segunda-feira, 8 de maio de 2023

Laços de família e o capitalismo selvagem

            Desde a ascensão da burguesia, logo na Idade Média, o capitalismo começou a se mostrar como uma opção de sistema econômico para a sociedade. Hodiernamente, já é bastante consolidado quase hegemonicamente ao redor de todo o mundo, subjugando quase todos os indivíduos aos seus preceitos. Apesar disso, sua popularidade não se dá devido sua benevolência, mas sim pela sua grande capacidade de dominar os indivíduos. Essa dominação ocorre não apenas no campo econômico, mas perpassa todas as áreas da vida das pessoas, criando uma rede muito forte de aprisionamento.

Para além da análise de Marx e Engels, através do materialismo histórico-dialético, as relações dentro do capitalismo podem ser entendidas por meio da observação de simples situações cotidianas. No livro A Corrosão do Caráter, o sociólogo Richard Senett, mostra como é possível compreender as faces do capitalismo, sobretudo, nas relações privadas familiares da sociedade. A partir da apresentação da história de Enrico e sua família, fica nítido que o capitalismo avassalador faz com que haja um afastamento das pessoas e os laços sejam fragilizados em detrimento de uma busca incessante pela realização profissional. Entretanto, essa meta é inatingível, uma vez que as relações são extremamente voláteis e estão em constante movimento, mas nunca vão se estabilizar ao ponto da maioria da população de uma sociedade conseguir alcançar a felicidade e tranquilidade econômica e social. No texto de Senett, Enrico passa a vida toda trabalhando para conseguir ofertar uma vida plena e digna para sua família, mas isso lhe custou uma relação afetiva com seu filho, Rico. Quando Rico atinge a vida adulta, mesmo tendo vontade de mudar a lógica sob a qual foi criado e buscar não sacrificar seus laços de afetividade em detrimento do trabalho, é impossível a saída dessa espiral capitalista que suga toda a vida das pessoas e as aprisiona inteiramente em seu seio trabalhista quase escravista. Dessa maneira, a fragilidade que está presente nas relações de trabalho – a partir da demissão em massa e da mudança constante dos modos como a força produtiva é convertida em capital – começa a corroer o caráter dos indivíduos e contaminar os espectros da vida pessoal e a destruir o que une os indivíduos, afastando-os. 

Nesse sentido, é bastante claro que existe toda uma estrutura que sustenta essa lógica imperante, sendo capaz de fazer com que as próprias vítimas desse modelo explorador incessante o defendam. Por meio da alienação em massa, cria-se a ideia de que existe chance de quebrar a lógica do explorador e do explorado por meio do mérito, levando as pessoas a aderirem ainda mais os hábitos nocivos para atingir o ápice do capitalismo: a riqueza exacerbada. Os discursos cada vez mais frequentes de “trabalhe enquanto eles dormem” estão contaminando as pessoas criando a falsa ideia de que as pessoas têm controle da própria vida, quando na verdade estão todos inseridos em um mundo onde a maioria não tem autonomia e vive sendo controlado, inclusive, subconscientemente. Rico, por exemplo, expressa essa alienação ao ser demitido e acreditar fielmente que a culpa é sua ao invés de um sistema onde a desvinculação de funcionários acontece pelo simples fator lucrativo, alheio a história das pessoas e suas famílias, reduzindo o trabalhador a um mero número e a sua existência a um pequeno detalhe de toda a lógica financeira e comercial.

Portanto, o capitalismo selvagem é um jogo em que poucos têm o controle sobre  os vários personagens que constroem a riqueza de todo uma sociedade, sem ao menos ter o controle de suas próprias vidas e relações afetivas. Com isso, a história de Enrico, Rico e seus descendentes até o fim dos tempos será historicamente igual, mantendo-se a lógica e mudando apenas os personagens. O capitalismo não é original, ele é apenas maléfico e bem sucedido no que se propõe.

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