segunda-feira, 21 de novembro de 2016

É conservador querer casar-se!

A pergunta inicial é o quão conservadores nós somos. De quais princípios não abrimos mão? O que gostaríamos de manter na sociedade? Por que desconfiar dos “salvadores da pátria”? O que precisamos reformar para mantermos a coesão necessária? 


Com um judiciário cada vez mais ativo, somado ao fato de estarmos inseridos numa atordoante crise de representatividade e a “vontade” legiferante do nosso país, no ano de 2011, duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 4277 e ADPF 132) chegaram ao STF, “dizendo” que a união homoafetiva, não seria igual a união heteronormativa e, portanto, não tinham os mesmos direito, seus “denunciantes”:  Procurador-Geral da República e o Governador do Estado do Rio de Janeiro. Temos então, um caso de “judicialização”, de acordo com Barroso: “significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo” ou seja, há uma expansão das atividades do judiciário, tornando-se mais presente e atuante em diversos casos. Algo que está em discussão sobre sua real legitimidade e competências, mas, por ora, é importante que algum poder trabalhe em prol da população, afinal, o nosso judiciário é um dos mais caros do mundo. Apesar de não lidar com o cofre, como disse a presidente Carmen Lucia, eles sabem muito bem se aproveitar dele. Dai ao direito o que é do direito e dai a política o que é da política, são mundos diferentes.

Mas o assunto desta semana versa sobre a união homoafetiva, o casamento (ou união civil) é uma solenidade geradora de direitos e deveres, dentre eles de transmissão de patrimônio, direitos previdenciários e cuidado familiar. E alto lá, não disse aqui nem qual modelo de família, afinal, temos famílias de muitas formas e situações, até as “do eu sozinho”. Em julho de 2013 o primeiro-ministro britânico, do Partido Conservador, disse o seguinte sobre o casamento homossexual: "Eu não apoio o casamento gay apesar de ser um conservador. Eu apoio o casamento gay porque eu sou um conservador”, há vídeo. O mesmo ministro (e seu gabinete) defendem até mesmo que possam homossexuais possam casar-se na igreja. E nada mais justo e normal que também os gays queiram casar-se, o filósofo britânico Michael Oakeshott, já falava sobre uma “disposição conservadora” em todos nós: “[...] a disposição conservadora nasce de um attachment e de uma disposição para usufruir aquilo que nos é familiar. E esse attachment não resulta da convicção de que o que nos é familiar é necessariamente "o melhor". Antes de mais, o nosso modo de vida é o nosso, aquele em que nos sentimos confortáveis, e que gostamos de usufruir, basicamente porque nos é familiar.” Edmund Burke, outro conservador lendário da Inglaterra defendeu os homossexuais e os católicos de seu tempo da perseguição e da punição por pena de morte. É compreensível que muitas pessoas achem a ideologia conservadora “chata, boba e feia”, e por outro lado, as outras ideologias “limpinhas, cheirosas e monopólio das virtudes”, a Revolução Francesa deu-nos uma orientação de derrubar tudo é muito mais proveitoso do que a reforma gradual e ponderada. O marxismo comprou a ideia e pronto, todo dia temos que ter um “Messias” e iniciar uma revolução sangrenta.  Mas não passa de um ledo engano. Roger Scruton pode-nos dizer mais sobre a ideologia conservadora aqui, mas isto é assunto para dias vindouros.

Nesta questão levantada, é animadora a decisão do STF em favor da união civil homossexual, ela é importante em diversos sentidos, não somente material e no campo do direito, mas no teor afetivo e estruturante socialmente que isso acarreta. Infelizmente, ainda temos casos tenebrosos de homofobia e falta de respeito as liberdades individuais em nosso país, e deveras, temos um caminho longo a ser percorrido, mas isso não será resolvido com “julgados” e um ar embaraçoso de “juristocracia”, o judiciário deve ser acionado o estritamente necessário, pois há, comprovadamente uma judicialização extremada em nosso país, somos legiferantes por natureza, nossos fóruns vivem abarrotados e processos morosos, intermináveis, o STF tem julgado até mesmo caso de roubo de galinha, torna tudo ainda mais preocupante e a necessidade de reformas ainda mais latente.  O Direito não é a personificação do belo, do bom e do justo, não há super-heróis, as mudanças precisam ser mais profundas e honestas, e principalmente, com legitimidade. A crise de representatividade que se abateu sobre o Brasil faz que com joguemos nossas expectativas sobre os fóruns e tribunais, algo perigoso. Temos de nos admoestar e procurar soluções dentro do ideais democráticos e decididos enquanto povo, não enquanto homens togados.

Entretanto, após esses “parênteses”, acredito que a decisão da suprema corte é um alivio, e válida, afinal, como cita Barroso: “Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo” e tem fundamentos normativos, como este, além do filosófico, em que pese: “o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal”. A sentença proferida não contraria preceito algum, pelo contrário, apenas garante direitos já expressos e que eram negados (em 2011, haviam 60 mil homossexuais em união estável pelo Brasil), facilitando o dia-a-dia nas comarcas pelo país e trazendo coerência ao debate, além de minar, um pouco, os arroubos preconceituosos. Ademais, a Constituição garante que todos somos iguais perante a lei, se julgasse o contrário, o STF estaria deixando de lado preceitos fundantes da nossa CF/88 como: Art. 4°, IX; Art. 5°, os princípios de dignidade da pessoa humana, e o mais importante, o Art. 19°, em seu inciso III que veta ao Estado “criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si” e querer casar-se ou manter uma vida como todo outro qualquer ser humano não é, nem de longe, uma afronta a democracia, ao Estado de Direito e nem, para os mais castos, uma afronta aos bons costumes, pois casar-se é, senão, uma afirmação deles.


“A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias.” ― Ayn Rand

Victor Hugo Xavier, 1° Direito, Noturno.

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