segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Bourdieu e o Aborto

Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês que defendia a não instrumentalização e formalização da ciência jurídica. Para ele o instrumentalismo coloca o Direito a serviço das classes dominantes, enquanto o formalismo funciona como força autônoma frente as pressões sociais. É nesse sentido, portanto, feito uma crítica kelsiniana que, segundo o autor, não passa de uma tentativa de criar doutrinas e regras completamente independentes das pressões sociais. Assim estabelece uma distinção entre os intérpretes do Direito, que são os doutrinadores e os operadores. Os doutrinadores são responsáveis pela produção teórica, enquanto os operadores atuam na jurisprudência e construção jurídica, isto é, são encarregados da atividade prática.
Para tanto Bourdieu enumera dois efeitos produzidos pelos mecanismos linguísticos utilizados na ciência jurídica. O primeiro seria o de neutralização que é responsável por criar construções passivas e frases impessoais, enquanto o segundo é o de universalização que expõe o direito de fato e não o “dever-ser”. Cabe ao jurista a historicização da norma, isto é, adaptar as leis e fontes do direito para aplica-las a casos particulares. Portanto tem se que o veredicto se associa mais às atitudes éticas dos aplicadores do Direito do que às normas, visto que deve sobressair a vontade da razão. Segundo Bourdieu, o veredicto:
                                               Representa a forma por excelência da palavra autorizada, palavra pública, oficial, enunciada em nome de todos e perante todos: estes enunciados performativos, enquanto juízos de atribuição formulados publicamente por agentes que actuam como mandatários autorizados de uma coletividade e construídos assim em modelos de todos os actos de categorização (...) são actos mágicos que são bem sucedidos porque estão à altura de se fazerem reconhecer universalmente, portanto, de conseguir que ninguém possa recusar ou ignorar o ponto de vista, a visão, que eles impõem.
Se depreende da ADPF- 54, que autorizou a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, sob a argumentação de que a anencefalia consiste na malformação congênita do feto, devido a inexistência de crânio e de encéfalo. Segundo a medicina, a morte se dá em 100% dos casos e se o feto alcançar o final da gestação sobreviverá apenas por minutos ou dias. O pedido feito a ADPF- 54 foi julgado pelo STF vencendo pela maioria dos votos, sendo portanto decidido que a interrupção da gestação nesses casos não caracteriza o crime de aborto previsto pelo Código Penal.
Aqui tem se que, segundo Bourdieu, é necessário a não instrumentalização do direito sobretudo no que diz respeito a garantia dos direitos individuais das mulheres. Essas gestações, além de poder apresentar alguns tipos de riscos para as mulheres, com certeza expõe as mesmas a constrangimentos e a pressão psicológica de ter que lidar com a morte do filho logo em seu nascimento. Portanto, submeter a mulher a esse tipo de situação configura-se em um caso de desrespeito dos direitos fundamentais ligados a dignidade da pessoa humana. O direito positivo não deve se ater a objeções das classes dominantes em detrimento das dominadas, como defende Bourdieu, haja visto que a opinião pública, fomentada sobretudo por dogmas religiosos e marais, se posiciona contrário a prática do aborto. Essa opinião das camadas sociais dominantes submetem os direitos da mulher de dispor de seu próprio corpo, além de outros direitos.
Ainda faz se mister comentar que a decisão jurídica deve ser conduzida sobre a maior parcialidade possível, sendo que o veredicto a ser tomado deve respeitar tão somente à vontade da razão e submetendo a opinião pública e do juiz. Caso se decidisse contrário ao pedido veiculado a ADPF- 54, por razões éticas, religiosas ou morais, o poder judicial estaria agindo contra seu determinado propósito de defender as classes dominadas a favor das dominantes. Configurando-se como uma tirania da maioria.

Matheus Vital Freire dos Santos - 1º ano de Direito - NOTURNO 

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