segunda-feira, 21 de novembro de 2022

ADPF 186 e a meritocracia

     As cotas raciais parecem, hoje, uma realidade incontestável no Brasil, mas, apenas 10 anos atrás, o partido Democratas (DEM) pediu a suspensão das cotas a partir da Arguição de Descrumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, a qual foi, unanimemente, votada contra, tendo como decisão a noção de que o uso de cotas não é algo que se mostra prejudicial à sociedade, como um geral. Essa ocorrência caracteriza como o racismo ainda é comum na sociedade, de forma a ser usado para retroceder meios que viabilizam a mitigação das disparidades raciais. Nesse contexto, vale destacar que Bourdieu traz o espaço dos possíveis, algo que está estritamente ligado ao caso das cotas, uma vez que as minorias raciais tem um papel submisso, mas, com a validação destas para a entrada nas universidades, pode se criar um panorama no qual há a expansão daqueles que conseguem esse espaço.

Ademais, pelo fato de se haver uma dívida histórica racial no Brasil, se nota que cotas estão relacionadas a um processo de se procurar formas funcionais de se encaminhar a sociedade para um viés de maior equidade perante as diferenças existentes nos indivíduos. Vale ressaltar que Garapon destaca como o uso do poder judiciário deve ser feito em última instância, após recorrência de todos os outros campos possíveis e, assim, quando se usa tal poder é a fim de se conseguir que garantias reais e duradouras sejam implantadas na sociedade, da mesma forma que injustiças podem ser combatidas. 

Além disso, McCann destaca como as mobilizações a partir do uso do direito, como uma forma de se pleitear necessidades de minorias sociais, algo que pode, verdadeiramente, superar certas problemáticas e, nesse caso, diminuir a disparidade que o meio acadêmico apresenta entre raças. Com isso, destaca-se que o STF assegurou que se pudesse criar uma forma de se contrariar a ideia majoritária de manutenção da ideologia meritocrática, a qual não leva em consideração a estruturação de preconceitos na sociedade, uma vez que impossibilitam a ascensão social daqueles em maior necessidade.

Ainda, pode-se usar o pensamento de Sara Araújo para demonstrar os impactos reais da sociedade ser baseada em premissas que subentendem que existe uma superioridade do norte, além de entender o sul como excluído. Tendo-se essa noção tanto por se supor que o segundo não teria o que ser dito (epistemicídio), muito menos como se dizer (linguagicídio), o que significa que o eurocentrismo é usado como base dos pensamentos recorrentes, a fim de não entender culturas diversas como produtoras de conhecimento, com um viés de pensamento tanto xenofóbico quanto racista.

Portanto, nota-se que o sistema pretende manter a divergências entre as maiorias e as minorias, uma vez que se supõe, majoritariamente, a impossibilidade de se ocupar espaços que, em tese, são destinados àqueles com melhores condições. Entretanto, o judiciário brasileiro usa-se de seu poder na tentativa de mitigar tais disparidades, defendendo pleito de cotas, em 2012,e, para tanto,  conseguiu-se que ocorresse a manutenção dessas, podendo destacar que, hoje, ao se tratar de acesso a universidades públicas, metade das vagas são destinadas a ações afirmativa, que podem não dizer somente sobre raça, mas englobam diversas minorias sociais. Demonstra-se, com isso, que a unanimidade de votos contrários à ADPF foi crucial para que se tivesse um olhar mais amplo da questão racial no Brasil, permitindo que se houvesse uma medida real que garantisse a entrada em espaços antes negados.

Maria Júlia Pascoal da Silva- direito matutino


Nenhum comentário:

Postar um comentário