sábado, 21 de outubro de 2017

Leviatã


O século XXI, conhecido como o século tecnológico, das multitarefas e da instantaneidade, também é palco para uma crise social. Os antigos espíritos-guias da humanidade – teológico, metafísico, humanitário-moral e econômico – estão, simultaneamente coexistindo e se excluindo. Vive-se o tudo e o nada. Tem-se a profusão de ideologias, de esperança e sistemas que procuram a salvação do homem, e tem-se o niilismo social e institucional, a ideologia da estaticidade do ser, de sua incapacidade como agente modificador da realidade. Esse é o belo tempo em que vivemos.

A principal crise, ou de maior intensidade prática, é a do Contrato Social. A corrosão do regime geral de valores, a deterioração do sistema comum de medidas da realidade e o questionamento do espaço-tempo, presente no descompasso do tempo instantâneo informacional do tempo glacial da vida, são os principais fatores para a modificação da ordem estatal proposta na constituição dos Estados-Nações. As diferentes sociedades civis perderam sua garantia de funcionamento e estabilidade e ficaram à mercê dos grupos de maior poder e influência econômica e política.

O Direito, como instrumento de poder e ação social, é compreendido como cetro de justificação e comando das classes dominantes, a coroa legitimadora de injustiças e a espada condenatória que degola as minorias. O antigo mecanismo de transformação é usado como meio de fixar valores absolutos de um só grupo, a sociedade civil íntima.

É possível reaver esses símbolos de poder e, como no passado, transferir o poder do monarca ao povo? Sim. O Direito pode, e deve, ser executor da emancipação. A mesma caneta que ascendeu a burguesia é capaz de alcançar os setores mais marginalizados. O Direito consegue regular e transpor ao debate público questões adormecidas ou escondidas, que tanto geram desigualdade.

A afirmação da constitucionalidade das cotas raciais é um grande exemplo da manutenção do direito na liberdade oferecida pelo poder regulador. A espada, outrora manchada de sangue, serviu como inauguração para um debate muito mais amplo, e que está tão estratificado na nação brasileira, como o racismo e a desigualdade racial. Foi responsável pelo ponta pé inicial para a visibilidade para algo tão retrógrado em plena era da informação e da velocidade.

A crise do Contrato Social representa a decadência de um antigo sistema de regulamentação e traz consigo outras propostas de sistematizações pré e pós contratuais. Teorias, que como no caso da afirmação das cotas raciais, tendem a aproximar a sociedade civil incivil e a sociedade civil estranha aos frutos colhidos somente pela sociedade civil íntima, e corrigir ou amenizar erros do passado histórico ou da presente realidade capitalista. Por ora, como dito anteriormente, a era do tudo e do nada também apresenta teorias de manutenção do direito burguês e distanciamento das garantias fornecidas pela teoria anterior, como as políticas higienistas como os moradores de ruas nas grandes cidades. Há a busca pelo maior distanciamento das classes, baseando-se pela meritocracia e pelo liberalismo conservador. Solidificar a sociedade em suas classes e diminuir cada vez mais as ações estatais e de direito para reverter esse estado.

Os dois gumes da lâmina estão sendo utilizadas concomitantemente. É possível emancipar e dominar. Quem determina a ação é quem está no poder, quem influencia na ação é o povo e quem executa é o Direito.

Rafael Pedro - 1º ano - Matutino  

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