segunda-feira, 4 de abril de 2022

Tempo e café - pt.01

Eu bebia o meu café quente, um ritual, o qual era fundamental que fosse realizado todos os dias, sempre no mesmo horário. Contudo, por algum motivo todos os relógios da cidade foram adiantados em sessenta minutos e eu não pude deixar de chegar atrasado no meu destino. Admito, estava incrédulo (como sempre fico essa época), porque mudaríamos o tempo se ele continua sendo o mesmo, afinal, eu fui dormir no mesmo horário como faço todos os dias. O mesmo tempo de ontem foi o tempo que utilizei hoje, mas hoje eu não poderei ver as belas dançarinas do “Teatro do Barro” passeando em fila para sua apresentação na praça, já que alguém decidiu que é útil mudar as horas e elas já estão dançando nesse instante.

Meu café esfriara, o devaneio de meus pensamentos arruinou a única coisa que ainda era certa: esvaziar aquela xícara de café. Stella deve ter percebido que a xícara estava cheia e aproximou-se de mim – Sr. Dagoberto, há algum problema com o modo que o café foi preparado hoje? Posso imediatamente trazer outro para o senhor – Eu respondi com rispidez, sem pensar muito – Stella, minha jovem, diga-me uma coisa, porque todos os anos esses imbecis precisam fingir que mudaram o tempo sendo que ele permanece o mesmo? – Assim que terminei a frase um jovem engomadinho, com o cabelo lambido para o lado direito interrompeu a resposta da jovem garçonete – Ve-veja be-be-bem, coroa! O horário de verão é fruto de muito tempo de estudo e possui o esforço de muitos estudiosos, eles observaram que em determinada época do ano os dias tornam-se mais longos, e registrando o fenômeno ano após ano, puderam de fato descobrir que é um fenômeno natural periódico, e que nós seres humanos, poderíamos nos utilizar dessa previsibilidade natural para com uma simples convenção de: adiantar os relógios em uma hora, pudéssemos economizar energias, em empresas, espaços públicos e prédios comerciais por exemplo – Eu ouvi o que ele tinha a dizer até o final e respondi – Sabe meu jovem, os seus pontos são ótimos, mas eu tenho que discordar, não vejo a eficiência que você diz existir, me parece uma ação para reforçar o politicamente correto – O garoto parece que assustou-se com a expressão, levantou o dedo e reforçou novamente a sua fé na ciência e como o seu método consegue estar acima de todas as coisas, nesse momento Stella interrompeu, ela que é uma jovem esforçada nos estudos e na vida, trabalha durante o dia e estuda em período noturno, muito inteligente e hábil com as palavras – Na verdade, os dois estão certos – ela falou com uma voz suave apoiando duas xícaras vazias de uma mesa vizinha na bandeja – o método científico é maravilhoso e nos permitiu invenções em larga escala, com janelas de tempo cada vez menores, contudo, a ciência tornou-se enrijecida, o Sr. Dagoberto tem razão em questionar a convenção do horário, e você concorda com isso já que o fundamento da ciência é a dúvida – elas alternava o olhar entre o mim e o garoto do cabelo lambido – vocês podem discutir aqui o resto do dia, um defendendo a ciência como uma “entidade”, contrário ao seu objetivo que é ser instrumento para o verdadeiro saber humano e da mesma forma, o outro vai negar qualquer evidência apresentada, mas existe um fundo de razão nisso, afinal o horário de verão não vem se mostrando eficiente na economia de energia, na verdade vem se mostrando quase que insignificante nos últimos tempos. Apresento-lhes o dilema moderno da humanidade, tenham uma boa tarde senhores – despediu-se e saiu levando as xícaras vazia –.

E assim o jovem e o velho passamos mais de duas horas, sentados, as vezes se encaravam, as vezes discutiam, pensando onde estaria a raiz desse dilema, e naquela tarde os dois fizeram ciência, quase como ela nascera (afastando-se dos sentidos e progredindo aos poucos em busca do prazer do entendimento), - concluímos Rubens, aí está a causa do problema, a ciência não é feita buscando entender ou dialogar com o indivíduo e com o mundo, hoje, ela representa a vontade do mercado financeiro e não mais a busca pelo conhecimento, os saberes populares são insignificantes, já que pouco acrescentam para gerar produtos de valor ao mercado e o meio ambiente é uma preocupação somente se não perpassa os lucros – Rubens arregalou os olhos, depois de tantas xícaras de café era de se esperar, ele continuou minha frase – e é por esse motivo que a ciência hoje e tão venerada quanto desacreditada.

                                                                          Rodrigo Gabriel Leopoldino Zanuto, Direito - Noturno

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