segunda-feira, 11 de junho de 2018

A ADPF 54, julgada pelo STF como procedente para declaração de que é  inconstitucional a interpretação de que a interrupção da gestação de feto  anencéfalo é conduta tipificada pelo Código Penal brasileiro, será aqui analisada.

A Primeira Turma do STF entendeu que a interrupção da gestação de um feto anencéfalo, desde que ocorra até a 12ª semana da gestação, não jurídico deve ordenamento jurídico nacional. Afinal a anencefalia é uma patologia que inviabiliza a existência de vida do feto após o parto. Deste modo, o entendimento da Primeira Turma é de que uma vez que é inviável a vida extra-uterina, a interrupção de gestação de anencéfalos não é como as demais interrupções de gestação de fetos que gozam da possibilidade de viver extra-uterinamente.
Dessa forma, uma vez que o aborto é baseado na interrupção de uma presunção de viabilidade de vida do feto, não há que se falar em aborto nessas interrupções em especial.
Sob outro ponto de vista, a Constituição Federal do Brasil garante o direito à saúde e autonomia da vontade e a dignidade da pessoa humana. Assim, deve se garantir que a mulher possa ter autonomia de escolher se quer ou não manter a gestação de feto anencéfalo nesses primeiros meses de gestação, uma vez que essa gestação, se continuada, muitas vezes pode vir a causar danos à saúde da mulher, notadamente no que diz respeita à saúde mental.
 Bourdieu afirma que no Direito “há um corpo hierarquizado o qual põe em prática procedimentos codificados de resolução de conflitos…”, e que por isso é a área que nos permite adotar decisões mais coesas do que outras área de direito. Por isso, apesar da os juízes gozarem de certa autonomia para interpretar as normas, eles não são livres por completo, uma vez que precisam seguir uma série de normas, princípios e estruturas determinadas pelo ordenamento jurídico.
Por isso, há uma simbólica estruturação do área jurídica que permite assumir decisões legítimas, mesmo que essas decisões sejam contrárias às  opiniões majoritárias.

É exatamente isso que acontece na ADPF 54, pois os juízes são levados  polo ativismo jurídico, com a intenção de promover de avanços civilizatórios em nome de valores racionais, mas, contudo, são resguardados por legítimas decisões baseadas no ordenamento jurídico brasileiro.

Discente: Alex de Andrade Freitas - Noturno
Ser ou não ser, a questão
Que se eterniza na humanidade
Por mais de uma geração.
Conceituar a vida de verdade
Tarefa árdua
Da decisão a sentença
De pouca esperança
Num mundo enquadrado
Da solução ADPF 54.

Negligência juridica
Em que escapam donos de capital
Dinheiro que sobrepõe a lei estrita
Enquanto descapitalizados sofrem no hospital

Joao Pedro de Matos Silva, Direito Diurno XXXV

Bourdieu e uma análise da ADPF 54 e seu significado


A arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 tratou do caráter de constitucionalidade ou não, do tratamento dado pelo Código Penal, a conduta de interrupção da gravidez no caso específico da anencefalia. Com um Acórdão favorável as liberdades sexuais e reprodutivas da mulher nesses casos, é possível fazer uma análise dos fatos à luz do pensamento de Bourdieu e “O poder simbólico” de que ele trata. Serão trabalhadas as dimensões do ordenamento jurídico e as classificações dos operadores do direito para a discussão.
     Bourdieu se posiciona de maneira contraria a ambos Instrumentalismo Marxista – na medida que o direito não seria um mero instrumento de classe – e Formalismo de Kelsen – sendo o direito passível de influência de pressões sociais, bem como se configura a Judicialização, distinta do Ativismo Jurídico -. O direito existiria, então, além do controle de classe e de sua forma puramente científica, sendo os instrumentos do campo jurídico de Bourdieu passíveis de ativação pela sociedade.
     O fator do “Poder Simbólico”, tratado por Bourdieu, se revela não apenas nos embates entre operadores e doutrinadores na dinâmica de luta simbólica da aplicação do direito tratada por Bourdieu, mas também na ativação do Judiciário no Julgamento da ADPF 54 em prol da condição da mulher. Esse poder emana da própria condição feminina, na medida que as mulheres são capazes de maior credibilidade no acionamento do direito para a resolução do conflito tratado na ADPF específica, sendo consideradas agentes da mobilização desse direito. Essa credibilidade feminina advém principalmente dos desafios dos Operadores no processo de molde das Doutrinas, da adequação do fato a norma, tratada na Teoria tridimensional do direito de Miguel Reale. A condição do anencéfalo como nascituro com direitos resguardados – artigo 2° do Código Civil de 2002 -, e o embate hermenêutico da definição da morte como aspecto neurológico, abrem espaço para a atuação da mulher como agente, na medida que o aborto de anencéfalos, como trata a ADPF e seu Acórdão favorável a tal medida, resultam no interesse da mulher e seu bem estar como direitos fundamentais, resguardados na Constituição Federal.
     O limite dessa hermenêutica dos Operadores é configurado pelo “Espaço dos Possíveis” de Bourdieu, na medida que esse espaço se configura pelas relações de força do campo do direito – disputas doutrinárias e hermenêuticas -, e a lógica interna das disputas – que baliza todo o ordenamento na doutrina, jurisprudência e o próprio direito -. O “Campo Jurídico” de Bourdieu se define nessa dupla relação, sendo sempre constituído da lógica positiva da ciência – o racional, a doutrina -, juntamente com a lógica normativa da moral – presente em certo espaço, em certa época -. No caso específico da ADPF, Bourdieu se faz visível nessa dimensão, na medida que o produto da análise da referida Arguição é justamente a mudança da lógica normativa da moral pela aplicação da doutrina ao caso concreto, feita pelos Operadores do direito.
     Essa estrutura do Campo Jurídico é excludente, na medida que a não adequação aos símbolos e códigos de determinado campo irá culminar na impossibilidade de participação e integração do mesmo. O fator de domínio, que está presente no direito e que, embora não seja a única vertente – Instrumentalismo -, se configura pelas suas simbologias e estruturas de distinção internas. A incorporação dessas estruturas pelos movimentos sociais na luta por direitos ocorre justamente na judicialização, da qual a ADPF faz parte. No direito, o “Habitus” dos movimentos de luta por direitos devem sempre adquirir uma roupagem doutrinária, jurisprudencial e Constitucional, se adequando ao Campo Jurídico de Bourdieu e tomando legitimidade por meio da adequação formal da linguagem, “Neutralizando” medidas com ímpeto social para proporcionar a “Universalidade” do direito, aspectos trabalhados por Bourdieu.

Aluno: Gabriel Garro Momesso       Turma: XXXV Direito Diurno


A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO E A SOCIEDADE DE ACORDO COM BOURDIEU

Uma questão atual sendo tratada pelo direito é o aborto de fetos anencéfalos. Há argumentos tanto contra quanto a favor, porém, esse entrave será julgado sob o ponto de vista de Bourdieu, sob a maneira como ele interpretava o direito como estrutura na sociedade.
A teoria de Bourdieu, denominada estruturalismo construtivista, procura evitar olhar o direito sob a visão do instrumentalismo, usado por Marx, ou o formalismo. Dessa maneira, utilizando da ideia de autonomia relativa, uma vez que o poder está além de relações de dominação simples de dominação de acordo com Bourdieu. A autonomia relativa interpreta o direito como tanto instrumento para dominação como força autônoma que possui relações de dominação em si mesmo. Nisso, entra a ideia do poder simbólico, o poder que gera a competitividade, pois em relações sociais busca-se este poder para obter distinção e, consequentemente, superioridade.
Usando o termo usado em sala pelo professor, que descreve de maneira sucinta a aplicação da teoria de Bourdieu no direito, a questão dos anencéfalos é um perfeito exemplo das relações competitivas dentro do direito “é a competição pelo poder de dizer o direito”. É observado que em situações como esta a competição pelo “direito de dizer o direito” ocorre porque a lei positivada gera eficácia simbólica.
Outra ideia de Bourdieu era a do Habitus: disposições sociais incorporadas pelo indivíduo, vindas de sua classe e meio social. Retomando a eficácia simbólica do direito positivado e relacionando com a ideia de Habitus, isto significaria que dependendo da eficácia simbólica que o direito gerará determinadas classes adquirirão poder simbólico. Entra novamente a autonomia relativa, uma vez que neste caso o direito estará sendo usado como instrumento de dominação. Por exemplo, a decisão contra o aborto dos fetos afetados pela doença pode estar de acordo com o Habitus de pessoas que seguem determinada doutrina religiosa que se apresenta como uma maioria no país.
Tendo em vista o último exemplo, engancha-se a crítica de Bourdieu a Kelsen, pela extrema valorização da norma. É necessário que o direito seja uma força autônoma em situações de necessidade, como a aprovação do aborto de anencéfalos em 2002, que provavelmente foi contra os valores de boa parte da população brasileira.





Matheus Cattini Bueno – Turma XXXV de direito - Matutino

Bourdieu e a harmonia no Direito

Para o sociólogo Pierre Bourdieu o Direito deveria evitar o instrumentalismo e o formalismo, ou seja, afastar-se dos extremos, tanto do julgamento pautado apenas nas normas(formalismo), quanto do instrumentalismo, uma jurisdição influenciada apenas por pressões sociais, principalmente pela classe dominante, que exerceria uma imposição de seus valores, mesmo que o por si só o Direito assim como todos outros campos, Medicina, Artes e etc, exerça um meio de controle social garantindo um capital simbólico, uma diferenciação para que os formados em tal ciência, com sua liguagem juridica diferenciada e toda sua bagagem de estudo possa diferenciar-se de todos os outros e apenas esse grupo possa exercer a jurisdição.
Em consonância com a teoria de Bourdieu acerca de uma harmonia entre instrumentalismo e formalismo o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) como procedente colocou em prática tal ideia, pois analisou os aspectos vindos das instituições como o conselho da Medicina e a Igreja e a norma vigente para decidir como permitido o aborto de anencéfalos, bastando a decisão da gestante acerca de tal atitude.
O STF pautou-se nas normas que garantem à gestante integridade física, psicologica e moral, além de autonomia da vontade, pois, um feto anencéfalo não sobrevive, mesmo que nasça, morre em pouco dias, e em 65% dos casos, o feto morre ainda dentro do útero da mãe, o que acarretará em problemas psicologicos para a gestante, pois um feto morto,sem a ciencia da gestante, pode causar complicações para a saúde da mulher, e mesmo carregando 9 meses o bebê na barriga, a gestante já terá a consciência que seu filho não sobreviverá. Além disso, concluiram que o feto anencefálico não possui vida e sendo o aborto um crime contra a vida, não estaria protegendo algo que não existe, pois já está morto.
Essa difícil decisão também levou em conta a sociedade atual desconsiderando o código  penal de 1940, que se mostra retrógrado para abordagem desse problema, além de violar o previsto pela Constituição de 1988 como já abordado anteriormente.
Assim, cabe aos operadores do direito pautar-se na lei, mas analisar todo contexto e as demandas atuais, para que o julgamento seja de modo mais justo possível, e para alcançar uma harmonia entre as pressões sociais e as leis vigentes.


Direito diurno -Mariana Mastellaro

A Formalização das Decisões pelo Direito

    É errôneo pensar que o Direito nas esferas atuais não sofra qualquer tipo de interpretação. Sendo assim, quando nos deparamos com a formalização de uma decisão comum, essa decisão não estaria fugindo da capacidade moral de seu julgador, não estaria invadindo outro campo que não de sua competência ?
    Exemplificando melhor. Temos as definições do que é o direito a vida em nossa Constituição Federal. Contudo, também temos a definição do Instituto do Conselho de Medicina. Quando essas ideias entram em confronto, como entrar em consenso ? Sendo a Constituição a razão maior, o Supremo Tribunal Federal interfere e aplica sua ciência para que se faça o bom entendimento sobre o que é vida. Justamente ai que encontramos nossa problemática, pois um ministro aplica o seu entendimento, incluindo sua moral, podendo ser conservador ou liberal.
    Se a democracia é o povo no poder, por que onze ministros vêm decidindo nossas problemáticas maiores ? Bom, o Bourdieu já diria em seu livro "A Força do Direito: Elementos para uma Sociologia do Campo Jurídico" que temos de tentar evitar tal instrumentalismo, dito por Karl Marx, a ideia do direito a serviço da classe dominante (representada pelos ministros do STF) e o formalismo de Kelsen, acreditar na neutralidade do direito. Por isso, como dito na introdução, é errôneo pensar que direito não sofre qualquer interpretação.
    Bom, os direitos se entrepõe e se sobrepõe pois há uma competição entre quem deve e quem pode dizer o direito, ou seja, quem tem o direito de dizer o direito. Uma competição, que no caso refere-se ao STF e ao Conselho de Medicina sobre o que é vida na questão do aborto. Uma disputa acirrada sobre quem tem essa forma de poder simbólico, quando na verdade, o poder devia emanar direitamente do povo.
   Médicos são os capazes para responder o que é vida, contudo, pensando que terão de legislar tal decisão em âmbito social, a capacidade é elevada ao jurídico. Devido a isso, surge tal embate. Mas como resolve-lo ?
   Por mais discordioso que possa parecer, como envolve uma questão de opinião pública, o certo seria criar um plebiscito. Ou seja, médicos dão seu parecer, o publico vota e o judiciário consente. Por mais que pareça uma solução meramente utópica, seria a mais razoável, pois seria feita a democracia, a vontade da maioria.
    Mesmo que não sendo um sistema perfeito, as resoluções democráticas são as menos piores, apesar de excluir as menorias das decisões, consente a razão da maioria, ou seja, é feito o "habitus", disposições de classe, também como diria Bourdieu.
    Caso o contrário, caso apenas observarmos nossa sociedade e não interagir com esse embate do direito, estaríamos  imóveis, ai poderíamos falar em direito como a manutenção do "status quo", apenas entravancando debates, nunca resolvendo-os.


Guilherme L. Borges - Direito Diurno - Turma XXXV

Pierre Bourdieua aborda, em sua teoria, características referentes ao campo jurídico, o qual diz respeito a um espaço constituído por habitus específicos - que são trazidos a esse meio pelos atores que participam deste - autonomia de valores, alem de uma linguagem própria do meio
Para o autor deve-se evitar o instrumentalismo, ou seja, a ideia de que o Direito trabalha a favor de uma classe dominante. Bem como o  realiza críticas a Kelsen, que diz que o direito não é a "autonomia absoluta do pensamento da ação jurídica". Dessa forma, as pessoas trazem seus habitus externo ao campo jurídico no momento de aplicação do Direito.
        O Direito deve possuir carater universalizado. Aquilo que é trazido de fora deve ser interpretado pelo campo, deve ser aceito e devem existir lutas simbólicas que não vão contra o Direito, mas sim, contra certa posição existente dentro deste com o intuito de atingir a mudança desejada para que os anseios daqueles que o utilizam para atingir seus desejos seja alcançada e este se aproprie ao tempo em que está sendo utilizado.
             Sendo assim, no tocante a ADPF/54 - que trata da questão do aborto de fetos anencéfalos - é possível estabelecer relações com as teorias de Bourdieu. Até os dias de hoje, vivemos em uma sociedade que trata não apenas o aborto de fetos anencefálicos, mas o caso do aborto como um todo, dentro do espaço dos possíveis sobre o qual Bordieu disserta, que restringe esta decisão a uma minoria que domina o poder. A conclusão da ADPF/54 de aprovar o aborto em caso de fetos anéncefalos demonstra que o direito pode adquirir valores de acordo com as mudanças e reivindicações sociais de determinada época que possui uma variação na visão dos valores predominantes. Dessa forma, como nos traz Pierre Bourdieu, o direito deve  condizer com a realidade, sendo um reflexo da sociedade na qual está inserido. No entanto, ainda há muito o que ser feito para que haja uma verdadeira apliacação do espaço dos possíveis e, assim, existir um direito universalizante.

Victor Sawada - Turma XXXIV

O aborto de anencéfalos e sua legalização


                        O aborto de anencéfalos e sua legalização

A questão do aborto é sem dúvidas, muito polêmica e motivo de diversas discussões acerca da sua legalidade atualmente. Se por um lado o movimento feminista defende a legalização do mesmo alegando o direito sobre o próprio corpo, a parcela mais conservadora da sociedade juntamente com a população católica defendem a continuidade da proibição do mesmo, alegando que o feto, por já ter vida, tem o direito de manter a mesma.
Existem alguns casos em que o aborto é permitido por lei no Brasil, que são os casos em que a gravidez se deu por meio de estupro, quando o feto é anencéfalo e quando a gravidez gera risco de vida para a gestante. No caso dos anencéfalos, a legalização do processo ocorreu somente em 2012 por decisão do STF pela ADPF 54. O que tem total racionalidade, já que o feto, quando anencéfalo, é gerado e nasce sem atividade cerebral e então juridicamente natimorto, o que não o confere o direito a vida e, portanto, não fere nenhum direito abortar o mesmo.
Somado a isso, há todo o processo de gravidez pelo qual a mulher tem que passar, que, no caso de fetos anencéfalos, pode causar grandes danos à saúde da mesma e em grandes números dos casos gera depressão para a gestante, que sabe que seu bebê não vai aguentar muito tempo após o nascimento. Processo pelo qual não há sentido passar uma vez que a anencefalia é uma patologia letal e o bebê que sofre dessa deficiência possui uma expectativa de vida muito curta.
Sendo assim, a legalização do aborto nesse caso é plenamente justa e representa uma decisão multidisciplinar do judiciário, que utilizou de recursos da Medicina e do Direito para fazer a decisão correta. Tal balanço interdisciplinar é um exemplo do pensamento do sociólogo Pierre Bourdieu, que fala que a melhor maneira para se tomar as decisões mais adequadas é justamente balancear bem as disciplinas abordadas.
Por isso, a legalização do aborto no caso de anencefalia representa um avanço do direito no que tange a sua adequação a realidade, tornando-o mais justo.


Alexandre Alves Della Coletta – Turma XXXV – Diurno

O Aborto de Anencéfalos, a Ética e a Legislação Brasileira

Anencefalia: malformação congênita caracterizada pelo defeito no fechamento do tubo neural do feto, levando à ausência completa ou parcial do cérebro e do crânio do mesmo. De fato, tal problema é incompatível com a vida, visto que apenas 25% dos anencéfalos apresentam sinais vitais na primeira semana após o parto, além de a gravidez em si resultar em inúmeros prejuízos para a mãe durante a gestação, como a eclampsia, embolia pulmonar, aumento do líquido amniótico e até a morte materna. Assim, após inúmeros debates em torno do assunto, foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2012, a legalização do aborto em casos de anencefalia, gerando a constante polêmica sobre a partir de que momento em uma gestação é considerado vida e a ética envolvida na possível interrupção desta.
A discussão foi iniciada em 2004, com a propositura da ação pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, e levou oito anos para ir a plenário. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54), a entidade pedia que o Supremo fixasse o entendimento de que antecipação terapêutica de parto de feto anencefálico não é aborto, permitindo que gestantes nesta situação tivessem tal direito sem a necessidade de autorização judicial ou qualquer permissão específica do Estado. Assim, para alcançar tal aprovação legislativa, utilizou-se como estratégia a judicialização que, sob o ponto de vista de Bourdieu, tem legitimidade, pois a decisão favorável ao aborto foi tomada a partir do direito, o qual é caracterizado por: universalidade (visto o alcance a todas as mulheres), possibilidade do uso da hermenêutica (privilegiando a mãe a partir da interpretação dos princípios positivados da Constituição), neutralidade (observada na postura dos magistrados) e a multidisciplinaridade para tomada de decisões (STF considerou os estudos da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero).
Analisando a legislação brasileira, antes dessa discussão em questão, já tinha sido aprovada a opção pelo aborto em caso de estupro ou de risco à vida da mãe, com base no quesito da liberdade de escolha da mulher. Levando esses fatos em consideração, como dito pelo próprio relator do processo de legalização do aborto de anencéfalos: "Cabe à mulher, e não ao Estado, sopesar valores e sentimentos de ordem estritamente privada, para deliberar pela interrupção, ou não, da gravidez (de anencéfalos)".
Embora tenha fundamento nos princípios da Dignidade Humana, Legalidade, Liberdade e Autonomia da vontade, além do direito à saúde da grávida de feto anencéfalos, a decisão tomada pelo STF foi alvo de críticas, muitas delas baseadas, principalmente, em argumentos de cunho religioso. Todavia, a análise para o caso apresentado deve ser o mais objetiva possível, pois o Direito não visa o atendimento de aflições religiosas e passionais, e sim a resolução de conflitos aos quais todos estão sujeitos.
É neste ponto que a Lei 9.434/97 é levada em conta. De acordo com o art. 3º de tal norma, a retirada de órgãos só poderá ocorrer após o diagnóstico de morte encefálica, atestada por dois médicos. Portanto, a causa desse óbito é válida como critério quando se trata da remoção de órgãos e tecidos, com o objetivo de transplante.
 Nota-se que o mesmo critério foi explorado quando da apreciação da ADPF 54, tendo em vista que a morte encefálica do feto é fato consequente do seu nascimento, pois este possui malformação do tubo neural, conforme explanado. Contudo, apesar de o raciocínio apresentado possuir lógica, o mesmo foi fortemente questionado quando da tramitação da ADPF 54, a qual foi iniciada em 2004, e somente concluída em 2012, sob fortes manifestações e críticas contrárias à decisão tomada.
A partir do exposto, causa estranheza que a adoção do critério encefálico tenha sofrido questionamentos por aqueles que não apoiaram a decisão do Supremo Tribunal Federal em relação ao assunto em comento. Isto porque se percebe, pelo menos, dois aspectos basilares para a aplicação da lógica ora explanada.
Num primeiro momento, pode-se afirmar que a condição à qual o feto anencéfalo é submetido não permite que qualquer outro critério seja adotado, isso porque a malformação de seu tubo neural já implica na consequente morte, quando desligado do sistema de sua genitora.
Por outro lado, tem-se o apontamento de que o critério de morte encefálica (e não cardiorrespiratória) já é utilizado para outras finalidades, como para remoção de órgãos e tecidos, conforme ressaltado.
Logo, não há que se falar na não aplicação do supramencionado critério para a situação ora descrita, ou mesmo que outra poderia ser a fórmula de raciocínio utilizada, uma vez que para os casos de anencefalia, a vida extra-uterina resta impossibilitada.

A mudança de pensamento, o aborto de anencéfalos e seus ecos no campo jurídico


    O aborto sempre foi um tema gerador de grandes polêmicas, mas foi-se o tempo em que seu repúdio era uma verdade universal e pensamento unânime da sociedade. Mudam-se os tempos, mudam-se os pensamentos e, portanto, se faz necessário mudar o Direito.
    Bourdieu defende que os juízes, por meio da prática, adaptam o direito às novas realidades. O direito entregue somente à teoria se fecharia em um sistema racional rígido que não corresponderia mais à realidade, e é nisso que consiste a crítica de Bourdieu a Kelsen, já que a teoria pura do direito do austríaco coloca a esfera da norma acima e independente das outras duas, as esferas do valor e do fato. Embora esse último sistema garanta uma segurança jurídica muito bem estruturada, ela permite barbáries como a legitimação jurídica do nazismo e a marginalização das causas de minorias, sem poder político representativo para positivar avanços necessários. Nesse ponto, Bourdieu até traça um diálogo com Barroso, que julga como necessária a judicialização por esses motivos. Segundo o francês, os juízes “introduzem as mudanças e as inovações indispensáveis à sobrevivência do sistema que os teóricos deverão integrar no sistema” (BOURDIEU, 1989, p.221)
    Sabendo disso, fica mais fácil entender por que o aborto, de forma geral, não é considerado como opção válida no âmbito da moral geral. Considerando o monopólio da influência religiosa na moral brasileira, o aborto sempre será, para a maioria, um ato abominável, e é nesse contexto que a judicialização é importante. Apesar de estarmos falando sobre o aborto de anencéfalos, os dois temas são intrínsecos, por que foi por meio desta, em 2002, que o aborto de anencéfalos foi, finalmente, permitido. E isso é uma grande conquista. Se há um consenso sobre a morte, ele gira em torno da chamada morte cerebral, e embora haja uma intensa discussão para – parafraseando Bourdieu novamente, ter o direito de dizer o direito – definir qual é o início da vida, para um anencéfalo não pode haver possibilidade de vida, se já há “morte” desde o período em que o sistema nervoso deveria se formar corretamente. Define-se como morte cerebral o fim de todas as atividades cerebrais, e sem um cérebro, elas não podem existir.
    O aborto de anencéfalos é uma maneira de adiar o inevitável, poupar a saúde física e psicológica da mãe e uma decisão pessoal. O discurso das alas antiabortivas faz nos pensar que o que foi decidido não é a possibilidade do aborto – em geral, nesse caso, o de anencéfalos – e sim a obrigatoriedade do aborto, o que não é o caso. Com a legalização, temos uma consagração do direito de escolha da mãe, que irá conservar suas saúdes e sua honra, indiferentemente da decisão.

Diego Sentanin Lino dos Santos. Direito Matutino, turma XXXV