domingo, 6 de dezembro de 2015

O espaço dos possíveis

        Bourdieu foi um sociólogo francês compreendia a sociedade a partir de campos que se inter relacionam, e ao mesmo tempo possuem certa autonomia, gerando uma dinâmica própria. Há, de acordo com o sociólogo, um evidente embate pela ocupação dos espaços.
Para ele,  a ciência do Direito deve evitar o instrumentalismo – ideia do direito a serviço da classe dominante – e o formalismo – ideia do direito como força autônoma em face das pressões sociais, sendo uma ciência autônoma, mas ao mesmo tempo ligada a diversos outros campos, devido à concorrência de forças e lutas simbólicas. Conclui, com isso, que o Direito pode servir como instrumento para a mudança social apesar de apontar os limites devido às interpretações, já que elas ocorrem apenas dentro do espaço dos possíveis.
        Deste modo, a ADPF 54/DF, que trata o aborto de anencéfalos como antecipação do parto, diferenciando-a do aborto, demonstra bem o pensamento de Bourdieu. Este aborda em seu texto “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”, os espaços possíveis na época em que o Código Penal foi sancionado, momento em que não haviam meios de comprovação da anencefalia. Dessa forma, a medicina foi judicializada: passou a ser uma decisão não apenas do médico e da gestante, mas também do magistrado, o qual, dessa maneira, implica no Direito definindo o que é e o que não é vida.
     Ele aborda também a luta simbólica do campo jurídico, que se dá entre as normas positivadas e os operadores do direito, além de ocorrer de forma dialética, entre as fontes do direito – a doutrina e a jurisprudência – e a interpretação, adequação à realidade – feita pelos juízes.
       A relativa autonomia do Direito é também neste caso percebida, já que o Superior Tribunal Federal depende da opinião dos juristas e também do laudo médico, ou seja, campos jurídico e científico. Há, assim, uma interação entre os campos, porém o efeito do campo jurídico é maior do que os outros, já que são eles que possuem “a palavra final” sobre a vida e ausência de vida em um feto. No entanto, a legitimidade da sentença, segundo Bourdieu, se dá pelo uso da razão; isto é percebido ao longo da ADPF com afirmações como a de que o feto não tem perspectiva de vida fora do útero.
      A problemática no debate se dá pela discussão pautada na questão “existe ou não vida no feto?”, o que é uma discussão moral, já que tanto o campo médico quanto o jurídico já possuem respostas para isso. Vê-se, assim, que o Direito ainda está muito próximo do espaço possível da moral, mas já avança para a razão, como no argumento do juiz sobre a autodeterminação da mulher.
        A legalização do aborto de anencéfalos seria, assim, o momento de conflito da moral com a razão; seria um momento anterior que conduziria à legalização do aborto como um todo, alargando-se o espaço dos possíveis ao abordar também questões como os direitos da mulher e da disposição do próprio corpo.

Letícia Solia
1º ano - Direito diurno

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