segunda-feira, 17 de outubro de 2022

STF COMO GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO OU INIMIGO DA PÁTRIA?

         Não é novidade para ninguém, ou ao menos não deveria ser, que no contexto brasileiro atual, uma série de críticas, ofensas e ameaças estão sendo direcionadas ao poder judiciário, principalmente no que tange ao STF, tanto pelo presidente quanto por grande parte da população que o apoia.  Nesse viés, o atual presidente da república frequentemente alimenta seus discursos de ódio direcionado ao STF com pronunciamentos como os seguintes:

"Com a minha chegada ao poder, vocês começaram a entender o que é a Presidência e seus ministros, o que é a Câmara, o Tribunal de Contas da União, Senado e o que é Supremo Tribunal Federal. Defendemos o funcionamento de todas as instituições, mas aqueles que ousam sair fora das quatro linhas, não interessa de qual poder ele seja, têm que serem trazidos para dentro das quatro linhas"

"Eu não tenho problema com Poder nenhum. Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal é que querem, a qualquer preço, interferir no Poder Executivo. Nós não podemos admitir isso daí. A harmonia tem que existir e a independência e o respeito acima de tudo. E o respeito não falta da minha parte. De outra parte que alguns se manifestam contrário à minha pessoa.”

“Não pensem que muitos querem me tirar daqui em nome da volta da normalidade e da democracia. Querem me tirar daqui pelo poder. A abstinência do dinheiro fácil os torna belicosos. Os fazem reunir, os fazem conspirar. Digo uma coisa a eles: Deus me colocou aqui e somente Deus me tira daqui.... Eu tenho 3 alternativas para o meu futuro: estar preso, ser morto ou a vitória. Pode ter certeza: a 1ª alternativa, estar preso, não existe. Nenhum homem aqui na terra vai me amedrontar”

"Um ministro agora há pouco interferiu mandando investigar fazendo buscas e apreensões e entre outras barbaridades num grupo de empresários. Ou seja, esse não é o trabalho do Poder Judiciário. Reagi no tocante a isso. É uma voz corrente, a ingerência, o ativismo judicial que hoje se faz presente no Brasil”

Entretanto, não é apenas o presidente que compartilha dessas “opiniões”, em pouco tempo tomando um café em uma padaria, no tempo de espera em um ponto de ônibus ou tomando uma cervejinha no bar, é possível ouvir cidadãos propagando falas do tipo “O STF não deixa o mito trabalhar”, “Os ministros são todos comunistas”, “O STF está traindo a pátria e quer nos transformar em uma Venezuela”. Ademais, nos diálogos cotidianos da população em que há mais fundamentação cientifica e menos senso comum, muito se fala no ativismo judicial e na judicialização da política como algo extremamente errôneo, inconstitucional, ameaçador à democracia e como responsável por ferir a tripartição dos poderes e usurpar o poder do Legislativo e Judiciário. Mas será que é exatamente assim que a judicialização funciona? O STF atua como guardião da Constituição ou inimigo da pátria?

          A priori, faz-se necessário compreender o que é a judicialização, segundo Barroso (2008), “significa que algumas questões de larga repercussão política e social estão sendo decididas por órgãos do poder judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais”, ou seja, de forma simplificada, esse termo se refere a importantes questões políticas, sociais e morais que não sendo resolvidas pelos poderes responsáveis (executivo e legislativo) são levadas ao judiciário. Pode-se trazer como exemplo no contexto brasileiro o fornecimento de medicamentos e tratamentos de elevado custo, a criminalização da homofobia e a discriminação da interrupção da gravidez de fetos anencefálicos.

          Em um primeiro momento, faz-se necessário compreender que o Judiciário não tem que ser trazido para dentro das “Quatro linhas” da Constituição como afirma Bolsonaro, uma vez que a própria Constituição assegura ao STF o papel de guardião da Constituição e o controle de constitucionalidade no artigo 102.

“A judicialização que, de fato existe, não decorreu de uma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente” (BARROSO,2009, p.5-6)

          Outrossim, a nossa lei maior é conhecida por “Constituição Cidadã”’, uma vez que versa por diversos campos, como direitos sociais e ambientais, dessa forma, cabe ao judiciário, na sua função de garantir o cumprimento da Constituição, que venha a intervir em campos além do próprio Direito, para que os princípios constitucionais sejam cumpridos, principalmente o exercício dos direitos sociais e individuais, o bem-estar, a igualdade e a justiça. Em segundo lugar, esperar que o Direito não tenha influência e não seja influenciado por outros campos é praticamente utopia, já que, segundo Bourdieu o espaço social é formado por uma série de campos distintos que se influenciam mutualmente e se relacionam entre si.

“Se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas” (BARROSO,2008, p.2).

    Ademais, é imprescindível o conhecimento de que o Judiciário não está usurpando o poder do Executivo e do Legislativo,  pois além de possuir respaldo constitucional para tal prática, na maior parte das vezes o Judiciário está apenas ocupando espaços vazios, visto que em muitos momentos os demais poderes se fazem omissos ou ineficazes diante de situações que necessitam de intervenções urgentes, o que constitui para Garapon a “magistratura do sujeito”, a qual consiste no cidadão que em necessidade e desemparado recorre ao Judiciário, o que ocorreu na criminalização da homofobia e no reconhecimento da união homoafetiva, a título de exemplo.

          Por fim, conclui-se que o termo “Judicialização” faz muito sentido no atual contexto da sociedade brasileira, sendo constitucional e necessário para o fortalecimento da Democracia, uma vez que visa o cumprimento da Constituição e o asseguramento dos direitos de todos, sem distinção. Desse modo, não cabe o sentido pejorativo que o termo carrega consigo, uma vez que o STF apenas executa seu papel de guardião da Constituição, assim, não constituindo ameaça à democracia e muito menos traição à pátria. Guardemos essas críticas a um presidente que afirma que só Deus o retira do poder, o qual ele só sai morto.

Referências:

GALVANI, Giovanna; MARTINS, Leonardo. Bolsonaro defende empresários golpistas e ataca STF: 'Ativismo judicial'. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/28/jair-bolsonaro-simone-tebet-debate-uol-band-presidenciaveis.htm. Acesso em: 14 out. 2022.

Bolsonaro ataca o STF e diz que Brasil terá liberdade a qualquer preço. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2022/09/14/interna_politica,1393575/bolsonaro-ataca-o-stf-e-diz-que-brasil-tera-liberdade-a-qualquer-preco.shtml. Acesso em: 14 out. 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BARROSO, Luiz Roberto. “Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática”. Revista Atualidades Jurídicas, n. 4, jan/fev-2009, Brasília: OAB Editora.

Anny Barbosa - 1º ano de Direito Noturno.

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