quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Judicialização e Ativismo Judicial: suas influências no mundo social e político

                     O Estado em que vivemos no Brasil atualmente é denominado por grande maioria da doutrina política de "Estado Democrático de Direito". Este modelo se consolidou no fim do pós-segunda Guerra Mundial, momento de movimentação e formação de novos Estados, e de instituições internacionais que visavam a garantia dos Direitos Humanos, como a Organização das Nações Unidas. Este Estado ainda trouxe consigo uma nova constitucionalização de direitos, estendendo diversos direitos Humanos - especialmente os civis, políticos, sociais e econômicos, dando enfoque também aos direitos de terceira geração "Fraternidade", ou melhor dizendo, os direitos difusos e coletivos - a posição de Direitos Fundamentais, ou seja, passou a garantir estes direitos humanos no texto constitucional. Além disso, essa nova "onda de constitucionalização" trouxe ao modelo constitucional de quase todos os países um padrão de constituição enquanto "norma" - em oposição ao padrão de constituição "pactual" existente na grande maioria dos países até o início da Segunda Guerra - tornando assim este texto normativo exigível para proteção de direitos perante os tribunais, e junto com este movimento o modelo de Controle de Inconstitucionalidade foi difundido pelo mundo (nos países do Common Law, com exceção da Inglaterra, difundiu-se o padrão Americano, baseado em um controle difuso exercido por todos os juízes; nos países do Civil Law foi implantado o sistema kelseniano de controle concentrado; no Brasil e em alguns outros países latino-americanos houve uma mescla destes dois modelos).
                       Todos estes fenômenos constitucionais e políticos proporcionaram o avanço em diversas áreas sociais, políticas, econômicas, enfim, mas trouxeram consigo dois fenômenos que modificaram a compreensão das estruturas clássicas de divisão dos poderes: a Judicialização e o Ativismo Judicial. Na doutrina clássica da divisão dos poderes, desde Locke, Montesquieu e outros, havia expresso nestas a necessidade de se dividir as funções do Estado para impedir arbitrariedades, sendo que cada órgão responsável por uma determinada função controlaria o poder dos outros, e dessa forma chegou-se ao "padrão contemporâneo" no qual existem o Executivo (grosso modo,responsável pela execução das leis e políticas públicas em geral), Legislativo (responsável por representar o povo na formulação de leis e atos normativos que regulariam a ordem social) e o Judiciário (aquele que executa as leis para resolver os conflitos existentes entre particulares entre si, e contra o Estado). Como por muitos anos, depois da implantação deste modelo, os dois primeiros poderes passaram a não cumprir mais suas funções, dificultando até mesmo a discussão de alguns temas pertinentes para a vida social geral (como a questão racial, de gênero, social), o Judiciário passou a intervir para suprir a inércia dos demais poderes. 
                             Segundo o prof. e agora Ministro do STF, Luis Roberto Barroso, este fenômeno foi recorrente em todo o globo, de forma que a grande maioria das Cortes constitucionais, ganhou força e passou a ganhar espaço nas decisões de cunho mais político e social. No caso brasileiro este fenômeno ganhou força com o fim do pós-redemocratização, e com a promulgação da Constituição federal de 1988 - ou seja, com o fim do regime militar, no qual os tribunais mantinham-se ligados ao padrão de auto-contenção restringindo-se à aplicação das normas - que trouxe para si diversas garantias em normas de aplicação "limitada", ou seja, que dependiam de legislações complementares para suprir-lhes o efeito (grosso modo, normas que garantem um direito, mas não garantem como exerce-lo), como por exemplo o direito à educação, à saúde, ao Lazer, o "salário mínimo, [...]capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social" (Art. 7º IV). 
                           Além de garantir todos estes direitos a Constituição Federal conferiu uma "guarda forte" de sua produção normativa para o poder Judiciário, em desconfiança ao legislador ordinário. O fato é que embates políticos acabaram se intensificando, de tal maneira que as casas legislativas e o executivo não foram capaz de solucionar muitas questões (isso falando da realidade brasileira) transformando a Constituição uma referência segura para as diversas lutas sociais. Dessa forma passou-se a recorrer ao Judiciário para solucionar questões que anteriormente eram restritas ao campo político. Assim nasce a Judicialização e o Ativismo Judicial no Brasil. Um conceito de Judicialização seria que ela é o fenômeno pelo qual o Poder Judiciário, na inércia dos demais poderes, intervém em determinadas políticas e realidades sociais para fazer valer a Constituição Federal. Já o Ativismo Judicial seria uma forma de interpretar a produção legislativa constitucional de maneira extensiva, ou seja, buscando atingir os princípios de sua produção e aplicá-la para mais além do que sua interpretação estritamente literal. Há um descrédito profundo na política de forma que o Judiciário é visto como o único local capaz de se garantir o "ideal de justiça" pleno. O próprio Poder Legislativo, sabendo da dificuldade de se discutir determinadas questões em seu campo de atuação conferiu ao Judiciário o papel de "defensor" do cidadão e dos demais membros do Estado. Deve-se ficar frisado isso: "O Judiciário é visto como a última esperança do cidadão". 
                    Vários são os exemplos destes fenômenos, no qual o Judiciário tomou foi evocado para responder sobre terminados assuntos com repercussão erga omnes que no Legislativo talvez nem chegariam a ser discutidas: o caso das Cotas raciais é o exemplo primordial em que ao mesmo tempo os ministros do STF foram chamados a se manifestar acerca de um tema extremamente polêmico, não se limitando a uma análise jurídica rasa, mas exercendo um verdadeiro "ativismo judicial", ou seja, interpretando as normas constitucionais além do texto propriamente dito; a Judicialização também esteve presente no julgamento deste caso, de forma que o Judiciário sanou uma falha legislativa  de décadas acerca da política de integração racial e social dentro do espaço das Universidades. Os ministros não aplicaram a simples letra da lei, mas consideram fatores históricos, sociais, políticos, econômicos e até biológicos, mostrando que naquela corte o espaço para uma ampla discussão com técnicas mais apuradas possui maior espaço e menor possibilidade de ser suplantada pela política. O direito foi aplicado sob uma perspectiva weberiana de máxima racionalidade, e por isso, ganhou crédito de  maior garantidor dos direitos e demais questões sociais, não limitando sua análise à perspectiva político-partidária de interesses particulares. 
                 Concluí-se que estes dois fenômenos acabam aproximando muito o campo jurídico do político, e são atualmente uma das formas que o sistema político encontrou para sanar as diversas questões existentes em seu meio, bem como conseguir garantir maiores oportunidades e direitos a todos. Como o prof. Barroso diz, não pode o Legislativo se acomodar com este modelo, e deve abrir mais seus espaços para a representação política direta mais clara, capaz de discutir diversas questões sociais diminuindo a interferência de interesses particulares e políticos. Mas por enquanto, eis a solução para nosso Sistema.

Otávio Augusto Mantovani Silva
1º Direito Diurno - Turma XXXI 

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