segunda-feira, 14 de maio de 2018

Entre o sonho e o pesadelo



Gilberto Gil, na música ‘A Novidade’, descreve a figura de uma sereia em uma praia, no qual algumas pessoas admiravam sua beleza e desejavam “seus beijos de deusa”, em contrapartida, outros desejavam “seu rabo para ceia”.  Escreveu a canção no período do carnaval, e através da metáfora, relata a desigualdade: “Tudo é tão desigual/ De um lado esse carnaval/De outro a fome total”.
Não é novidade no Brasil a desigualdade e a contradição. Esta incoerência é fortemente percebida em vários aspectos, entre eles na educação, trabalho, alimentação e, sobretudo, no direito à terra. Constata-se essa diferenciação de acesso à propriedade privada no caso ‘Pinheirinho’.
Fugindo das circunstâncias históricas e objetivando uma simplória análise sociológica, nota-se, intrínseco ao caso, o direito analisado por Weber na conjuntura do capitalismo. A construção deste se dá na racionalização, que transpõe a racionalidade material à racionalidade formal.
Portanto, há debilitação do formalismo jurídico por interesses materiais. Quando a juíza da 6ª Vara Cível de São José dos Campos mantem a reintegração de posse, a favor da empresa e seus proprietários, ela não só viola a regra que “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas” (artigo 471 do CPC), como defende os interesses monetários.
Por conseguinte, viola, a centenas de famílias, o direito fundamental da propriedade e de sua função social, (Art. 5º, XXII, XXIII da CF), o que demonstra que o predomínio das determinações do mercado que definem o “justo” e o “natural”.
Além disso, toma parte no processo, fere a imparcialidade do magistrado (CPC, artigo 125, I), junta-se aos interesses dos supostos proprietários da terra, explicitando as palavras de Weber que
“para os interessados no mercado de bens, a racionalização e a sistematização do direito significaram, em termos gerais e com a reserva de uma limitação posterior, a calculabilidade crescente do funcionamento da justiça – uma das condições prévias mais importantes para empresas econômicas permanentes, especialmente aquelas de tipo capitalista, que precisam da segurança de tráfico jurídica”.
Fazendo-se valer a “particularidade jurídica”, desencadeada pelo interesse da burguesia em ter seus direitos analisados por especialistas e contar com uma justiça adequada a matéria econômica.
Retornando à musica de Gilberto Gil, a sereia é mais que símbolo da disputa de interesses numa sociedade desigual, podendo aqui ser considerada o Direito, e a tal novidade que “seria um sonho/Virava um pesadelo tão medonho/Ali naquela praia, ali na areia/A novidade era a guerra/Entre o feliz poeta e o esfomeado”.

            Murilo Salvatti Marangoni, aluno da XXXV Turma Direito – Diurno
Franca, 14 de maio de 2018.

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