segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Ambivalência entre o avanço e o retrocesso da moral

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54) proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde em 2004, tinha como principal objetivo a autorização da interrupção da gestação de feto anencéfalo, além evidenciar que essa medida não estaria em conflito com o Código Penal, haja vista que a gestação com essa má formação congênita do feto causa morte em todos os casos, e quando muito, a criança sobrevive alguns minutos ou dias.  
Sob a compreensão de Bourdieu em “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, é possível traçar uma relação entre a sua interpretação acerca do direito e o julgado da ADPF 54.
 O autor trata em seu texto do Poder Simbólico, afirmando ser toda força não materializada concretamente que se exerce por meio de um poder de distinção, seja de um ator social, de uma instituição ou de um grupo social e o direito é parte desse Poder. No tocante a este ponto, Bourdieu difere tanto de Kelsen, quanto de Marx; do primeiro pois acredita que o direito, embora possua certa autonomia não seja isento de pressões externas como o autor austríaco assevera, e do segundo, pois não o define apenas como um instrumento de poder da classe que se impõe. Deste modo, o direito recebe também influências sociais.
Em relação ao Campo, este é definido pelo autor como um espaço real ou imaginário, distinguindo-se por códigos, espaços, valores, linguagens, e  habitus que são as disposições incorporadas pelos indivíduos de acordo com o nascimento, a instituição de ensino e etc. que mantém o direito no Espaço dos Possíveis. Sendo assim, Bourdieu afirma que o direito possui um campo jurídico sendo ele nem dependente nem independente, existindo uma lógica interna que o determina. De um lado há forças específicas e de outro uma lógica interna das obras jurídicas.
Quanto ao Espaço dos Possíveis, trata-se da reunião de uma lógica positiva da ciência, ou seja, da razão; e da logica normativa da moral, isto é, está relacionada a um certo período histórico, a uma época. É neste âmbito do Espaço Dos Possíveis que se insere a questão do aborto dos anencéfalos tratado na ADPF 54, uma vez que é dentro deste espaço que irão ocorrer as mudanças, sendo promovidas pelos magistrados, os operadores do direito, os quais, por meio de seu poder simbólico vão intervir e decidir acerca desse e diversos outros assuntos.
Neste julgado, o direito foi o fator decisivo para definir se a interrupção da gestação em casos de feto anencefálico seria crime ou não, enquadrado dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do Código Penal. Essa decisão só foi deferida e possível em decorrência da ampliação do Espaço dos Possíveis, haja vista que quando o Código Penal de 1940 foi estabelecido, não previa este tipo de aborto. Contudo, em razão de ser terminantemente regido pela lógica da moral, não foram todos os tipos de abortos permitidos, evidenciando que ainda é muito restrito o livre arbítrio das mulheres nesse quesito, pois apesar de o Estado ser laico, a moral cristã que se enquadra no que Bourdieu vai denominar de ethos, é ainda muito influente na regulação do sistema jurídico. Desta maneira, fica evidente que embora o Espaço dos Possíveis tenha se ampliando, ainda permanece de certo modo restrito, em decorrência da moral social. Entretanto, esse tipo de decisão representa um avanço, mesmo se enquadrando em uma emancipação regulada.


fonte:http://blogs.estadao.com.br/tragico-e-comico/files/2012/04/jt12_stf_igreja.jpg

Ariane do Nascimento Sousa
1º Ano- Direito Noturno
Aula 3.1

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