pares que leva a uma solidariedade ou estima social.
Aqueles que sentiam atração por indivíduos do mesmo sexo, dessa forma, antes do veredito do julgado, estavam sujeitos a uma dupla lesão, uma vez que não possuíam nem o reconhecimento do Direito e nem de seus pares. Isso leva, por conseguinte, a uma busca desse grupo por uma luta de efetivação de seus valores no meio jurídico, pois, não obstante não tenha o reconhecimento do todo, ao menos a força da lei lhe é favorável. Ademais, quando a identidade se torna coletiva, o sujeito passa a ter seus valores legitimados dentro do grupo, o que traz um empoderamento e um reconhecimento antecipado, bem como uma perspectiva futura de legitimação social.
Os homossexuais, assim, constituem um conjunto de pessoas com uma determinada identidade psíquica que demonstram que a afetividade supera a biologicidade, a qual independe de qualquer vontade por ser mecânica e automática. O conceito de família, além disso, também se torna mais abrangente e subjetivo, pois é um fato cultural e espiritual, não necessariamente biológico, portanto, entende-se que a união heteroafetiva não representa o único tipo de entidade familiar possível e que legalizar o casamento entre as pessoas do mesmo sexo não fere o direito dos casais compostos por indivíduos de sexos diferentes, portanto, não há nenhum tipo de dano social na decisão do Tribunal.
Diante do supracitado, por fim, conclui-se que, a partir da perspectiva de Honneth, a legalização do casamento homoafetivo se traduz em uma luta pelas condições intersubjetivas de integridade pessoal, objetivando a validade dos sentimentos morais do indivíduo que aspira atingir todas as dimensões de reconhecimento previstas pelo sociólogo.


LÍVIA MARINHO GOTO - TURMA XXXV- MATUTINO

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