segunda-feira, 10 de outubro de 2022

No que diz respeito ao julgado 4.277 da Ação Direta de Inconstitucionalidade, esse possui, como objeto de discussão, um tema arduamente relevante nas sociedades contemporâneas: o reconhecimento de direitos para a união homoafetiva. Em suma, a comunidade LGBTQIA+ não detinha segurança no âmbito jurídico e, por isso, constantemente, seus membros lutavam em prol do respeito e da paz, por exemplo, com a finalidade de que pudessem viver suas vidas de modo, no mínimo, seguro. Nesse cenário, por intermédio do pedido da ABGLT (Associação Brasileira de Gays Lésbicas e Transgêneros), em virtude das frequentes repressões e violências enfrentadas por tal comunidade notadamente desprotegida em seu cotidiano, o debate em questão atingiu o Supremo Tribunal Federal.

Posto isso, devido ao fato dessa comunidade almejar direitos anteriormente assegurados para os relacionamentos heteroafetivos, fica explícito que no espaço dos possíveis – conceito cunhado por Pierre Bordieu - já haviam normas em relação ao tema, conquanto essas ainda não fossem garantidas para a parte da população desapartada de proteção jurídica. Nesse cenário, mediante exigências populares, tal tópico foi, finalmente, conduzido ao universo jurídico, panorama que denota, por sua vez, um certo ativismo judicial, visto que, negligenciada no âmbito legislativo, em razão dessa minoria ser desconsiderada pelos parlamentares pertencentes ao habitus heterossexual - outra ideia elaborada por Bourdieu -, o assunto foi obrigatoriamente transferido para o Judiciário – fato denominado, por Antoine Garapon, de magistratura do sujeito. Ou seja, conclui-se que, fruto da omissão legislativa, o Judiciário acabou por operar, ainda que dentro de suas competências, para atender a população.

Ademais, cumpre discorrer sobre os grupos contrários. Esses, também inspirados pelo habitus heterossexual, desejavam a perpetuação de seus costumes, e, por esse motivo, assumiram uma posição contrária à equiparação da união homoafetiva à heteroafetiva. Todavia, embora inserido nesse contexto sobejamente desfavorável no que tange à concessão de direitos para as relações homoafetivas, o Supremo Tribunal Federal, pautado na interpretação do artigo 3°, inciso IV, da Constituição Federal - o qual rechaça o preconceito com base nos princípios da dignidade da pessoa humana - entendeu que os direitos assegurados para a união heterossexual deveriam ser transpostos, de modo equânime, à união entre pessoas de mesmo sexo.

Sob essa perspectiva, cabe mencionar, outrossim, que tal julgado elucida a noção de historicização da norma, sintetizada por Pierre Bourdieu, a qual afirma que as normas devem estar em consonância com a cenário vigente. Isto é, elas devem estar em conformidade com o contexto histórico que vigora. Enfim, nota-se que a decisão em questão protege, por conseguinte, a democracia, haja vista que possui como alicerce o respeito à pluralidade social, política e cultural, como exemplo. Nessa conjuntura, pode-se afirmar que após a ADI houve um avanço em aspectos de igualdade material.

 


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