Para Bourdieu, o direito deve evitar o instrumentalismo
a serviço de uma classe dominante e o formalismo também, isso é, deixar de ser
uma força autônoma diante dos grupos de pressão presentes na sociedade. O pensador
critica Kelsen e seu positivismo ligado à forma e também Marx, pois as relações
do direito com os indivíduos na sociedade são muito complexas do que apenas a
luta de classes.
O discurso jurídico detém uma forma específica e traz
consigo elementos distintos. No caso julgado, sobre o aborto de anencéfalos,
ocorre uma luta simbólica que se situa dentro do – alargamento - espaço dos possíveis. A arma para a
revolução/mudança deve servir para fazer com que o Direito valha para todos,
levando em consideração não só o aspecto formal como o material do mesmo, mas
também a dinamicidade da sociedade. Há tempos sabe-se que o campo jurídico é
composto por valores, códigos, cultura, moral, etc. Ademais, a influência da moral,
por muito tempo, foi um fator determinante ao Direito. Contudo, atualmente,
devido a discursos políticos com conotação religiosa de que o aborto é contra a
vida e os preceitos divinos e também uma forma de assassinato por parte da
gestante, ainda vê-se estreita ligação entre ambos.
Deve-se compreender que o direito não pode ser aplicado
formalmente em todos os casos, uma vez que deve ser pensado em situações concretas/materiais,
moldado a situação real e social vivida no contexto. Bourdieu discorre sobre os
doutrinadores e os operadores do direito, sendo que ambos são os intérpretes da
lei, contudo, a diferença é que um aplica a teoria formal enquanto o outro, a
material – atrelada a aplicação da prática jurídica. Assim, magistrado deve
adaptar suas fontes e seu saber às novas circunstâncias do século XXI e suas
mudanças no decorrer dos anos.
Em relação ao aborto de anencéfalos, tal decisão ficaria
dentro de um novo limite dos possíveis, uma vez que não há potencialidade de
vida no feto, e, dessa forma, seria apenas uma forma de parto interrompido. Além
disso, deve-se levar em consideração a escolha da mãe, uma vez que seria uma “forma
de tortura” gestar uma criança que nascerá sem vida – fato conhecido desde o
início da gravidez. Será que o direito tem tanto poder assim para definir o que
é vida e o que não é? Outro empecilho para a criminalização do aborto, seja ele
pelo motivo que for, é a prática clandestina e perigosa, que leva milhares de
mulheres à morte.
Portanto, nota-se a influência de uma moral religiosa
forte e o poder simbólico da bíblia e da igreja na sociedade, porém, esse poder
é irracional e visa manter o conservadorismo permanente na sociedade
brasileira. Assim, ocorre também a influência da mídia, que, atrelada aos
grupos dominantes, passa a ideia para a massa social de que o aborto é uma
forma de assassinato e jamais deve ser permitido, logo vemos a conotação
religiosa como fundamento à criminalização do aborto, o que não deve ser
permitido, uma vez que o Brasil é um país laico, onde a religião e a política
são separadas. Vê-se, novamente, uma tentativa de instrumentalização do direito
a serviço da classe religiosa para que a mesma aumente sua influência e
conquiste mais seguidores, e assim o ciclo do capitalismo se inicia (uma vez
que ao falarmos de igreja, lembramos de fiéis, dízimo, influência na sociedade
brasileira, corrupção, hipocrisia, conservadorismo, influências crescentes de
políticos religiosos, como Eduardo Cunha, no Congresso nacional, etc.).
Contudo e por fim, Relembrando Boaventura de Souza Santos
e seu questionamento acerca da emancipação do direito, nota-se que, atualmente,
a margem de interpretação da jurisprudência está mais aberta e leva em consideração
o panorama da sociedade, podendo manipular a lei, a moral e a logica no espaço
dos possíveis.
Mariana de Arco e Flexa
Nogueira – 1ºano Direito Noturno