segunda-feira, 28 de novembro de 2022

ADPF 186 à luz da Sociologia do Direito

 

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 186, ajuizada pelo Partido Democratas, cuida julgar procedente ou improcedente a alegação de que a adoção de ações afirmativas raciais para o ingresso na Universidade de Brasília (UNB) seria inconstitucional. O conflito em litígio evidencia-se conforme a alegação de estar ferido, dentre os preceitos constitucionais em decorrência da instituição de cotas raciais, o princípio da igualdade, disciplinado no caput do art. 5°. Em tal dispositivo é estabelecida a igualdade em seu aspecto formal de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Essa mera formalidade, contudo, não é suficiente, uma vez que o corpo social é diverso, dispersado entre diferentes campos sociais, cada qual com maior ou menor acúmulo de capital, seja em sua noção econômica, seja social, seja cultural. Cabe referir, neste ponto, que um maior acúmulo de capital, além de definir a capacidade de exercer o poder dominante, também possibilita, nessa mesma proporção, maior acesso às garantias fundamentais. 

Em analogia à teoria desenvolvida por Sara Araújo em que o mundo é dividido por linha abissal, com o intuito de separar os parâmetros do que se considera civilizado, este associado aos países ‘desenvolvidos’, daqueles que não o são, pode-se imaginar uma linha que separe da mesma forma os indivíduos em razão de sua etnia, classificando os atributos físicos, culturais e intelectuais da população branca superiores em relação aos negros. Vale referir, nesse contexto, que os séculos em que a escravidão era praticada no país ainda refletem na sociedade contemporânea, o que se traduz na marginalização sofrida pela população negra. Além disso, cabe ressaltar que a noção de habitus, disciplinado pelo sociólogo Pierre Bourdieu, está intrinsecamente ligada ao racismo, uma vez que tal elemento preconceituoso, presente desde o momento em que pessoas pretas foram escravizadas e, vale dizer, que perdura mesmo após a abolição, condiciona o corpo social a adotar comportamentos histórica e culturalmente determinados, de forma a subjugar e excluir tais minorias. Tal exclusão, por sua vez, pode ser exemplificada no que tange ao campo acadêmico, no qual pretos, pardos e indígenas não estão inseridos de modo satisfatório, em razão do dificultoso ou até mesmo impossibilitado acúmulo de capitais suficientes para que possam integrar esses espaços.  

Nesse cenário evidentemente controverso de desigualdade e racismo, é importante mencionar que uma solução possível ao baixo número de pessoas pretas nas instituições públicas é o princípio da igualdade material. A respeito disso, vale elucidar que a igualdade material pode ser entendida, em face das desigualdades sociais, raciais, econômicas e afins existentes, como a adoção de ações estatais que visem tratar desigualmente os desiguais à medida de sua desigualdade, para que consigam se equiparar aos demais em um mesmo patamar de condições. 

É necessário evidenciar que o assunto não é novo no Brasil, uma vez que decisões de sentidos variados foram proferidas a respeito da instituição de cotas raciais. Nesse panorama de instabilidade, fez-se necessário que o STF sedimentasse de vez a questão. A ocorrência do fenômeno denominado “magistratura do sujeito”, explicado por Garapon, isto é, o deslocamento da agenda Legislativa para o Judiciário, não foi uma mera escolha, e sim uma consequência em razão da lacunaridade relacionada à questão em análise da ADPF 186. Destarte, entende-se que a função exercida, a qual não é própria do Judiciário, não implica ameaça à democracia, pois não houve outra alternativa. 

Portanto, ante o exposto, depreende-se que o sistema de reserva de cotas raciais é importante mecanismo para possibilitar a verdadeira democratização do acesso às universidades. Importante salientar que configura-se uma compreensão aceita até mesmo pelo STF, ao julgar improcedente a ADPF ajuizada. Beatriz Naomi Horikawa Chaves Matutino | 2° semestre

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