quarta-feira, 20 de junho de 2018

O Direito e a dinâmica da sociedade


Na visão de Bourdieu, o Direito não é alheio ao que se passa na dinâmica social, ambos se interceptam. A sociedade foi vítima de constantes mudanças comportamentais ao longo dos séculos, mas muito do que não se aceitava anteriormente continua não sendo aceito no século XXI, principalmente com países de estruturas conservadoras. O aborto é uma realidade e pode ser justificado por quem o faz por ter havido uma gravidez indesejada, falta de preparo dos pais ou, até mesmo, compaixão nos casos de anencéfalos, uma vez que não se pode dizer que não há vida e não interromper a gravidez é, muitas vezes, prolongar o sofrimento nos dois lados. Justamente por o Direito fazer um papel de observador e interventor na sociedade, ele se posiciona em função destas situações. Existe a permissão do aborto no caso de estupro e anencéfalos no Brasil, contudo, ele não ser completamente legalizado demonstra uma relação de poder entre o Estado e a vida da mulher, em que aquele impede que esta exerça sua total liberdade de decidir sobre seu próprio corpo.

Bourdieu defende que o Direito faz-se por si mesmo, mas possui uma autonomia relativa: ele absorve da moral social para construir uma dinâmica social. Dizer que o Direto permite o aborto de anencéfalos não é necessariamente dizer que ele é moralmente aceito, uma vez que a própria sociedade abomina o aborto em qualquer independente do motivo que ele é feito, colocando o feto com anencefalia em primeiro lugar ao invés da mãe, a qual passa a ser julgada como assassina. É importante ressaltar que fetos com anencefalia não possuem uma perspectiva de vida maior que alguns dias após o nascimento e prolongar a gestação até o final poderia trazer consequências físicas e psicológicas para a mãe.

É necessário considerar o que Bourdieu chama de “espaço dos possíveis”: até onde o Direito pode se basear e interferir na sociedade. O Direito obtém sua moral da própria coletividade e, por isso, pode não ser legítimo ao interferir em absolutamente tudo, como no caso de aborto de anencéfalos. Seria necessário que o Direito estivesse mais isento da moral coletiva para tal, uma vez que esta é vasta de uma cultura tradicional que muitas vezes interfere nas novas discussões propostas na realidade. A religiosidade é uma dessas culturas e, como o Estado é laico, seria injusto permitir uma moral coletiva com esse aspecto interferindo em questões de saúde pública como aborto.

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