domingo, 4 de setembro de 2011

O direito e as (in)justiças

A justiça não é necessariamente ‘igualdade’, embora possa ser vista como tal dependendo da situação e da posição da pessoa em relação ao tema. O que é importante distinguir são dois sentidos de justiça: justiça como tratamento igual às mais diferentes pessoas e justiça, exatamente o contrário, tratamento diferenciado para cada um de acordo com a necessidade e com características.

Se tomarmos a justiça como um tratamento adequado a cada situação, podemos dizer que quanto maior o merecimento, maior a recompensa, e portanto, quanto maior a falta, tanto maior deve ser o castigo. O Direito em suas postulações tenta demarcar os limites da autodeterminação, bem como as conseqüências de transgredi-los. O problema se dá no modo de sua realização, que por vezes não é capaz de conceber à falta o castigo proporcional, justo, seja pelos “requerimentos” não atingidos para resultar em punições, seja por certas brechas e faltas do sistema encarregado.

O filme “Código de Conduta”, em seus personagens principais sintetiza o contraste entre as emoções e o racionalismo, o clamor público de ter o senso de justiça suprido e o sistema ‘funcionando’. Clyde (personagem de Gerard Butler) sente-se lesado pelo funcionamento corriqueiro do sistema jurídicial que não atribuiu uma punição equivalente para o ato que destruiu sua vida, praticado por um meliante. Assim, assume para si a tarefa de julgar e vai além, esforçando-se para fazer ruir todo o sistema.

A situação retratada no filme é um reflexo da manifestação do Direito restitutivo, que tenta reparar as relações desviadas para manter o status quo. Disso decorrem as condenações parciais, como a vista no filme, que não refletem o sentimento de justiça exigido pelos lesados, tendo em vista o racionalismo que por vezes impede que seja atribuído certo castigo. Em casos de grande comoção, a pressão exercida pela população e pelos meios de comunicação influencia na decisão judicial e difundem o sentimento de impunidade. De fato, não se pode aceitar essas atribuições parciais de justiça, pois a parcialidade não pode ser atribuída como característica de justiça. Por outro lado, as condutas excessivamente emocionais também são prejudiciais aos julgamentos, podendo incorrer em injustiças. Há que se prezar pelo equilíbrio entre o racionalismo e as emoções, mantendo-se a moralidade, para que se evite situações como a retratada no filme “código de conduta”.

Justiça por inteiro

O filme “Código de Conduta” retrata a história de Clyde Shelton, interpretado por Gerard Butler, onde testemunha o assassinato de sua esposa e sua filha. Dentre os dois culpados, o principal responsável pelo crime se utiliza de acordos, pegando apenas 5 anos de prisão, enquanto seu comparsa é submetido à prisão perpétua. Dez anos após o assassinato, Clyde começa uma implacável busca pelos responsáveis pelo crime e contra todo um sistema judicial corrupto e ineficiente, que concebe liberdades ou penas brandas à assassinos e criminosos.

Diante desse panorama, o filme abre o seguinte questionamento: será que alguma justiça é melhor que nenhuma justiça? Ou será que essa postura não é fazer vista grossa à problemas sociais que podem se transformar em consequências tão graves?

A solidariedade vigente na sociedade que compõe o filme, na visão de Durkheim, é a orgânica, que consiste numa maior divisão do trabalho e das relações humanas, aonde o Direito Restitutivo prevalece. A função desse Direito Restitutivo não é tanto de punir as condutas desviantes, mas impor a reparação dos prejuízos causados pelo descumprimento das obrigações profissionais ou funcionais. No entanto, o Direito Punitivo não foi capaz de freiar as atitudes criminosas do assassino, e nem o Direito Restitutivo foi capaz de restituir os prejuízos, uma vez que seria impossível devolver a vida da esposa e filha do personagem.

Com suas emoções e paixões abaladas, Clyde Shelton se tornou um legítimo personagem weberiano. Diferentemente do pensamento coletivo de Durkheim, Max Weber enfatizava a importância e a influência do indivíduo na sociedade, e não o oposto. Clyde era apenas um homem, que conseguiu influenciar no modo de vida de toda uma cidade. Ele se tornou um fato social, regendo o cotidiano de toda uma população.

Com isso, fica evidente que alguma justiça não é melhor que nenhuma, pois esse raciocínio foi o resposável por todo o estrago causado pelo personagem de Gerard. O melhor é a justiça por inteiro. A grande vantagem do Direito é a sua flexibilidade e deve ser manuseado pelo homem como um instrumento fundamental para o consenso e harmonia social. Assim, não deve ficar sujeito a regras únicas e positivadas. Além de pessoas bem preparadas para operar o ordenamento jurídico, deve também, interpretar, discutir, dialogar e trabalhar de diversas maneiras com o intuito de atingir a melhor forma de julgamento possível. O Direito deve ser não só punitivo ou restitutivo, mas deve se utilizar de tudo aquilo que contribua para a obtenção do seu bem maior: a justiça.

Essa transformação contínua do Direito para se adequar às mais variadas formas de sociedade e, mesmo assim, buscar a justiça sempre foi o seu bem maior, e deve se utilizar de todos os métodos para que os danos aos criminosos sejam máximos, e os prejuízos às vítimas sejam mínimos.

Diké

O filme Código de Conduta retrata a corrupção do sistema judicial em que o promotor a fim de manter a sua eficiência, aparente, no que concerne à proporção de condenações, pactua com um dos responsáveis pelo assassinato da família de Clyde (Gerard Butler), que presenciou toda brutalidade sofrida por sua mulher e filha. Desse modo, buscou na justiça, através da condenação dos culpados, minimizar seu sentimento de perda e de vingança. Todavia, assistiu à inconcebível cooperação entre o promotor e um dos assassinos. Como resultado, Clyde cometeu atrocidades a fim de alcançar seu objetivo – punir os responsáveis pela distorção do sistema judicial.

Constate-se, no supramencionado filme, a passionalidade inerente ao ser humano que pode resultar em condutas irracionais. Faz-se, mister, por conseguinte, a presença de normas que delimitem as condutas humanas e que tenham como finalidade a convivência social.

Imprescindível, pois, a existência de um ordenamento jurídico que consiga manter um equilíbrio na sociedade e que expresse um sentimento de justiça. Caso contrário, implantar-se-ia o caos na sociedade.

Presencia-se, entretanto, em inúmeros casos a não realização da justiça tão desejada, haja vista, entre outros fatores, a ausência de provas - principalmente pela obsolescência do sistema acusatório no país; as existentes no ordenamento jurídico; e por fim utilização, indiscriminada, do tráfico de influência para a redução ou extinção de penas.

As normas, interpretadas à luz de sua literalidade, indiscutivelmente, permitiriam o seu fim, qual seja, a justiça social. Verifica-se, contudo, a distorção no que tange à aplicação dessas normas, motivada, em sua maioria, por fatores de ordem econômicos, políticos e sociais, recrudescendo, consequentemente, o sentimento de injustiça na população. Desse modo, tem-se, como resultado, condutas individuais a fim de satisfazer seu sentimento de justiça e vingança, como foi o caso de Clyde.

Não se pode olvidar que o ordenamento jurídico existe para garantir a convivência social, através da regulação das condutas sociais por normas de caráter geral e abstrato, sendo, indiscutivelmente, aplicadas a todos os indivíduos. Logo, não há que se falar em justiça parcial, visto que é única a acepção desse vocábulo, denotando a qualidade do que está em conformidade com o que é direito; maneira de perceber, avaliar o que é direito, justo. Não se pode, assim, aceitar condutas que privilegiem uma minoria ou que expressem uma punição aparente.

A passionalidade, em qualquer caso, macula o Direito, obstando o alcance de seu fim, perpetrando, na população, o sentimento de impunibilidade, o que contribui para o cometimento de crimes. Cabe, pois, à sociedade progredir para um nível em que se verifique, de fato, a justiça, aplicada de forma racional.

A organicidade da Justiça

Certamente “alguma justiça é melhor que nenhuma”, frase do filme intitulado Código de Conduta. O problema, no entanto, consiste na sensação de impunidade que, muitas vezes, essa “alguma justiça” provoca nas vítimas. Sedentas da completa justiça, aquela verdadeira e capaz de minimizar sua revolta, as vítimas quase sempre são guiadas pela passionalidade em detrimento da razão, não se contentam com algumas decisões judiciais por julgarem brandas as penas aplicadas e reivindicam o emprego total das normas mais ferrenhas do direito penal.


Neste sentido, a aplicação do Direito restitutivo, em geral, não é bem vista pela sociedade, principalmente pelas pessoas que tiveram grandes perdas e que se sentem injustiçadas. Na verdade, as normas jurídicas restitutivas representam, para o censo comum, uma falha na atuação do Estado como promotor da justiça e defensor do cidadão cumpridor da lei, pois a realidade do pensamento coletivo não condiz com a teoria apresentada aos alunos nos bancos da academia. Se para os indivíduos que têm um maior conhecimento do Direito e deveriam pensar e agir tendo como base a razão, às vezes, é difícil fazê-lo, para os cidadãos comuns, os que não têm contato com o cenário jurídico, é potencialmente pior.


De fato, não se deve conformar com apenas “alguma justiça”, substituindo, dessa forma, a passionalidade pela pacificidade. Porém, para a matemática do Direito restitutivo, a aplicação deste não refletiria uma falha do direito penal, como também não seria a ausência da “justiça”, mas apenas outra forma de fazê-la. As medidas restitutivas são uma tentativa de evitar que o indivíduo com comportamento desviante aprenda a prática do crime no caótico sistema carcerário brasileiro e possa se aprimorar ainda mais no mundo da criminalidade. Sendo assim, desde que ocorra honestamente e seja condizente com as normas jurídicas, o Direito restitutivo é válido e pode ter resultados positivos, não representando apenas “alguma justiça”, mas "a Justiça", com toda sua organicidade.

"Mais vale um pássaro na mão do que dois voando"? (ditado popular)

Fácil analisar a situação do filme "Código de Conduta" friamente, porém o filme faz-nos questionar o modo de agir do protagonista diante da situação que será a espinha dorsal do desenrolar do filme - o assassinato de sua esposa e de sua filha. Cenas fortes, procurando atrair o lado emocional da plateia.

No momento da condenação, porém, o personagem principal - Clyde Shelton - incoforma-se com o acordo feito pelo promotor com o verdadeiro assassino, que em troca de confissão condenando o cúmplice que nada fez, seria condenado a apenas 3 anos de prisão. Tudo isso por inconclusividade de provas. A respeito destas, devemos destacar a importância na força de argumento, pois meros testemunhos podem incluir desavenças pessoais, problemas de incertezas, falsas acusações. Porém, a falta dessas provas pode trazer maior indignação. Aqui não foi o caso, mas mais revoltande ainda quando as provas apontam o verdadeiro culpado mas por algum motivo precisam ser descartadas, forçando a busca de novos métodos de acusação.

Para o promotor, caso encerrado - acordo feito, índice de condenação continuando a crescer. Para o pai de família, não. Diante do comentado sentimento de injustiça, ele passa 10 anos se preparando para "ensinar uma lição" a todos os envolvidos no caso.

Para ele, não valeu a parte inicial do tema proposto: "alguma justiça é melhor que nenhuma". Misturando seu lado racional do planejamento com a necessidade que sentia em vingar sua família e expor as falhas do sistema penal, matou o verdadeiro assassino de sua família. Desafiou a juíza que o julgava ao querer ser seu próprio advogado e, demonstrando conhecimento dos permeios jurídicos, quase ser livre por inconstitucionalidade no processo. Preso por desacato, continuou seguindo suas armações - mesmo preso, conseguia agir fora da prisão. Tirou vidas dos envolvidos no processo, chamou atenção dos poder de administração da cidade chegando ao ponto de causar tamanho medo na cidade que havia guardas policiais perguntando o paradeiro de qualquer um que saísse de casa, medo de andar pelas ruas à noite, restrição nas liberdades de ir e vir.

Tudo para demonstrar as brechas na justiça, atrapalhando o direito restitutivo defendido por Durkheim: haveria problemas na restituição da ordem social. Uma prisão de 3 anos é desproporcial ao seu ato cometido, a retirada de duas vidas inocentes. A questão não consiste somente na punição, mas sim em métodos para que esse criminoso não volte a perturbar a sociedade, não cometa mais crimes.

Creio ser possível falar que vimos as duas faces dicutidas no texto anterior: vendo a ineficácia de seguir os protocolos (promotores fazendo acordos com culpados em busca de condenação; apesar de questionarmos que, sem essa confissão, talvez nenhum dos dois fossem condenados) na linha da razão presente na sociedade orgânica; Shelton poderia representar a resposta passional movida pela perda familiar e buscando "justiça com as próprias mãos" (como vimos, característica da sociedade mecânica, que sabe muito bem como agir em crimes assim, condena de acordo com a consciência coletiva e acredita saber como penalizar o autor da ação criminosa).

Como futuros operadores do Direito, devemos refletir a questão proposta: como podemos julgar racionalmente na tentativa de realmente trabalhar pela Justiça? A sensação de falta de condenação versus punição em nível muito desproporcional ao ato cometido. As vidas terminadas são irreparáveis, pena de morte não resolve isso. Mas para um pai e marido, 3 anos parecem irrisórios para o assassino de sua família. Se não conseguimos evitar os crimes, ao menos precisamos procurar modos de conseguir visualizá-los do modo mais racional possível e permitir que o condenado tenha meios de conseguir posterior reintegração social, para que não precise cometer mais crimes e nem continue a ser julgado mesmo depois de ter cumprido sua pena.

Subserviência às injustiças?

Há diversos casos em que uma frase resume satisfatoriamente uma ideologia. Dentre outros, encaixa-se a sentença “Alguma justiça é melhor que nenhuma” em relação aos preceitos do Direito restitutivo conceituado por Durkheim. Isso é dito no filme Código de Conduta (2009), que basicamente expõe uma situação em que paixões humanas se digladiam com a ordem estabelecida racionalmente, sendo aquela expressão provinda do lado dito ajuizado da questão.

Sobre o Direito restitutivo, pode-se concluir que realmente significou um avanço imenso das sociedades, uma vez que separou o quanto pode as paixões cabendo aí os preceitos mais tradicionalmente alienadores dos povos das mediações jurídicas. Porém, ao fazê-lo, o Direito consequentemente tornou-se por demais impessoal, supra-racionalista, “matemático” e, por seguinte, excluído dos verdadeiros desejos sociais por justiça.

Não obstante, há o fato de que justiça por si só ser um conceito muito vago, sendo difícil a sua determinada definição. Sendo assim, sua concepção pode variar muito de pessoa a pessoa. Mesmo com essa variedade de compreensões, não poderia ser negada a algum cidadão a sua devida reparação de seus direitos caso forem violados – como ocorre no filme em questão, provocando uma bruta reação passional do transgredido .

Daquele modo restaurativo-corretivo deveria ser, mas o que se vê atualmente é que o Direito restitutivo falha cada vez mais em cumprir sua principal função da qual se propôs: a restauração de direitos. Há vários motivos para qual dizem que a Justiça não funciona como deveria, sendo que provêm dos mais diversos campos, sejam eles estruturais, políticos, econômicos, sociais, entre outros.

O que se torna essencial para solucionar o problemático jurisdicional presente é notar o fato mais básico: o homem não é perfeito, pois é sujeito as mais variadas paixões. Não sendo, portanto capaz de ser totalmente racional a ponto de conceber um sistema jurídico penal também perfeito. Assim, seria uma utopia imaginar que a expressão “Alguma justiça é melhor que nenhuma” não possa existir na atual ordenação. Tanto ela existe que traz por trás um intenso embate social argumentativo se é aceitável. Cabe à sociedade como um todo legitimá-la ou coibi-la.