sábado, 5 de dezembro de 2015

A força do Direito na construção do real

         René  Descartes discute que, deve-se fragmentar o todo para melhor conhece-lo, no entanto, esse pensamento contrasta com as ideias de Pierre Bourdieu sobre o sistema jurídico.  Para ele, o Direito está interligado a vários outros campos, assim, não se pode olhar isoladamente para uma problemática jurídica, quando ela está envolvida num contexto socioeconômico, político, psicológico, ou médico, pois mesmo que, metaforicamente, concerte-se essa peça, quebrará em um segundo, pois se ignorou o que está conectado a ela. Talvez, o campo jurídico seja maior que os outros campos, mas é sabido que nenhuma ciência é totalmente isolada, uma influência a outra. Por isso, o autor contrasta com as teorias cartesianas e Kelsenianas.
            Dessa forma, para Bourdieu, o campo Jurídico está totalmente ligado às mudanças da sociedade, assim, entender o campo jurídico significa entender os conflitos internos que o constituem, pois ele é um reflexo direto das relações de força existentes em seu interior. Não obstante isso, muitas vezes, o direito não está adaptado a realidade, ocorre então uma luta simbólica dialética, entre as fontes do direito, doutrina e jurisprudência, e a interpretação feita pelos juízes, que adequam as normas à realidade contemporânea, influenciando a doutrina.
            Vale ainda ressaltar que Bourdieu também argumenta que, embora não generalizando, aqueles que estão no campo jurídico têm afinidades com os detentores do poder temporal (político ou econômico). A proximidade de interesses e a afinidade de hábitos favorecem uma similitude de visões de mundo, o que explica que as escolhas do corpo jurídico tem poucas possibilidades de desfavorecer os dominantes.
            Um exemplo esclarecedor a ser citado é a ADPF 54 de 2012, que tratava sobre a interrupção da gravidez de feto anencéfalo. A interrupção foi considerada válida, pois era iminente o risco de vida da gestante, fator este, considerado como excludente da ilicitude. Dessa forma, o direito apesar de ter certa autonomia, também depende laudos médicos, ou seja, de questões médicas e psicológicas, para dar a decisão final. Assim, inúmeras vezes, como no caso, da definição do que é vida, o campo jurídico, invade o campo da medicina, ou outros.

            Contudo, é visível, que na contemporaneidade, as mentes estão mais “abertas” para o novo, assim, as questões discutidas pelo campo jurídico passam a ser mais complexas. Nessa linha, é preciso que a judicialização continue retirando certas questões polémicas da invisibilidade, para que, de fato, possam ser resolvidas, impulsionando pautas que já seriam possíveis, como o aborto de anencéfalos, que só foi possível pois estava dentro do Espaço dos Possíveis do Campo Jurídico. Assim, o direito mostrar-se-á cada vez mais sistematizado e interligado com outras ciências, contrariando as teses de Descartes e Kelsen.


Heloísa C. Leonel
1º ano de Direito Diurno

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