domingo, 6 de dezembro de 2015

O Direito não é um campo fechado

     A ADPF 54 alega desrespeito a princípios (como o da dignidade da pessoa humana, legalidade, liberdade, autonomia da vontade e direito à saúde) nos casos de proibição da interrupção da gravidez de anencéfalos. O relator afirma que muitos órgãos vinham utilizando os art. 124 e 126 do Código Penal, que tratam sobre aborto, em detrimento da Constituição Federal, para proibir a antecipação terapêutica do parto no caso de fetos anencéfalos. A Arguição busca demonstrar que antecipação terapêutica do parto e aborto não são sinônimos, pois, no primeiro caso, não há expectativa de vida para o feto. Portanto, configura-se inconstitucional o ato de usar do Código Penal para classificar este ato como criminoso e foi essa a decisão do STF.
     Essa decisão se trata de um grande avanço para o Direito brasileiro, mas ainda há muito para se avançar. As decisões da mulher têm que ser o fator principal, enquanto não prejudicarem a vida do feto. Para a medicina, até um certo período da gestação, o feto não é considerado como vida, portanto, nesse período, a decisão da mulher deveria ser a definitiva. Contudo, pensando-se no quadro brasileiro atual, em que há muitos conflitos religiosos e morais conservadores envolvidos, a liberalização do aborto de forma geral não está dentro do “espaço dos possíveis” pensado por Bourdieu.
     Este autor entende “espaço dos possíveis” como uma adequação entre a dinâmica social e a lógica interna do campo, o limite entre a ciência e a moral. No caso do aborto, limite entre a ciência jurídica e a moral social. Campo, para ele, é o espaço que constitui uma autonomia relativa, com valores, códigos, habitus, recursos e capital simbólico específicos. O Direito, por exemplo, é um campo, e um dos mais importantes, pois é nele que se define aquilo que normatiza os modos de conduta das pessoas de um modo geral. Ele critica Kelsen, pois este afirma que a autonomia do campo jurídico é absoluta, e não relativa. Bourdieu argumenta ser relativa, pois há influência de forças externas nas decisões proferidas dentro do campo jurídico.
     Como exemplo temos a influência da medicina, da psicologia e do pensamento da sociedade em geral na decisão da ADPF 54 em questão. Usa-se da medicina para definir a falta de perspectiva de vida para o anencéfalo; da psicologia para comprovar os danos causados à mulher obrigada a carregar por nove meses um feto que sabe que sairá dela morto; e do pensamento da sociedade em geral para ponderar sobre quais mudanças serão passíveis de aceitação e quais levarão a uma rejeição total. Isso demonstra que o Direito não é um campo fechado, mas sim relativamente aberto a influências externas.
     Essas influências não conseguem penetrar de forma abrangente, pois a própria hierarquia do campo inibe divergências muito profundas. Tudo caminha dentro do espaço dos possíveis, não é possível uma alteração de conduta internamente, que não terá aplicação externamente. É preciso ponderar os dois âmbitos, externo e interno, para se formar uma decisão. 

Beatriz Mellin Campos Azevedo - diurno

Nenhum comentário:

Postar um comentário