segunda-feira, 11 de junho de 2018

Bourdieu e uma análise da ADPF 54 e seu significado


A arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 tratou do caráter de constitucionalidade ou não, do tratamento dado pelo Código Penal, a conduta de interrupção da gravidez no caso específico da anencefalia. Com um Acórdão favorável as liberdades sexuais e reprodutivas da mulher nesses casos, é possível fazer uma análise dos fatos à luz do pensamento de Bourdieu e “O poder simbólico” de que ele trata. Serão trabalhadas as dimensões do ordenamento jurídico e as classificações dos operadores do direito para a discussão.
     Bourdieu se posiciona de maneira contraria a ambos Instrumentalismo Marxista – na medida que o direito não seria um mero instrumento de classe – e Formalismo de Kelsen – sendo o direito passível de influência de pressões sociais, bem como se configura a Judicialização, distinta do Ativismo Jurídico -. O direito existiria, então, além do controle de classe e de sua forma puramente científica, sendo os instrumentos do campo jurídico de Bourdieu passíveis de ativação pela sociedade.
     O fator do “Poder Simbólico”, tratado por Bourdieu, se revela não apenas nos embates entre operadores e doutrinadores na dinâmica de luta simbólica da aplicação do direito tratada por Bourdieu, mas também na ativação do Judiciário no Julgamento da ADPF 54 em prol da condição da mulher. Esse poder emana da própria condição feminina, na medida que as mulheres são capazes de maior credibilidade no acionamento do direito para a resolução do conflito tratado na ADPF específica, sendo consideradas agentes da mobilização desse direito. Essa credibilidade feminina advém principalmente dos desafios dos Operadores no processo de molde das Doutrinas, da adequação do fato a norma, tratada na Teoria tridimensional do direito de Miguel Reale. A condição do anencéfalo como nascituro com direitos resguardados – artigo 2° do Código Civil de 2002 -, e o embate hermenêutico da definição da morte como aspecto neurológico, abrem espaço para a atuação da mulher como agente, na medida que o aborto de anencéfalos, como trata a ADPF e seu Acórdão favorável a tal medida, resultam no interesse da mulher e seu bem estar como direitos fundamentais, resguardados na Constituição Federal.
     O limite dessa hermenêutica dos Operadores é configurado pelo “Espaço dos Possíveis” de Bourdieu, na medida que esse espaço se configura pelas relações de força do campo do direito – disputas doutrinárias e hermenêuticas -, e a lógica interna das disputas – que baliza todo o ordenamento na doutrina, jurisprudência e o próprio direito -. O “Campo Jurídico” de Bourdieu se define nessa dupla relação, sendo sempre constituído da lógica positiva da ciência – o racional, a doutrina -, juntamente com a lógica normativa da moral – presente em certo espaço, em certa época -. No caso específico da ADPF, Bourdieu se faz visível nessa dimensão, na medida que o produto da análise da referida Arguição é justamente a mudança da lógica normativa da moral pela aplicação da doutrina ao caso concreto, feita pelos Operadores do direito.
     Essa estrutura do Campo Jurídico é excludente, na medida que a não adequação aos símbolos e códigos de determinado campo irá culminar na impossibilidade de participação e integração do mesmo. O fator de domínio, que está presente no direito e que, embora não seja a única vertente – Instrumentalismo -, se configura pelas suas simbologias e estruturas de distinção internas. A incorporação dessas estruturas pelos movimentos sociais na luta por direitos ocorre justamente na judicialização, da qual a ADPF faz parte. No direito, o “Habitus” dos movimentos de luta por direitos devem sempre adquirir uma roupagem doutrinária, jurisprudencial e Constitucional, se adequando ao Campo Jurídico de Bourdieu e tomando legitimidade por meio da adequação formal da linguagem, “Neutralizando” medidas com ímpeto social para proporcionar a “Universalidade” do direito, aspectos trabalhados por Bourdieu.

Aluno: Gabriel Garro Momesso       Turma: XXXV Direito Diurno

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