quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Criminalização da homofobia

 

A homofobia é um sentimento de repulsa, raiva, medo e preconceito que algumas pessoas possuem em relação aos indivíduos que fazem parte do grupo conhecido, comumente, como LGBT. Consiste em um problema, de caráter particular ou institucional, presente no mundo todo e resulta em ações que afetam a vida dessas pessoas, que sofrem por bullying ou sendo vítimas de atitudes mais radicais, como espancamentos ou assassinatos em massa, como o que ocorreu em Orlando (EUA), na boate  gay Pulse, em que 50 pessoas foram assassinadas (e outras dezenas ficaram feridas) por uma pessoa armada.

O Brasil é um dos países que mais matavam homossexuais, anualmente, segundo levantamentos realizados por órgãos como o grupo gay da Bahia, e isso pode ser explicado pelo fato de a homofobia ser disseminada, em várias regiões e locais no país (nas escolas, locais de trabalho, pelas famílias, em suas casas) devido à forte tradição religiosa (católicos, protestantes, etc.),  bem como o modo patriarcal em que a sociedade foi organizada aqui, além de alguns partidos políticos conservadores com seus discursos de ódio.  Todos esses elementos caracterizam boa parte da população, o que faz com que algumas atitudes ofensivas sejam naturalizadas, por causa de frequência com que ocorrem.                                             A situação era tão problemática, que chegou a ocorrer no ambiente jurídico (acesse o link para ver um caso: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/11/15/promotora-acusa-advogado-comentarios-homofobicos-durante-juri-de-policiais-em-sp.ghtml)

A criminalização da homofobia chegou a ser debatida no país, mas com poucos avanços. Para tentar resolver essa falta de preocupação com o tema, demonstrado pelo Poder Legislativo, o PPS, (partido popular socialista) interpôs a ADO nº 26, em 2013, tendo como relator o Min. Celso de Mello, com o intuito de se obter o reconhecimento da omissão por parte do Estado em legislar para proteger e fornecer direitos ao criminalizar a homofobia. O que justifica a ADO é o artigo 5º, incisos XLI e XLII, além do dever constitucional que o Estado tem de criminalizar condutas que afetem uma minoria, que é prejudicada devido a uma proteção deficiente. Em junho de 2019, o STF decidiu pela criminalização da homofobia com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989).

Muito se discute se o STF estava abusando de suas competências e se intrometendo em assuntos dos demais poderes (o que é chamado de ativismo judicial), ofendendo o princípio do equilíbrio entre os poderes. As pessoas que defendem esse argumento, dizem que a criminalização era urgente, mas só poderia ser feita pelo Legislativo, não devendo o Judiciário ter feito uma equiparação e formalização da homofobia com o crime de racismo. E agiu dessa forma, pois não teria outro modo de conseguir isso, se não fosse por essa ação que é um exemplo de um tipo de lacuna na lei brasileira. O ideal seria se ter punições que incentivassem o poder indiferente a tomar medidas mais rapidamente. Assim, o que o STF fez seria uma aberração jurídica.

Entretanto, o que ocorreu, foi que um grupo interessado em ter direitos reconhecidos utilizou seus recursos e estimulou o Poder Judiciário a analisar uma situação preocupante, buscando que normas presentes na Constituição fossem postas em práticas na atualidade, reconhecendo os direitos de um grupo que estava sendo negligenciado há muito tempo. Trata-se de um grupo de pessoas que não buscaram a atuação de políticos, pois tem consciência de que a lei possui normas que possam atender  suas demandas, além de saberem que, ao mobilizar o direito na contínua luta por reconhecimento de direitos e pela mudança do status quo defendido por uma elite privilegiada, resultados satisfatórios podem ser obtidos de forma mais prática e efetiva ao se estimular os tribunais a agirem.

Assim, os tribunais não são os protagonistas nesse cenário, sendo tão somente mais um ator que participa, junto a outros grupos interessados, na mudança de aspectos na sociedade e que vem ocorrendo ao longo do tempo. A atuação do STF em relação à criminalização da homofobia foi bem-vinda, pois a falta de atuação dos demais poderes na proteção do LGBTs é um desrespeito constitucional, pois não leva em consideração os fundamentos que estão presentes em seu texto, além de não permitirem que garantias sejam postas em práticas por causa da falta ou pouca previsão normativa. A partir do momento que essas pessoas negligenciadas buscam por visibilidade, tentando obtê-la no campo jurídico, ao tentar fazer uso do direito e compreender as regras desse campo, estão agindo com cidadania e fortalecendo a democracia, ao mesmo tempo em que se sentem parte da sociedade.

A obtenção de visibilidade dos homossexuais pelos políticos e pela sociedade foi um processo lento, que durou décadas e se arrasta até a atualidade. Um dos contribuidores para a melhoria na qualidade de vida dessas pessoas foi a ciência, e como avanço nesse sentido pode ser citado como exemplo, o fato de a homossexualidade não ser mais considerada doença pela OMS a partir de 1990. Interessante observar que, em certos momentos, as decisões dos ministros envolvidos no julgamento dessa ADO se relacionaram não apenas com a lei, pois em alguns trechos foi usado alguns termos que são comuns no ambiente científico. Ao mesmo tempo, os ministros decidiram não levando em conta sua filosofia de vida, sua religiosidade, etc.

A criminalização da homofobia gerou alguns efeitos na sociedade e que podem ser percebidos com a redução do número de mortes dessas pessoas e com a mudança de alguns comportamentos em ambientes conservadores como o militar desse crime e o religioso, que vêm sofrendo uma pressão tanto da justiça quanto de uma parte da sociedade inconformada como essas instituições tratam os homossexuais. A lei não pode fazer com que uma pessoa mude sua forma de pensar, mas pode inibir que aja de uma maneira ofensiva.

Entretanto, muitos problemas persistem: homossexuais ainda são assassinados ou são vítimas de agressões físicas ou verbais, alguns setores da economia ainda resistem em fornecer empregos a essas pessoas, algumas famílias ainda rejeitam parentes homossexuais por acharem seu comportamento imoral, entre outros problemas. Novas lutas deverão ser travadas e os tribunais possuem um caráter catalisador nesse sentido, pois ao fornecer uma decisão favorável a um anseio de um grupo, possibilitam que novos direitos e garantias sejam pleiteados por esse mesmo grupo.

Para que os LGTQs tenham ampla proteção pela lei e que tenham direitos sociais e individuais básicos garantidos (trabalho, segurança, etc.) e terem dignidade, o grupos interessados devem continuar mobilizando o direito, seja pelo fato de essas conquistas serem muito lentas, pelo fato de que mudanças no comportamento de uma sociedade que foi moldada segundo o machismo ser difícil de ocorrer e pelo fato de ter que combater, frequentemente, um grupo opositor e conservador e que não fica inerte em relação às mudanças legais e sociais positivas em relação aos homossexuais, usando seu capital e mobilizando o direito para combater essas mudanças e reduzir suas perdas, ao mesmo tempo que se recusam a mudar seu comportamento, na medida que continuam a defender seu discurso de ódio. Essas disputas nos tribunais entre grupos opostos durarão muito tempo, sendo que se trata de um processo em que é impossível se prever onde vai dar (imprevisível), pois não se refere a um fenômeno matemático.

Os tribunais, longe de serem protagonistas, vêm fornecendo uma expectativa positiva para as minorias negligenciadas no país (não só os homossexuais, mas inclusive os negros, deficientes físicos, índios, por exemplo) de que direitos podem ser obtidos na justiça, e esses grupos passaram não só a usar o Direito a seu favor, mas passam a considerar a lei como algo de seu cotidiano, compreendo cada vez mais, como funciona e como poderia beneficiá-los.                                                               Todos devem ter a proteção da lei e isso deve ser fornecido independentemente de sua etnia, orientação sexual, sexo, religião, idade.                                                                                                                                           No sentido de se obter uma sociedade livre, justa e solidária, é prejudicial e incoerente se fazer uma Constituição que defende esses valores, se não existe uma intenção de executá-la como um todo.

Allan Patrick Ayres de Souza                                         Direito - noturno

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