segunda-feira, 10 de outubro de 2022

As deliberações da ADI4.277 sob a perspectiva de Bourdieu e Garapon

    Em 2011, o julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, ferramentas consideradas classes processuais de retenção concentrada de constitucionalidade das normas, reconheceu a equiparação das relações entre indivíduos do mesmo sexo às uniões estáveis heteroafetivas. Consequentemente, o processo de ação direta de inconstitucionalidade não só representa uma ruptura do inerte paradigma conservador atrelado ao Direito das Famílias, mas também simboliza uma progressiva ampliação da validação de garantias fundamentais asseguradas às pessoas LGBTQIAPN+ no âmbito jurídico.

    Primeiramente, cabe reiterar as vicissitudes processuais que compuseram o julgamento da ADI 4277. Nesse viés, as emendas julgadas pelo Plenário do Supremo versam sobre questões inerentes à união homoafetiva, as quais podem ser enumeradas tanto no plano suprapositivo, como no ordenamento normativo. Sendo assim, a ADI 4277 expôs pautas de discussão histórica, como, por exemplo, a construção de uma sociedade democrática justa e igualitária, consolidando ressonâncias que, atualmente, dignificam os sujeitos mais vulneráveis – à título de elucidação cita-se o certificado de patrimônio documental por decisão histórica concedido, em 2018, à ADI 4277 pelo Comitê Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo, da Unesco. Além disso, o “tratamento constitucional da instituição família” foi uma pauta que protagonizou no julgamento relatado pelo Ministro Ayres Britto, tendo em vista a utilização de artifícios legislativos – como o art. 226 da Constituição Federal e o artigo 1723 do Código Civil – que ratificam os votos do quórum.

    Análoga às deliberações propostas pelo Ministro Ricardo Lewandowski e pelo Roberto Gurgel, procurador-geral da República, cabe compará-las à perspectiva de “Espaço dos Possíveis” formulada por Pierre Bourdieu. Sob essa óptica, o sociólogo francês caracteriza a concepção do “campo” como um universo conflitante demarcado pela atuação dos agentes e instituições, os quais travam disputas e embates sob a luz de um prisma antagônico. Nesse diapasão, apesar do reconhecimento, em caráter unânime, dos direitos assegurados aos casais homoafetivo, Lewandowski imputa restrições à união, puramente dita, entre pessoas do mesmo sexo, não concordando integralmente com o Ministro Relator Ayres Britto e com o PGR:


“Assim, segundo penso, não há como enquadrar a união entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma dessas espécies de família, quer naquela constituída pelo casamento, quer na união estável, estabelecida a partir da relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental.”


    Em oposição à Lewandoswski, Roberto Gurgel, procurador-geral da União, alega que as contenções impostas à união homoafetiva obstam o exercício da liberdade e do desenvolvimento íntegro da identidade da comunidade LGBTQIAPN+, legitimando atos discriminatórios e negligenciando o reconhecimento pleno da união entre pessoas do mesmo sexo como um núcleo familiar. Portanto, cabe propor uma alusão entre o pensamento de Bourdieu e as disputas dicotômicas protagonizadas pelos agentes Lewandowski e Gurgel, visto que ambos os embates consolidam o campo jurídico de atuação dos tribunais e dos espaços sociais.

    Ademais, no julgamento da ADI 4277, a Ministra Ellen Gracie fundamenta seu voto expondo pontuações inerentes à evolução cronológica dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+, desde à descriminalização dos representantes das comunidades até o reconhecimento dos núcleos familiares no paradigma internacional. À título de comparação, Bourdieu conceitua sobre a “historização das normas”, expressão que corrobora a adaptação do ordenamento normativo às circunstâncias que permeiam o ambiente novo, materializando alternativas inusitadas à ordem remota. Logo, a evolução progressista dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+ consiste em um marco histórico das propostas normativas discutidas no Direito das Famílias, validando a averbação de deveres dos companheiros do mesmo sexo em uma união estável.

    Do mesmo modo, Antoine Garapon discorre acerca de um usufruto favorável da historização das normas para, na instância Judiciária, validar discussões sociais e legitimá-las sob a luz de dispositivos democráticos constitucionais. Logo, para Garapon, é mister que a tutela dos direitos, na via Judiciária, promove a emancipação do sujeito, transformando-o pela justiça democrática. Assim, a abrangência constitucional, ocasionada pela judicialização, aplica dispositivos que validam a proteção de direitos aos companheiros homossexuais, como no caso da ADI 4277 que tutelou sobre a igualdade e, consequentemente, equiparação das uniões estáveis homoafetivas às uniões heteroafetivas. Portanto, o julgamento da ADI 4277, na perspectiva de Garapon, simbolizou um evento histórico pleiteado pela magistratura do sujeito, visto que  incumbiu ao magistrado desenvolver a proteção da dignidade democrática do grupo LGBTQIAPN+ no tocante às uniões estáveis.


Nome: Maria Yumi Buzinelli Inaba 

1° ano Direito (Matutino) - Turma XXXIX

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