segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O produto da luta simbólica no campo jurídico

“Pergunta: "O que a Bíblia diz sobre o aborto?"

Resposta: A Bíblia nunca trata especificamente sobre a questão do aborto. No entanto, há inúmeros ensinamentos nas Escrituras que deixam muitíssimo clara qual é a visão de Deus sobre o aborto. Jeremias 1:5 nos diz que Deus nos conhece antes de nos formar no útero. Êxodo 21:22-25 dá a mesma pena a alguém que comete um homicídio e para quem causa a morte de um bebê no útero. Isto indica claramente que Deus considera um bebê no útero como um ser humano tanto quanto um adulto. Para o cristão, o aborto não é uma questão sobre a qual a mulher tem o direito de escolher. É uma questão de vida ou morte de um ser humano feito à imagem de Deus (Gênesis 1:26-27; 9:6).

O primeiro argumento que sempre surge contra a opinião cristã sobre o aborto é: “E no caso de estupro e/ou incesto?”. Por mais horrível que fosse ficar grávida como resultado de um estupro e/ou incesto, isto torna o assassinato de um bebê a resposta? Dois erros não fazem um acerto. A criança resultante de estupro/incesto pode ser dada para adoção por uma família amável incapaz de ter filhos por conta própria – ou a criança pode ser criada pela mãe. Mais uma vez, o bebê não deve ser punido pelos atos malignos do seu pai.

O segundo argumento que surge contra a opinião cristã sobre o aborto é: “E quando a vida da mãe está em risco?”. Honestamente, esta é a pergunta mais difícil de ser respondida quanto ao aborto. Primeiro, vamos lembrar que esta situação é a razão por trás de menos de um décimo dos abortos realizados hoje em dia. Muito mais mulheres realizam um aborto porque elas não querem “arruinar o seu corpo” do que aquelas que realizam um aborto para salvar as suas próprias vidas. Segundo, devemos lembrar que Deus é um Deus de milagres. Ele pode preservar as vidas de uma mãe e da sua criança, apesar de todos os indícios médicos contra isso. Porém, no fim das contas, esta questão só pode ser resolvida entre o marido, a mulher e Deus. Qualquer casal encarando esta situação extremamente difícil deve orar ao Senhor pedindo sabedoria (Tiago 1:5) para saber o que Ele quer que eles façam.

94% dos abortos realizados hoje em dia são por razões diferentes da vida da mãe estar em risco. A vasta maioria das situações pode ser qualificada como “Uma mulher e/ou seu parceiro decidindo que não querem o bebê que eles conceberam”. Isto é um terrível mal. Mesmo nos outros 6%, onde há situações mais difíceis, o aborto jamais deve ser a primeira opção. A vida de um ser humano no útero é digna de todo o esforço necessário para permitir um processo de concepção completo.

Para aquelas que fizeram um aborto – o pecado do aborto não é menos perdoável do que qualquer outro pecado. Através da fé em Cristo, todos e quaisquer pecados podem ser perdoados (João 3:16; Romanos 8:1; Colossenses 1:14). Uma mulher que fez um aborto, ou um homem que encorajou um aborto, ou mesmo um médico que realizou um – todos podem ser perdoados pela fé em Cristo”.


O texto anterior, retirado de um site de conselhos espirituais e religiosos, indica uma característica que acabou por se enraizar na sociedade orientada pelas religiões de cunho cristão: a categorização do aborto como pecado maior, ainda que não haja condenação específica, nos textos sagrados, sobre tal atitude ser tomada. Ainda que colocando a vida uma outra pessoa em risco, seja ele físico ou psicológico, a inviabilidade do aborto pode ser citada como exemplo do que Pierre Bourdieu chama de “poder simbólico”. Poder esse que emanou do compartilhamento de um mesmo ethos, um mesmo habitus e, assim, “possibilitou a expressão de valores dominantes no âmbito do campo”. Sendo a visão dominante a dos sacerdotes que passaram a regrar todo o comportamento social e cultural da civilização ocidental e até mesmo de alguns pontos do oriente, a religião cristã criou tal possibilidade de expressão.

Já no século XXI, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54, a qual trata da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, representa mais do que a quebra de preceitos baseados nos valores alicerçados e erguidos segundo os valores cristãos. Representa um avanço frente aos “limites às interpretações (hermenêutica) no âmbito do campo jurídico [...]” ainda que “condicionados pelo espaço dos possíveis”, já que uma nova leitura do assunto pôde ser colocada em voga devido à nova regulação estruturada na lógica engendrada pela dinâmica do direito, sendo essa a lógica positiva da ciência somada à lógica normativa da moral. Ainda que tais quebras de paradigmas pelo direito acabem ocorrendo dentro de uma determinada delimitação possibilitada mais por fatores exteriores ao próprio direito, como a perda de eloquência da moralidade conservadora, por exemplo, o direito é aquele que de fato rompe tal continuidade de pensamentos e é aquele que insere novos horizontes na sociedade, mesmo sendo essa posição criticada por Bourdieu e classificada como uma “ilusão de independência do Direito em face das relações de forças externas”. Sem o Direito não há embasamento satisfatório que legitime questões como a do caso da ADPF 54, já que apenas a argumentação biológica não detém força suficiente para quebrar a dogmática construída com base na tradição religiosa.


Com isso, faz-se presente o veredicto, “representando a forma por excelência da palavra autorizada, palavra pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos [...]”. Com isso, faz-se presente "o produto da luta simbólica no campo jurídico".

Aluno: Rafael dos Anjos Souza
Turma: Direito Noturno / XXXII

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