segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Bourdie e a ADPF 54 - o aborto de anencéflos

         Na ADPF 54, o Supremo Tribunal Federal decidiu acerca da inconstitucionalidade da criminalização do aborto de anencéfalos. Os ministros entenderam que interrupção da gravidez, nesse caso, não feria princípios constitucionais por não haver expectativa de vida, segundo a medicina. Do contrário, mulheres seriam submetidas ao doloroso e dramático processo do parte para trazer ao mundo um indivíduo previamente condenado à morte.
             A decisão vai perfeitamente de encontro com o pensamento de Bourdie, segundo o qual o Direito não é uma ciência isolada, mas que conversa com as demais áreas do conhecimento. Ele é dotado de um poder simbólico que atua em seu espaço possível. Diferentemente do que postula Hans Kelsen, Bourdie coloca o Direito no campo dos fenômenos sociais, sendo composto não só por meras ordens para a conduta humana, mas também por instrumentalismo e formalismo,
           Ou seja, o Direito pode servir como instrumento de dominação de classes, usando termos marxistas, e acaba por distanciar-se do meio social por sua burocratização e elitismo. Ambas as tendências devem, o quanto possível, ser evitadas a fim de conectar o Direito ao seu pano de fundo, a realidade na qual se insere.
              Obrigar mulheres a darem a luz a anencéfalos não apenas representaria uma crueldade e uma violação aos direitos humanos (restringindo a liberdade a medida que obstrui a autonomia da vontade, dentro dos limites legais). Mais do que isso, seria interpretar o Direito em descompasso com sua casuística, ignorando certezas da medicina, da psicologia e da sociologia. Decisão diferente da colocada pelo Supremo Tribunal Federal representaria também mais um aspecto da relativização da laicidade do Estado brasileiro, tendo em mente que a visão na qual existe vida desde o momento da concepção é católica, e não científica.
               Bourdie lembra ainda que cabe aos operadores do Direito conectá-lo a realidade social e mantê-lo atualizado com relação a mesma. A decisão do STF na ADPF 54 representa, assim, uma ampliação do campo de alcance do Direito, em consonância com as demais ciências e com as demandas sociais.

Heloisa de Maia Areias
1º ano de Dirieto - Diurno


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