segunda-feira, 23 de novembro de 2015

A Democracia por quem?


Como ainda questionar a autonomia do Judiciário, se em nosso Congresso nos deparamos com Projetos de Lei, como o PL 6583/2013 (Estatuto da Família), o qual é um retrocesso tão imenso aos direitos sociais conquistados pelas minorias da comunidade LGBT? Como questionar uma quebra de democracia pelos juízes, se são estes quem a tem garantido? O Legislativo dorme e o Executivo cochila, enquanto o Judiciário se expande.  Quem sabe se teríamos paridade de direitos entre uniões homo e heteroafetivas no Brasil, se não fosse o Supremo Tribunal Federal assumindo as rédeas no julgamento da ADPF 132 em conjunto com a ADI 4277? A Judicialização e o Ativismo Judicial se colocam hoje como pilastras à inclusão social, fazendo valer os princípios constitucionais de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.
No dia 05 de maio de 2011 o STF reconheceu a união estável para casais homossexuais. A Judicialização torna-se presente neste caso a partir da provocação aos Ministros pelo Governador do Rio de Janeiro, através da ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, alegando que o não reconhecimento da união homoafetiva (na ação especificamente, de funcionários públicos civis) era contrário aos princípios democráticos da nossa Carta Magna. Associadamente, o poder de declarar uma Ação Direita de Inconstitucionalidade, como é a ADI 4277 (anteriormente protocolada na Corte como ADPF 178), é um outro fator que promove a emancipação populacional. Entretanto, a aplicabilidade desta nada dependeu de autonomia individual dos juízes, apenas há a afirmação da vontade do Constituinte.
Diferentemente deste fenômeno, o Ativismo Judicial é intencional, visando à promoção e ampliação dos artigos da Constituição, transpassando a burocracia inerte. Segundo fala do ministro relator do caso, Ayres Britto, não se deve fazer uso da letra da Constituição da República para “matar seu espírito”; não se deve separar por um parágrafo, o que a vida uniu por afeto. Além disso, “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”, observou o mesmo, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3º da CF (no qual se instaura como objetivo fundamental da República Democrática do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação).  
Neste ramo, vale ainda ressaltar que o STF, por Ativismo Judicial, aproveitou-se da abertura dada pela comparação das relações homoafetivas à união estável entre pessoas de sexos diferentes para dar legalidade ao casamento civil homossexual.
Sendo assim, por decisão unânime de todos os ministros do STF, foi dado ao art. 1.723 do Código Civil Brasileiro interpretação conforme a Constituição, isto é, o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura de pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, equiparando judicialmente uniões homo e heterossexuais. Esta interpretação se deu em remissão ao art. 226, § 3º, da Constituição Federal: para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

“Particularmente nos casos em que se trata de direitos de minorias é que incumbe à Corte Constitucional operar como instância contramajoritária, na guarda dos direitos fundamentais plasmados na Carta Magna em face da ação da maioria ou, como no caso em testilha, para impor a ação do Poder Público na promoção desses direitos.” (Voto ministro Luiz Fux). 


Giulia Dalla Dea Vatiero - Direito Diruno

Sociedade: constante vigia

            
Durante muito tempo da história, a homossexualidade foi tratada como uma anormalidade e um desvio comportamental, de forma que os indivíduos não tinham liberdade para dispor de sua própria sexualidade. Embora, a Constituição de 1988 não se limitasse na compreensão daquilo que é considerado família aos casais heteroafetivos, em uma interpretação reducionista, a privação da liberdade não era algo institucionalizado, mas sim, fruto do próprio preconceito da sociedade àquilo que não fossem os padrões hegemônicos. Diante disso, não se tratava de uma punição estatal, a coerção social encontra-se tanto na sutileza das piadas, como nas agressões físicas e xingamentos.
            O Direito, enquanto regulamentador das relações humanas, é resultado das relações sociais, assim, não deve permanecer engessado em uma estrutura absoluta, deve se adequar constantemente as transformações da sociedade, nesse sentido, as estruturas familiares foram modificadas, de maneira a abranger os diferentes tipos de relacionamento, levando em consideração a multiplicidade de relações afetivas, de forma que como afirma Barroso: a afetividade passa a ser o elemento central desse novo paradigma, substituindo a consangüinidade e as antigas definições assentadas em noções como normalidade e capacidade de ter filhos.
            Porém, apesar da união homoafetiva já ser reconhecida juridicamente enquanto entidade familiar, desde maio de 2011 pelo STF, a sociedade ainda tem que caminhar passos longos para acompanhar tal revolução jurídica. Os entraves em relação a garantia de direitos aos homossexuais são fruto da inercia da população que nega o diferente, tentando sempre molda-lo.
            Relacionando tal comportamento social com a terceira parte do livro Vigiar e Punir que retrata sobre a Disciplina como método de controle dos espaços e dos corpos, a sociedade funciona como elemento disciplinador das condutas das pessoas para obtenção de Corpos Dóceis, ou seja, a coerção da sociedade se mostra como forma de obter indivíduos disciplinados (aqueles que não desviem do comportamento padrão), em determinado tempo e espaço .O sucesso do “adestramento” para o autor seria um modelo panoptico, em que por meio de um olhar hierárquico, o indivíduo fosse induzido a um estado de constante vigia, para que assim não cometesse um desvio de conduta e o funcionalismo do poder fosse garantido.

 Logo, as sociedades se mostram como constante sistema de vigia no intuito de obter indivíduos disciplinados e uteis, de forma a negar qualquer diferença de comportamento, homogeneizando as condutas e a sexualidade. A liberdade é restringida pela vigia da própria população, que através de um olhar coercitivo, nega a conduta alheia. Assim, não basta que o direito avance na garantia de direitos dos homossexuais, é necessário que a sociedade avance na aceitação dessas garantias.
Nome: Beatriz Santos Vieira Palma
Primeiro ano Direito Diurno
O poder judiciário como contraponto ao avanço conservador no cenário político-social brasileiro atual: o apelo à efetividade dos direitos fundamentais e das políticas públicas

             O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso assim conceitua a judicialização, com foco à sua ocorrência no Brasil: é o fenômeno de transferência do exercício decisório quanto à questões de ampla repercussão política ou social das instâncias tradicionais – o Congresso Nacional e o Poder Executivo – para os órgãos do Poder Judiciário. Como condicionamento histórico, Barroso aponta o avanço do neoliberalismo no período pós 2a Guerra Mundial como contribuidor para a geração desse fenômeno, tanto porque o modelo neoliberal implicita o afrouxamento das estruturas de direitos sociais, com a perda do Estado garantidor, e também com vistas ao estabelecimento das Constituições ocidentais como referenciais mais sólidos e fortes do Direito, de modo a disputar espaço político com a arbitrariedade do Poder Legislativo.
Ou seja, judicialização trata-se do apelo popular à juízes e tribunais para satisfazer a necessidade e a expectativa de efetivação de direitos e de políticas públicas; uma vez que parece evidente a crise de representatividade entre as camadas populares e o Legislativo atualmente, como explicitado pela caracterização do Congresso Nacional vigente como o mais conservador desde 1964 pelo Departamento Intersindical de Acessoria Parlamentar (Diap), ainda que em um momento de intensa demanda popular pela diversidade, pluralidade e renovação política.
            A partir dessas considerações, é possível compreender a agenda de atuação do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos, como é o caso das decisões em Julgados como o da pesquisa com células tronco, em 2008, e da união homoafetiva, em 2012, a qual esse texto dará enfoque, em que o Judiciário transformou em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) feita pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro quanto ao tratamento e amparo jurídico dado aos casais homoafetivos em decisões judiciais que foram proferidas enquanto negando à essas uniões estáveis o mesmo repertório de direitos garantidos e reconhecidos à uniões estáveis de casais heterossexuais.
Este é um claro exemplo da atuação do Judiciário como agente capaz de interferir nas políticas públicas e integrar o ativismo pela efetividade dos direitos; atuação essa que, caso criticada como prejudicial por “desequilíbrio da harmonização dos poderes” (dentro do que é o conceito montesquieuano da tripartição), encontra como defesa a própria atribuição constitucional dada ao Judiciário de proteger os direitos fundamentais, tanto em aspecto negativo – garantindo a não violação destes – quanto em aspecto positivo – garantindo sua efetiva prestação, além de que a Teoria dos Freios e Contrapesos também salvaguarda o controle mútuo entre os três poderes e, ainda, é legítimo ao judiciário interferir em políticas públicas que visem garantir o “mínimo existencial”  – de acordo com a ADPF 45/DF: “Ementa: arguição de descumprimento de preceito fundamental. [...] Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’ [...]”.
Assim sendo, destaca-se a defesa dos direitos fundamentais manifestada na decisão do STF quanto à ADPF em questão, com base, principalmente, no direito fundamental do indivíduo de liberdade para dispor da própria sexualidade (expressão da autonomia da vontade particular), e na cláusula pétrea declarante do direito à intimidade e à vida privada; bem como no Princípio da Segurança Jurídica, que expressa a necessidade de se sanar a incerteza dos indivíduos integrantes de uma relação homoafetiva (e também do resto da sociedade) quanto ao reconhecimento de sua união em aspecto jurídico.
Apreende-se, então, que a elevada judicialização é um fenômeno reflexo da demanda popular por proteção, condicionado à estruturação social brasileira que, na atualidade, ainda está introduzida em uma lógica de baixa juridificação – conceito de Habermas referente à articulação dos processos macrossocietários com o sistema legal e o poder judiciário (SORJ, 2006, p. 102), isto é, o acesso à justiça e sua resultante efetividade pelas camadas populares. Isso se soma ao fato de que as minorias no Brasil (a população LGBT, mulheres e negros, majoritariamente) enfrentam as barreiras políticas instituídas e sustentadas pela Bancada Evangélica (popularmente, a “bancada BBB” – do boi, da bala e da Bíblia) no Congresso, em um Estado que é constitucionalmente determinado como laico. Faz-se do ativismo judicial, portanto, instrumento de primal importância, enquanto não é revertido esse panorama sócio-político.



Bibliografia:

BARROSO, Luiz Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.

JUSBRASIL. É possível a judicialização de políticas públicas? Veja o entendimento do STF. 2008. Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/153577/e-possivel-a-judicializacao-de-politicas-publicas-veja-o-entendimento-do-stf> Acesso em: 23 nov. 2015.

SORJ, Bernardo. A nova sociedade brasileira. 3a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

SOUZA, Nivaldo. Congresso eleito é o mais conservador desde 1964, afirma Diap. 2014. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-1964-afirma-diap,1572528> Acesso em: 23 nov. 2015.


Gabriella Di Piero 
Turma XXXII - Direito (Diurno)



Entre boticários e a justiça

Caso julgado:
“Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo.[1]

Em 2011, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) requeriu a equiparação de direitos de união afetiva para casais do mesmo sexo, baseando-se na ausência de medida constitucional explícita contra a tal prática. Ao contrário, a Constituição propõe o bem de todos sem discriminação gerada por origem, sexo, raça, cor, e outras razões, segundo o seu artigo 3º, inciso IV, o qual o ministro Ayres Brito, relator do caso, fez-se valer no processo. Segundo Brito,  “O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica”.[2]
Se bem analisado, o protagonismo do poder judiciário processo de aquisição de direitos dos casais homoafetivos como união estável torna-o participante direto da elaboração e criação do Direito, função que cabe ao poder legislativo, originalmente. A esse processo de ocupação de funções pelo poder judiciário  se dá o nome de “judicialização”.
Luis Roberto Barroso, professor, jurista e ministro do STF, explica na obra  “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática” no que consiste o processo de judicialização, fortemente presente no contexto político brasileiro atual. O processo de judicialização se caracteriza pela tomada de frente do poder judiciário nas decisões que não deveriam se resolver apenas em seu âmbito, cabendo ora ao poder executivo, ora ao poder legislativo.

                                          Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão                                               política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder                                                           Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso                                             Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o                                                     Presidente da República, seus ministérios e a administração pública                                             em geral (BARROSO, p. 03)

O crescimento da influência do poder judiciário nas decisões – polêmicas ou não – gera, no entanto, desconforto com relação a representatividade, fator que já se encontra em crise no Brasil. Isso se dá porque os membros do judiciário, os quais vem tomando as rédeas nos processos decisórios, não são eleitos pela população, gerando dúvida quanto a representação dos interesses dela. Não obstante, o judiciário pode anular as decisões tomadas pelos outros poderes, os quais contam com representantes eleitos democraticamente, o que leva muitos a pensar que a democracia em que vivemos é distorcida.
Por outro lado, há quem diga que a conduta do judiciário é necessária para se preencher os espaços não preenchidos pelos outros poderes, os quais deixam a desejar com relação a representatividade quando as decisões não tangem alguma maioria. Assim, o judiciário atuaria como a manifestação do Direito das minorias esquecidas. No caso, em prol dos casais homoafetivos, os quais não contavam com nenhuma cobertura na lei até então em um país ainda muito apegado a ideia de “família tradicional”, onde comeciais de cosméticos que aludem a mera existência de casais do mesmo sexo gera revolta em nível nacional. Talvez, por essa ótica, e nesse caso específico, pode-se assumir que qualquer ajuda é bem vinda.

Nicole Vasconcelos Costa Oliveira
1o ano - Direito Diurno



[1] Notícias STF, STF. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931 > . Acesso em: 20 de novembro de 2015.
[2] BRITO, Ayres. Notícias STF. Em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931 > . Acesso em: 20 de novembro de 2015.
BARROSO, Luiz Roberto. “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”.

O fenômeno da judicialização no Brasil

O artigo “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”, do jurista Luís Roberto Barroso, aborda a perspectiva do fenômeno da judicialização no Brasil. Esse fenômeno se dá quando há a atribuição de resolução de questões previamente decididas pelo Executivo e pelo Legislativo ao Judiciário. Nesse sentido, o Judiciário passa a exercer funções atípicas de forma frequente. Barroso ensina, em seu artigo, que a tendência não é nova – foi um fenômeno comum no pós- Segunda Guerra, especialmente por representar “um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária” (p. 1).
No caso específico do Brasil, o autor lista os principais motivos da consolidação da judicialização como instrumento indispensável no modo de se fazer o Direito e na garantia concreta de direitos sociais: a redemocratização, que, com a Constituição de 1988, fortaleceu o poder judiciário; a abrangente constitucionalização, traduzida novamente pela Constituição de 1988, que, de acordo com o historiador Marco Antônio Villa, confundiu “uma Carta constitucional – que é permanente – com um programa político-econômico – que é conjuntural”.[1]; e a abrangência do controle de constitucionalidade brasileiro. Por isso que, para Barroso “a judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado da vontade política” (p. 6).
É pontual ressaltar que, apesar da situação já inicialmente favorável à consolidação da judicialização como instrumento marcante no Direito Brasileiro, ela também decorre de uma ineficácia institucionalizada de políticas públicas, cabíveis aos poderes legislativo e executivo. O atual Congresso brasileiro é essencialmente conservador, e essa realidade se manifesta de forma inegável na conquista dos direitos sociais, que estão sendo cada vez mais regredidos. Essa conjuntura política não só favorece ainda mais a judicialização, como a torna imprescindível para o bom funcionamento do aparato democrático.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 é um grande exemplo que exprime a importância do fenômeno aqui discutido, visto que diz respeito a uma reivindicação historicamente negligenciada pelo Legislativo e que foi atendida pelo Judiciário. No caso, os magistrados do Supremo Tribunal Federal decidiram, de forma unânime, permitir a união homoafetiva e reconhecê-la, de fato, como uma instituição jurídica. Mesmo a Constituição Federal não possuir disposições normativas específicas sobre essa questão, os magistrados a interpretaram de acordo com princípios norteadores do Direito brasileiro, como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o direito à liberdade, à igualdade e à intimidade.
Boaventura de Sousa Santos, com a sua usual lucidez, igualmente afirma que a judicialização da política está conduzindo a uma politização da justiça:
A politização da justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que, dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza como a sua força. É cedo para saber qual dos dois resultados prevalecerá, mas não restam dúvidas sobre qual o resultado que melhor servirá a credibilidade das instituições e a consolidação da nossa democracia: que o sistema judicial revele a sua força e não a sua fraqueza. Revelará a sua força se actuar celeremente, se mostrar ao país que, mesmo em situações de stress, consegue agir segundo os melhores critérios técnicos e as melhores práticas de prudência e consegue neutralizar quaisquer tentativas de pressão ou manipulação.[2].


Lívia Armentano Sargi
1º ano – Direito diurno
Aula 2.2 

[1] VILLA, Marco Antônio. A História das Constituições Brasileiras, 2011, p. 85.
[2] SOUSA, Boaventura dos Santos. A Judicialização da política. http://www.ces.uc.pt/opiniao/bss/078.php  Acesso em 23/11/2015.

"Judicialização é fato,

ativismo é atitude"

Com essa frase de efeito, o constitucionalista Luis Roberto Barroso expressa de forma diminuta sobre o fenômeno vivido atualmente no âmbito político, judicial e por que não, social do país.
O modelo de Constituição adotado em 1988 pelo Brasil, foi responsável, no contexto brasileiro, pela chamada judicialização, interpretada por Barroso como uma circunstância, não uma deliberação de vontade política surgida com o decorrer dos anos. O ativismo judicial, no entanto, é visto como uma escolha, pois é um modo específico de proatividade na interpretação da Constituição. Devido à existência do  ativismo judicial, é possível observar a perda de efetividade do Poder Legislativo. Não porque o ativismo judicial causa essa perda, mas porque o próprio Legislativo sofre uma retração devido a uma crise de representatividade da política (palco de fenômenos como o pemedebismo), instalada desde a redemocratização e em contraposição à essa crise político-representativa, na qual a sociedade civil se afasta da classe política, as demandas sociais são silenciadas, e nesse contexto, o judiciário é posto como válvula de escape para atender tais demandas de forma efetiva. Mas seria esse processo algo negativo?
Como especificado por Marcos Faro de Castro, não só no Brasil, mas ao redor do mundo, o fenômeno da judicialização pode ser observado (inclusive antes de 1988): Na Alemanha, a atuação do poder judiciário se mostrou de extrema importância junto ao processo político numa espécie de “construção coordenada” de políticas públicas entre os anos de 1969 e 1976, atuando em áreas de política externa até áreas como as de política universitária. Na Inglaterra, durante o governo de Margaret Thatcher, a política de fechamento de escolas do sistema público do ensino secundário, sem consulta prévia de alunos e seus pais, (qualquer semelhança com a atualidade brasileira, especificamente do sistema de escolas públicas do Estado de São Paulo, não é mera coincidência) sofreu a intervenção dos tribunais. Na Itália, a chamada “politização” da magistratura judicial acontece desde o final da década de 1960 e determinou um aumento de intervenções judiciais em setores como o das relações industriais, a repressão ao terrorismo e o combate à corrupção. Observando um plano macro, não seria então a nossa clássica divisão dos três poderes, algo prestes a ser superado?

“O conceito de Estado de Direito em sentido amplo designa um tipo de Estado que adota uma forma de organização estatal, de natureza política e jurídica, na qual o poder do Estado se encontra limitado pelo direito, com a finalidade de garantir os direitos fundamentais.”
RANIERI, Nina. Teoria do Estado, p. 196.

No quesito de garantia de direitos fundamentais, o fenômeno da judicialização está intimamente interligado com o do ativismo judicial. A Constituição de 1988 é conhecida como “A Constituição cidadã” justamente por buscar em seu texto legitimar a efetivação dos direitos fundamentais, sendo propositalmente vaga em alguns artigos, para que conforme fosse necessário, novas situações pudessem ser contempladas pela lei, esta sempre com a premissa de incluir (Art. 1º; Art. 3; Art. 5º, entre outros artigos.).  Em contrapartida, pelo fato do direito ser, como Nietzsche expõe em seus textos, intrinsicamente conectado à moral, muitas das normas, como o art. 226, §3º, são interpretadas de forma excludente e preconceituosa, configurando uma espécie de autoritarismo moral que permeia o Judiciário e acaba por lesar uma diversidade de outros direitos, além de perpetuar a desigualdade.
Focando no art. 226, em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, visando reconhecer a união homoafetiva perante à lei. Segundo o relator do caso, Ministro Ayres Britto, “o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira priva os parceiros destas entidades de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais”,  ou seja, contraria princípios básicos existentes na Constituição vigente, entre eles, o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio pelo qual nosso ordenamento jurídico é alinhado e construído. Mas não seria papel do legislativo desenvolver tal discussão, a fim de que leis pudessem ser criadas para fornecer uma garantia além da hermenêutica judicial?
Aqui voltamos ao problema da crise do Legislativo e a quem as demandas sociais seriam direcionadas com o intuito de serem atendidas de forma efetiva. Seria o Congresso Nacional eleito em 2014 um espaço para tais demandas? Não. Não há espaço no parlamento ultra-conservador e personalista para a discussão acerca de “minorias” como os homossexuais, e nesse caso, é ao judiciário que tais cidadãos recorrem para ter seus direitos fundamentais garantidos.
               Apesar de ser um texto altamente aberto aos direitos fundamentais e aos tratados internacionais, Barroso adverte que “O juiz, dentro do contexto da judicialização, nunca age que não seja em nome de uma vontade política pré-existente, que não é a dele; é a que está na Constituição ou na lei”, logo, o ativismo, embora seja uma forma de atender demandas sociais, não é a garantia da politização dos tribunais. Logo, a judicialização e o ativismo judicial podem ser vistos como suficientes por agora, mas não podem ser vistos dessa forma permanentemente pois não há como suprir todas as demandas sociais de uma sociedade. É necessário que haja uma cooperação entre as instituições previstas por Montesquieu e quem sabe, com tal cooperação, uma superação dessa divisão clássica dos poderes e uma maior efetividade da democracia e da garantia de direitos a todas e todos.

Mariana Ferreira Figueiredo
1ª ano - Direito (diurno)
Sociologia do Direito

A resposta ao vácuo

            A ADPF 4277 publicada em maio de 2011 trata a respeito do reconhecimento da união homoafetiva enquanto instituto jurídico. Apesar de estarem estabelecidas nos ditames da atual constituição a qual rege a sociedade brasileira, normas que visam à garantia de direitos iguais a toda a população, este é um caso que foge a esse pressuposto normativo.
Desde a constituição do casamento, não só como um rito religioso dentro do catolicismo, mas sim, enquanto instituição jurídica do próprio Estado, ele vem sendo celebrado à pessoas que se orientam de forma heterossexual. Atualmente, uma das pautas do movimento LGBT, então, caminha justamente nesse sentido. Se a constituição garante além de garantias iguais, tratamento jurídico igual a todos as pessoas, independente de sua raça, credo religioso ou orientação sexual, e sendo o Estado moderno, uma instituição em sua essência, laico, por que este direito, o casamento registrado no cartório civil, é concedido somente a um determinado grupo e negado a outro?
            A ADPF supracitada é justamente a resolução desse conflito pela via judicial. E é nesse ponto em que a teoria do jurista Barroso toma materialidade.
Um dos pontos de maior destaque de sua teoria é a judicialização, fenômeno em que o poder judiciário se transveste de funções das quais não lhe são originarias e assim, no caso, interveem em funções do poder legislativo. Decorre no caso do Brasil, pois na realidade já é um fenômeno presente anteriormente em outros países, com a Constituição Federal de 1988, pelo fortalecimento do poder judiciário, que se transforma em um poder político de fato diante de suas atribuições e funções, se tornando “o guardião da constituição”.
Toda via o fortalecimento do judiciário não é o único fator explicativo da judicialização: a crise de legitimidade advinda da falta de representatividade de questões políticas sociais, por parte do poder legislativo, influencia em demasia este quadro. As demandas e necessidades de determinadas minorias da sociedade, sejam elas por políticas publicas e sociais, bem como por aparatos legislativos que resguardem e outorguem determinados direitos ou garantias não vem sendo criadas, sancionadas ou mesmo propostas pelo legislativo. Daí então, o judiciário atua nesse vácuo deixado pelo legislativo.

Por fim, o caso do reconhecimento da união homoafetiva então, ressalta que a judicialização advêm da necessidade de uma resposta estatal a uma demanda que já é uma realidade cristalizada não só no país, mas mundialmente, e além disso, uma forma encontrada, (in)felizmente, pela via judicial, de garantir um dos maiores pressupostos constitucionais: a isonomia.  

Ana Paula De Mari Pereira 
1º ano - Diurno

Intervenção do Judiciário no Poder Público: um "mal" necessário?

O Brasil é o país em que mais frequentemente o Poder Judiciário interfere nas Esferas de Poder do Executivo e do Legislativo. Tal fenômeno ocorre, principalmente, por dois aspectos do regimento normativo máximo brasileiro, a Constituição Federal: a  constitucionalização abrangente e o modelo do sistema brasileiro de controle de constitucionalidade. O primeiro refere-se à quantidade de questões, sejam elas individuais, prestações estatais ou fins públicos, disciplinadas em normas constitucionais, fato que atribui ao Poder Judiciário a possibilidade de judicializar a exigência desses direitos. O segundo refere-se ao modelo brasileiro de controle de constitucionalidade, que reúne tanto elementos do modelo americano, como o controle incidental e difuso quanto elementos do modelo europeu, como o controle por ação direta. Somados, estes dois aspectos dão margem para que o Judiciário faça intervenções em projetos de lei e até para que ele imponha condutas ou abstenções ao Executivo.
Sobre esta realidade brasileira, questiona-se a relativa sobrepujança do Judiciário em relação aos demais poderes e as consequências dela à democracia. Tendo em vista que o Poder Público (Executivo e Legislativo) emana do povo através do processo democrático, ao contrário do Judiciário, onde o critério de ingresso é o nível de conhecimento técnico do Direito, a primazia do Poder Judiciário seria um desrespeito à vontade da grande parte da população, que delegou a representantes o seu poder de escolha e têm este afrontado pela decisão dos membros do  Judiciário. Entretanto, com a atual crise de representatividade devido a ineficiência das políticas públicas, frequentes escândalos de corrupção e a omissão das classes dirigentes com relação aos problemas do país, muitas questões veem no Judiciário sua única possibilidade de resolução
Portanto, por mais que as decisões do Judiciário às vezes pareçam resvalar na vontade supostamente democrática do Poder Público, elas estão funcionando como medidas paliativas até que se faça a tão necessária Reforma Política no país.

Vinicius Bottaro (DIurno)

Judicialização da política e união homoafetiva


Em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade acerca do reconhecimento da união homoafetiva enquanto instituto jurídico. Ou seja: pediam que as famílias formadas por casais homossexuais fossem reconhecidas como famílias também perante a lei. O debate principal gira em torno do art.226, que, segundo a interpretação do Ministro Lewandowski, exemplifica formas de famílias: as famílias formadas pelo casamento entre homem e mulher, as famílias formadas por união estável entre homem e mulher e as famílias mononucleares, formada por um indivíduo e seus descendentes. Essas são citadas pela maior recorrência à época da Assembleia Constituinte, sendo as demais entidades familiares tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput do artigo supracitado.
Segundo o resumo do Ministro Ayres Britto (relator do caso), “o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira priva os parceiros destas entidades de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais”, o que lesa uma série de princípios fundamentais. Essa lesão decorre da conduta adotada pelos poderes públicos e, portanto, é passível de uma ADPF, visando entender que o art.226, §3º, não veda a união homoafetiva não tampouco é obstáculo intransponível para o reconhecimento dessas – considerando uma interpretação segundos os princípios gerais da República, que repudiam o preconceito e a exclusão social dos homossexuais. O artigo supracitado visava ser inclusivo, não devendo ser interpretado de forma exclusiva, sendo cabível uma interpretação analógica sobre ele para tutelar a entidade familiar formada por pessoas do mesmo gênero.
 Há uma série de princípios constitucionais que eram violados pelo não reconhecimento da união homoafetiva: o direito à igualdade, a autonomia da vontade, o direito à intimidade e à vida privada, a norma geral negativa, o direito à busca da felicidade e o princípio da dignidade da pessoa humana, elemento nuclear do nosso ordenamento jurídico. Dessa forma, a imposição de restrição não é justificada pela promoção de outros bens jurídicos – já que a união e formação de famílias não têm efeitos significativos na vida de outras pessoas e nem lhes restringe algum direito – o não reconhecimento das famílias formadas por casais homoafetivos é um mero preconceito e um autoritarismo moral.
Tendo em vista a violação de direitos e a postura perpetuadora de desigualdades dos poderes públicos, fica entendido que cabe ao judiciário apreciar o caso. Entretanto, segundo a doutrina tradicional, o papel do Supremo Tribunal Federal é o de interpretar leis, não cria-las.

É certo que o Judiciário não é mais, como queriam os pensadores liberais do século XVIII, mera bouche de la loi, acrítica e mecânica, admitindo-se uma certa criatividade dos juízes no processo de interpretação da lei, sobretudo quando estes se deparam com lacunas no ordenamento jurídico. Não se pode olvidar, porém, que a atuação exegética dos magistrados cessa diante de limites objetivos do direito posto. (LEWANDOWSKI, p.107).

Entramos aqui no debate acerca da judicialização da política e do ativismo judicial. O primeiro remete a fluidez da fronteira entre política e direito; já o segundo é uma escolha por um modo específico e proativo de interpretar a constituição, expandindo-a em sentido e alcance. Segundo Luís Roberto Barroso, as causas disso são a expansão do poder judiciário na democratização, a constitucionalização abrangente (tornar uma matéria constitucional é transformar política em direito) e o rígido sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.
Além disso, há que se considerar a falta de representatividade no legislativo brasileiro, que é causa e consequência da judicialização: por um lado, o judiciário atua para satisfazer demandas não atendidas pelo parlamento; por outro, o deslizamento do judiciário sobre competências parlamentares corrobora para o comprometimento da cidadania e para a falta de representatividade, já que os deputados e senadores deixam de debater uma série de questões tidas como polêmicas por serem tratadas pelo judiciário. Assim, um seleto grupo de magistrados com cargo eletivo tem o poder de decidir e sobrepor-se a legisladores eleitos por milhões de cidadãos.
No caso da união homoafetiva, é fato que o Judiciário foi chamado e a se manifestar, uma vez que o “movimento LGBT” não tem espaço no parlamento; também é fato que há violação de direitos e princípios fundamentais constitucionais e que o Supremo Federal é o “guardião da Constituição”. Por outro lado, para que a matéria fosse perfeitamente regulamentada, deveria haver alterações na legislação infraconstitucional e emenda constitucional para o art.226.
O Congresso Nacional eleito em 2014 é predominantemente conservador; as demandas sociais encontram entraves declarados frente a parlamentares com interesses pessoais por trás – sejam eles religiosos, morais ou econômicos. Entretanto, um erro não justifica o outro e a confusão entre os três poderes (ainda que a atuação judiciária deslize predominantemente sobre o legislativo) compromete um dos pilares da democracia moderna (ainda que a judicialização da polícia seja uma tendência mundial do pós Segunda Guerra Mundial).
O debate acerca da união homoafetiva deixa claro não só a judicialização da política, mas também a judicialização da vida cotidiana. Evidencia também a jurisdição do poder público sobre a vida privada dos indivíduos e a imposição autoritária de preceitos morais e religiosos sobre minorias, o que não se justifica numa democracia ainda que sejam preceitos morais e religiosos da maioria. Numa nação verdadeiramente livre de preconceitos, com plena igualdade e respeito para com os gêneros, a matéria nem deveria ser alvo de tanta polêmica ou ao menos passível de decisão judicial: parece óbvio que como cidadãos comuns, pagadores de impostos, cumpridores de suas obrigações e sujeitos de direitos, os homossexuais tem o direito não só de serem reconhecidos como famílias e obterem união estável, mas de contraírem matrimônio.

Heloisa de Maia Areias
1º Ano de Direito – diurno.