segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

A criminalização do aborto como violência do Direito

A questão da descriminalização do aborto, mesmo que só nos três casos de risco de vida para a mãe, anencefalia e gravidez decorrente de estupro, gera polêmica até hoje na sociedade brasileira, mesmo que já aceita amplamente nos países mais desenvolvidos. Pierre Bourdieu, em sua obra, demonstra alguns conceitos que se encaixam na luta empreendida pelas mulheres no campo jurídico para fazer valer o direito ao próprio corpo.
A excessiva racionalização e universalização do Direito faz com os juízes apliquem à lei sem considerar particularidades e circunstâncias específicas de cada caso. É devido a essas características que o aborto é considerado assassinato pelo senso comum, pois, como é esperado do senso comum, não se investiga além da superfície. Como se pode considerar assassinato a interrupção do desenvolvimento de algo que nem vida é ainda? Como se pode juridicamente considerar vida sem nem recorrer a outros campos especializados como a medicina, a filosofia, a ética.
Esses dois últimos, na realidade, são amplamente utilizados sob a perspectiva que os mescla com a religião e, consequentemente, traz a misoginia para a discussão. Discute-se a ética a filosofia quando se fala em “se acabar com uma vida que nem nasceu ainda” ou “a vida existe desde a concepção porque até mesmo uma só célula é uma vida”. Mas não se discute a ética e a filosofia quando o Direito se depara com a imensa quantidade de crianças em situação de rua, com 5,5 milhões de crianças que não têm o nome do pai na certidão de nascimento, com uma mãe que sofre Depressão Pós-Parto por ter sido obrigada a levar adiante uma gravidez indesejada, com o fato do aborto clandestino ser a quinta maior causa da mortalidade materna.
Tais ambiguidades fazem lembrar que esse embate é mais um exemplo da dominação de uma classe pela outra: a classe das mulheres sendo dominada e subjugada pela classe dos homens, com base na estruturação do gênero. Nós, mulheres, quando nascemos já somos colocadas em roupas rosas, delicadas, furam nossas orelhas, nos ensinam a não falar alto, não sermos agressivas, colocam-nos em saltos altos que dificultam nossa locomoção, nos obrigam a mutilar nossos corpos diariamente com a depilação e procedimentos estéticos para nos encaixar num padrão frágil, submisso e infantilizado. Desde que nascemos nos dizem que nosso corpo não é nosso e por isso o aborto até hoje no Brasil não aceito. O direito ao aborto é o direito da mulher ao próprio corpo, e o patriarcado não admite tal empoderamento.
O Direito vem para garantir as necessidades reais da população, e não aquelas impostas pela classe dominante. O Direito deve consultar especialistas para formar uma decisão, e não apenas as leis já estabelecidas como universais pela classe dominante. O Direito não deve reproduzir uma determinada ordem social que é considerada como exemplar, ele deve considerar todas as realidades. Inclusive aquela da mulher periférica semianalfabeta que não teve acesso a informação e que não deve carregar para o resto da vida um fardo por causa de um acidente. O bebê é visto como uma punição para as mulheres, quando ele deve ser visto como uma bênção para um casal. O Direito exerce uma violência simbólica contra as mulheres, quando é composto majoritariamente por homens, quando ignora nossas realidades, quando não leva em conta nossas reivindicações e quando nos nega o direito aos nossos corpos.

Discente: Gabriela Alves Fontenelle - noturno.

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