domingo, 5 de dezembro de 2021

 

A DEFENSORIA PÚBLICA E A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS: PROTEÇÃO AOS VULNERÁVEIS

De acordo com o sociólogo Boaventura de Souza Santos, a revolução democrática da justiça só pode ser concretizada se envolver o aumento do acesso à justiça. Nesse sentido, Boaventura destaca a fundamental função da defensoria pública em assegurar os direitos dos indivíduos social e economicamente vulneráveis, por meio da assistência jurídica gratuita realizada tanto na resolução judicial de conflitos – isto é, perante o poder judiciário – como na solução extrajudicial de conflitos, pela conciliação e mediação.

Acrescente-se, além disso, que a defensoria pública teve sua importância expandida com a promulgação da Lei n° 11.448/2007 que lhe conferiu competência para ingressar com ações civis públicas, possibilitando que a referida instituição ampare direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Ainda, esta instituição realiza a educação para os direitos.

A título de ilustração do papel exercido pela defensoria pública no amparo das pessoas marginalizadas, tem-se o Habeas Corpus nº 699572 - SP impetrado pela defensoria pública do Estado de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça, que conseguiu a soltura de uma mulher (Rosângela Cibele de Almeida) que estava em prisão preventiva por ter cometido furto simples ao “subtrair dois refrigerantes, um refresco em pó e dois pacotes de macarrão instantâneo, bens avaliados em R$ 21,69” (BRASIL, 2021, p. 02).

Nos autos, o defensor público alega o princípio da insignificância ou da bagatela devido ao valor ínfimo do conjunto de bens furtados, bem como o estado de necessidade pois a paciente estava passando fome. Além disso, a situação de Rosângela era de grande vulnerabilidade, uma vez que ela possui cinco filhos e estava morando na rua há mais de 10 anos (BRASIL, 2021). Ao final, o magistrado acolheu as alegações da defesa, estabelecendo que a conduta não era típica – não era crime – e determinou a soltura de Rosângela.

Verifica-se, dessa forma, o papel fundamental da defensoria em atuar no âmbito da sociologia das ausências, conceito de Boaventura que se refere ao reconhecimento e afirmação de direitos que foram muito limitados ou, até mesmo, considerados inexistentes e tornaram muitas pessoas desamparadas. Assim, a mulher que foi solta pelo referido Habeas Corpus é um exemplo de milhares de pessoas que têm seus direitos aniquilados, posto que ela não usufruía do direito à alimentação e à moradia previstos no art. 6° da Constituição Federal de 1988 e garantidos, em tese, a todos os cidadãos.

               Por fim, é notável a necessidade da atuação da defensoria pública para a concretização da revolução democrática da justiça.


REFERÊNCIAS:

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 699572 - SP. Impetrante: Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Pualo. Relator: Min. Joel Ilan Paciornik. Data do julgamento: 13 out. 2021. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&termo=HC%20699572 >. Acesso em: 05 dez. 2021.

 

                                                                             NOME: GABRIELLE MAURIN DE SOUZA

                                                                             TURNO: NOTURNO

A reintegração de posse do Pinheirinho sob as ideias de Sara Araújo

 

Esse texto tem como objetivo analisar – à luz das ideias de Sara Araújo – a decisão da juíza Márcia Loureiro em relação à reintegração de posse do bairro do Pinheirinho (São José dos Campos), a qual desencadeou uma violenta ação policial na comunidade. Em primeiro lugar, é fundamental salientar que o terreno consistia, antes da ocupação de centenas de famílias em 2004, em uma grande área vazia. Logo, é evidente que essa terra não cumpria qualquer função social até a chegada dos moradores. Ainda no mesmo ano, a massa falida da empresa Selecta reivindicou a reintegração de posse. No entanto, cabe ressaltar que não há registro de como a área tornou-se propriedade da empresa. Mesmo assim, em 2011, quase 8 anos após o esbulho, a juíza Márcia Loureiro ordenou a reintegração.

Tal decisão culminou na expulsão de milhares de pessoas de suas casas em prol da massa falida de uma empresa que nunca sequer conferiu qualquer função social àquela terra. Em outras palavras, comprometeu-se o direito à moradia de centenas de famílias em prol da especulação imobiliária. No julgado do caso, a juíza afirma que considera a propriedade e a moradia direitos os quais encontram-se no mesmo nível de hierarquia, de modo que a promoção do segundo não poderia comprometer a garantia do primeiro. Com isso, não apenas percebe-se que foram ignoradas a função social da terra e a suspeita de possível fraude na escritura do terreno, como também evidencia-se um modelo jurídico que privilegia o mercado em detrimento das pessoas.

Tal modelo, conforme expressa Araújo em “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, é responsável por legitimar a ordem dominante e capitalista. A partir desse Direito, o qual é apresentado como técnico e não político, os indivíduos são marginalizados em prol do Capitalismo. São defendidas ideias de neutralidade e justiça a partir de um suposto cumprimento das leis, mas os direitos sociais são deixados em segundo plano ou completamente negligenciados. Ademais, segundo Araújo, os defensores do Estado de direito, o qual representa esse modelo jurídico dominante, costumam associá-lo à democracia, de modo a conferir-lhe conotação positiva.

Essas concepções podem ser observadas em um artigo do jornalista Reinaldo Azevedo publicado em 2012 na revista Veja, o qual promove elogios à ordem de reapropriação dada por Loureiro. No texto consta que a juíza em questão “gosta do estado democrático e de direito” e que “sua coragem não está em afrontar a lei, mas em segui-la”.

Dessa forma, é notório que Loureiro, assim como todos aqueles que apoiaram sua decisão, representa um modelo jurídico dominante, o qual coloca o mercado acima das pessoas. Disfarçado por uma falsa neutralidade e uma suposta defesa da democracia, esse Direito marginaliza seres humanos, comprometendo seus direitos mais básicos, como a moradia, em prol da manutenção do sistema capitalista.


Johann Plath - Direito Matutino.



REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, S. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n.o 43, set/dez set/dez 2016, p. 88-115. Complementar: SANTOS, Boaventura

AZEVEDO, R. Esta mulher honra a justiça brasileira! Esta mulher ama o Brasil! Aplausos para esta mulher, que se opõe às barbáries de um país sem lei! Revista Veja. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/esta-mulher-honra-a-justica-brasileira-esta-mulher-honra-o-brasil-aplausos-para-esta-mulher-que-se-opoe-a-barbarie-de-um-pais-sem-lei/ Acesso em: 05 dez. 2021.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo n° 0273059-82.2005.8.26.0577. Reintegração/Manutenção de posse. Selecto Comércio e Indústria S/A – massa falida versus Esbulhadores. São José dos Campos, 17 de outubro de 2011.

 CASO ESCOLA INDÍGENA OFAYÉ XAVANTE E EXPANSÃO DAS EPISTEMOLOGIAS DO SUL

A socióloga Sara Araújo aborda o conceito de linha abissal a qual separa as epistemologias do Norte e do Sul. Tal linha reflete o abismo que divide as ideias e concepções dominantes do Norte, daquelas excluídas e marginalizadas do Sul. Ainda, os pensamentos que distinguem essas duas realidades envolvem questões culturais, de gênero, de sexualidade, de produção de conhecimento científico e, inclusiva, a questão jurídica.

Relativo ao universo jurídico, a epistemologia do Norte se expressa pelo Direito moderno ocidental eurocêntrico que adveio do processo de colonização e se sobrepôs a distintas expressões jurídicas, fragilizando-as. A partir disso, criou-se o mito da universalidade desse Direito ocidental – ou seja, como se apenas essa forma do Direito existisse – em detrimento do pluralismo jurídico, isto é, da existência de múltiplos modelos jurídicos.

A título de ilustração do panorama supracitado, tem-se a população indígena no Brasil como representativa da epistemologia do Sul, posto que tiveram sua cultura, sua organização social e seu Direito de base oral dominados e praticamente suprimidos pela cultura do branco colonizador europeu.

Nesse sentido, destaca-se a apelação cível nº 0000652-21.2006.4.03.6003/MS, em que a sexta turma do Tribunal Regional Federal da 3ª região manteve a decisão judicial que impunha ao estado do Mato Grosso do Sul, em parceria com a União, a obrigação de transformar a escola municipal em escola indígena para atender a comunidade Ofayé Xavante. A apelação foi interposta justamente pelo estado do Mato Grosso do Sul, que alegava não ser de sua competência a referida obrigação, em face do Ministério Público Federal e da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, apelados. (SÃO PAULO, 2018)

Ademais, a relatora da decisão, desembargadora Diva Malerbi, configurou o caso como omissão do Estado, haja vista a necessidade da escola indígena para preservação da cultura daquela comunidade e da língua “Ofayé”, as quais sofrem o risco de serem extintas (SÃO PAULO, 2018). Além disso, a falta de ação dos poderes públicos afronta os arts. 205 e 215 da Constituição Federal de 1988, os quais asseguram o direito à educação e ao exercício dos direitos culturais.

Ante o exposto, observa-se como a decisão permite o rompimento com a ideia de que somente os conhecimentos ocidentais são válidos e rompe também com a monocultura do universal e do global – citada por Sara Araújo como a invisibilização de todos os elementos típicos de um local ou região –, uma vez que a decisão possibilita a difusão da cultura, dos saberes e da língua local de uma comunidade historicamente marginalizada.

Dessa forma, verifica-se a importância de decisões judiciais semelhantes para conhecer e resgatar ideias e pensamentos oriundos das epistemologias do Sul, a fim de valorizá-las e retirá-las da invisibilidade.

 

REFERÊNCIAS:

SÃO PAULO, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO (sexta turma). APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0000652-21.2006.4.03.6003/MS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EDUCAÇÃO INDÍGENA. DIREITO INDIVUAL INDISPONIVEL CONSTITUCIONALMENTE ESTABELECIDO. DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. NÃO CONFIGURADA. PERIGO DE EXTINÇÃO DO IDIOMA E DA CULTURA OFAYÉ XAVANTE. INTERVENÇÃO ESTATAL PARA GARANTIR O DIREITO À EDUCAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. AUSÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. ESSENCIALIDADE DO DIREITO PRETENDIDO. OMISSÃO ESTATAL CONFIGURADA. DECISÃO JUDICIAL QUE ASSEGURA O DIREITO À EDUCAÇÃO, IMPONDO A OBRIGAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES E AO PACTO FEDERATIVO. NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES DO E. STF. Apelante: Estado do Mato Grosso do Sul. Apelado: Ministério Público Federal e FUNAI. Relatora: Min. Diva Malerbi. Data do julgamento: 22 mar. 2018. Disponível em: <http://web.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/6707874> . Acesso em: 05 dez. 2021

 

                                                                          NOME: GABRIELLE MAURIN DE SOUZA

                                                                          TURNO: NOTURNO

A importância da Promotora Legal Popular

     Boaventura de Souza Santos, muito citado no texto de Sara Araújo, tem a visão das epistemologias do Sul e do Norte. Em que, com o colonialismo e o imperialismo impulsionados pelo sistema, o Direito tornou-se uma ciência das hegemonias, isto é, do Norte, que inviabiliza e despreza as do Sul, as consideradas periféricas e diferentes.

    Dessa forma, Santos remete em seu texto perspectivas contra hegemônicas encontradas para a universalização da justiça e o acesso ao Direito, como um recurso disponível para a introdução e mobilização social de maneira ampla e abrangente. A capacitação jurídica seria um recurso muito importante para tal, dado que por essa ciência ser manejada por profissões jurídicas que utilizam um vocabulário difícil e inacessível, a ação faz com que ela se transforme em “uma ferramenta contra hegemônica apropriada de baixo para cima como estratégia de luta.” (SANTOS, 2011, p. 46).

    Ao longo do capítulo o autor descreve várias instituições que vão contra as epistemologias do Norte, ajudando e capacitando pessoas marginalizadas e que não conseguem acesso tanto à justiça quanto ao Direito. A Defensoria Pública é uma das instituições que cumpre esse papel, assim como as assessorias jurídicas, a advocacia popular e as promotoras legais populares.

    As promotoras legais populares são importantes para a capacitação jurídica mencionada, dado que seus objetivos são “socializar, articular e capacitar mulheres nas áreas do direito, da justiça e nomeadamente no combate à discriminação de gênero.” (SANTOS, 2011, p. 37). Sua metodologia é a aplicação de cursos para que saibam seus direitos e que sejam capazes de reconhecer situações em que eles são violados e maneiras de repará-los (SANTOS, 2011, p. 37-38). Com isso, as mulheres poderão ter seus direitos reivindicados em casos no qual são discriminadas ou violentadas.

    Um caso atendido pela União de Mulheres de São Paulo (uma das organizações que provêm os cursos) foi o de uma trabalhadora que foi estuprada pelo seu chefe, que mesmo registrando a ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher e um processo trabalhista contra a empresa, realizou o curso de Promotoras Legais Populares e teve sua situação discutida em várias das aulas. Com isso e junto das outras alunas, encaixaram o ocorrido como acidente no local de trabalho, que a partir da decisão, outros casos tiveram os mesmo desfecho e possibilitou receber auxílio enquanto tratam o trauma.

    Por esse caso e de outros que são resolvidos por instituições como essa, percebe-se a importância desses trabalhos na vida das pessoas marginalizadas e a relevância que a capacitação jurídica traz para a sociedade, visto que se não fosse o curso, as sentenças continuariam iguais e não haveria uma mudança/transformação no Direito.

    À vista disso, a visão de Boaventura de Souza Santos é de extrema importância em um mundo desigual e que apenas viabiliza perspectivas hegemônicas. Dessa maneira, com essas instituições e cursos providos para a sociedade, o Direito pode ter uma pluralidade de interpretações e ter o reconhecimento de diversas realidades a partir de múltiplas formas de análise jurídica.

Referências:

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3a. Edição. São Paulo: Cortez, 2011. [Cap. 2: “O acesso à justiça”, p. 31-47; Cap. 3: “O ensino do direito e a formação profissional”, p. 54-66”]


TELES, Maria Amélia de Almeida. Promotoras Legais Populares. Direitos: um projeto com classe, raça e gênero. Revista Mandrágora, São Paulo, v. 13, n. 13, p. 125-134, 2007.

Camila Gimenes Perellon - Matutino

Raças no abismo

    A construção histórica que moldou o brasil é parecida com a construção que também moldou todo o sul, essa construção é a de escravidão do povo negro,que em nosso pais perdurou durante seculos. O mais curioso de toda essa historia é que por mais que os diretos iguais tenham sido alcançados ha muito tempo a perspectiva de que negros ainda são inferiorizados é amplamente observada atualmente, principalmente se nos atentarmos a determinadas medidas e ações tomadas por representantes do judiciário que em tese deveriam garantir esses supostos “direitos iguais”.

    A dicotomia entre o norte e o sul tem respaldo nessa perspectiva de raça e pode ser observada em algumas decisões proferidas por juízes, um caso muito simbólico é o da juíza que em uma sentença justificou que o criminoso adotou esse comportamento "em razão de sua raça", o homem em questão era negro. Quando olhamos pela ótica de Sara Araújo conseguimos observar como o norte hegemonicamente composto por brancos vê o sul, como uma raça de bandidos e potenciais criminosos que têm esse comportamento devido a sua raça. 

    Há outras decisões muito emblemáticas que fomentam essa ótica racial da dicotomia norte sul, em 2019 uma juíza julga um homem branco e pontuou em sua sentença que o homem em questão não poderia ser facilmente confundido, visto que esse não possuía "estereótipo padrão de bandido" afinal o réu "possui pele, olhos e cabelos claros". É possível observar que a monocultura da naturalização de diferenças possui amplo embasamento dentro da decisão da juíza em questão,l ela naturaliza a ideia de que naquele caso em especifico o réu não possuía o esteriótipo padrão de bandido, o padrão negro que esta no sul.

    O abismo que separa norte e sul descrito por Sara Araujo também separa brancos de negros, quando uma juíza diz que um homem foge do esteriótipo de bandido por ser branco ela esta naturalmente fomentando a decisão da outra juíza, a de que o outro réu é um criminoso em virtude de sua raça. Essa zona abissal só tende aumentar com o tempo, seja com países impondo medidas legais como restrições e deportações, consequentemente utilizando do direito e da lei para legitimar esse comportamento, ou até mesmo com países do norte criando muros que os separem dos selvagens do sul.

Victor Hugo da Silva Fernandes | Turma: XXXVIII    |  Noturno 

A (IN)justiça do trabalho

    O acesso à justiça pelos mais pobres não é um motivo de debate frequente e recorrente, os que por vezes carecem de ajuda do judiciário encontram apenas portas fechadas, seja pela elitização do conhecimento da linguagem jurídica ou ainda pelo  alto custo dos serviços que envolvem os operadores do direito. o custo que envolve o serviço dos operadores do direito foi é amplamente debatido no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, que demonstrou como o acesso à justiça do trabalho possuía entraves burocráticos que dificultavam o acesso dos trabalhadores.

     No ano de 2017 a "reforma trabalhista" foi aprovada e junto com ela diversos trabalhadores perderam direitos e garantias no acesso à justiça do trabalho, a dificuldade imposta nesse acesso fica evidente no artigo 790-b da Lei nº 13.467/17, nesse caso a lei impunha que os honorários periciais fossem pagos pela parte sucumbente, que na maioria dos casos é a parte que mais carece da justiça, a parte trabalhadora. A aprovação desse artigo em 2017 apenas intensifica a ideia de que a justiça é para poucos, pior ainda, mostra que até a justiça do proletário mais miserável não é garantida pelo direito, quando Boaventura fala sobre uma razão indolente esse pode ser apresentado como um dos exemplos de grande relevância pois demonstra a verdadeira limitação da luta por uma justiça aos que mais necessitam. 

    Em vista dessa evidente violência aos direitos dos trabalhadores uma ação foi movida até o STF que declarou como inconstitucional esse artigo da lei, garantindo que os trabalhadores que moveram suas ações na justiça gratuita não tenham que arcar com esses custos, mas sim a união. quando o STF determinou em sua ação que "aos pobres, beneficiários da gratuidade da justiça, ou seja, aos que mais precisam, o acesso à Justiça do Trabalho não deve custar nada! A Constituição federal assim garante" ele está determinando que aqueles que mais necessitam da justiça tenham sua luta reconhecida. analisando isso a luz do pensamento de Boaventura é possível se dizer que essa decisão carrega consigo parte da legalidade cosmopolita defendida pelo autor, é visível que essa ela beneficia os movimentos sociais, em especial os movimentos que lutam por melhores condições para  a classe trabalhadora.

Victor Hugo da Silva Fernandes | Turma: XXXVIII    |  Noturno 

As epistemologias do norte e sul e suas influências no pensamento e no Direito moderno

    No artigo “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone”, Sara Araújo apresenta a ideia do Direito entre as epistemologias do norte e do sul, numa abordagem que vai além dos aspectos geográficos, abrangendo não só o fato de o sul estar latitudinalmente em uma posição inferiorizada em relação ao norte, mas também no que diz respeito à natureza de pensamento sulista, que vai em desencontro da hegemonia do norte, de forma a representar tudo aquilo que foi silenciado do ponto de vista do conhecimento dentro da tradição do pensamento moderno e da concepção de racionalidade até o momento, como as perspectivas étnico-racionais, de gênero e de sexualidade. 

    A autora diz que é necessário ultrapassar, ainda, a linha abissal que há entre estes dois referenciais do pensamento moderno, que tem como base a produção de inexistência - tornando invisível a realidade do lado de lá (sul) para que não se comprometa a universalidade do que é proposto por esse lado (norte) - e o predomínio da razão da metonímia pautado nas monoculturas do saber e do rigor do saber, do universal e do global, da produtividade, da naturalização das diferenças e do tempo linear, que servem como potencializadoras da manutenção do sistema de domínio nortista, bem como da desigualdade consequente do capitalismo, já que há um desperdício das experiências sociais sulistas. 

    Considerado como duplo dessa ciência metonímica, o Direito moderno é influenciado por essas monoculturas e, respaldado pelas concepções de racionalidade, neutralidade, objetividade e justiça, age como legitimador da lógica hegemônica por meio de um modelo jurídico técnico e monoculturista, que cria uma sociedade civil incivil pela falta de preocupação política e pluralismo jurídico.

Como exemplo dessa desconsideração do que não é hegemônico pela razão jurídica, pode-se citar a Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do município de Ipatinga - MG, que vedava a inclusão de qualquer referência à diversidade de gênero ou orientação sexual no ensino das escolas da cidade. Na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 467 (ADPF 467) movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra tal lei e julgada procedente pelo Ministro Gilmar Mendes, foi exposto que o dispositivo contrariava diversos fundamentos constitucionais, como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o pluralismo de concepções pedagógicas e de ideias, a igualdade, a proibição da censura, a laicidade do Estado e o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, tendo em vista que a validade da norma em questão representaria uma grande discriminação contra a comunidade LGBTQIA+.

Dessa forma, conclui-se que, nesse caso, é possível observar a ação da epistemologia hegemônica do norte no Direito através da marginalização daquilo que foge ao modelo tradicional, objetivando a prosperidade da dominação sobre o sul. No entanto, também é visto como o próprio Direito tem o poder e lugar de enunciação para mudar o rumo das situações, sendo imprescindível que haja a constante vigilância para que as diversas expressões possam ser visibilizadas e tidas como relevantes, proporcionando o necessário pluralismo jurídico.


Ana Eliza Pereira Monteiro - 2° ano Direito - Matutino

MST e a vitória contra a hegemonia nortista

O agravo de instrumento n° 70003434388 trata de uma solicitação de recurso feita por proprietários de uma fazenda no Rio Grande do Sul que não aceitaram a primeira sentença, a qual negou o pedido de reintegração de posse da propriedade, cujo território foi ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Nesse contexto, os juízes do Tribunal de Justiça indeferiram novamente o pedido, embasando a decisão no argumento da função social da propriedade (presente no texto Constitucional). Contudo, um dos juízes se posicionou a favor dos proprietários e alegou que o MST acarreta “prejuízos irreparáveis para a população na medida em que estão obstruindo meios produtivos que servem para alimentar as pessoas”(Agravo). 

Faz-se importante analisar o direito para além de uma perspectiva hegemônica e colonizadora, a qual sufoca outras epistemologias e mata a possibilidade de se considerar especificidades. Nessa ótica, Sara Araújo faz uso de uma metáfora que separa o pensamento epistemológico em dois campos : o do Norte e o do Sul ¹. Este último considera tudo aquilo que não é hegemônico e legitima o discurso daqueles que são silenciados pelo Norte. Diante disso, a epistemologia do Sul tenta romper com essa linha abissal e confronta conceitos que antes eram vistos como únicos e centrais, além de dar voz a pautas "silenciosas" como racismo, homofobia, entre outras.

Ademais, a modernidade eurocêntrica afeta o campo do direito e estabelece parâmetros claros sobre o que é ou não aceitável. Nesse sentido, para a hegemonia nortista, movimentos sociais como o MST, ao fugirem da lógica globalizada de produtividade, são invisibilizados, e além disso, criminalizados. Vale lembrar que o “globalizado” é uma expressão do norte, e por isso reforça o domínio desse campo. Em síntese, pode-se dizer que o Norte sufoca as possibilidade do conhecimento do Sul ter uma relevância no cenário mundial, reprimindo, assim, que outras formas de viver emerjam.

No caso do agravo, os ocupantes da Fazenda Primavera pensaram em dinâmicas fora dessa opressão pura e simples vinda do capitalismo. Ao indeferir o pedido dos proprietários, os juízes preencheram o direito com epistemologias que “são silêncio”. Contudo, é essencial analisar a visão do juiz que votou a  favor dos proprietários e expressou uma razão metonímica, isto é, tomou uma parte pelo todo e criticou o MST, alegando que o movimento traz prejuízos, sendo que na verdade a organização é a maior produtora de arroz orgânico da América Latina² e sustenta parte da alimentação do povo brasileiro. Logo, é compreensível que ao usar termos como racionalidade, neutralidade, objetividade e justiça, o juiz expressa a hegemonia da ordem capitalista, herdeira da colonialidade. Nessa parte do agravo podemos verificar isso :


Não é desrespeitando as leis e agindo de forma temerária e revolucionária, nos moldes de guerrilha, dentro de um Estado Democrático de Direito, onde todo cidadão tem assegurado o exercício do legítimo direito de defesa da propriedade e de seu uso privado, quebrando a paz social e a tranqüilidade jurídica e legal, que alcançarão a justa reforma agrária ou urbana.



Portanto, é necessário que o não desperdiçar experiência seja o horizonte da luta epistemológica e política. No agravo, o MST conquistou uma vitória ao confrontar o capitalismo convencional e, por sorte, conseguiu a interpretação de juízes que não seguem apenas o modelo técnico do direito, o qual propicia a criação da sociedade incivil, ou seja, aquela excluída de proteções legais. Diante disso, a vigilância epistemológica é crucial para que essas expressões diversas continuem tendo legitimidade  e que o direito não ignore mais epistemologias.


¹ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir

velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, Porto Alegre, ano 18, n.o 43,

set/dez set/dez 2016, p. 88-115.


²NUZZI,Vitor. Maior produtor latino-americano de arroz orgânico , MST prevê colheita de 12 toneladas. 2021. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/31/maior-produtor-latino-americano-de-arroz-organico-mst-preve-colheita-de-12-toneladas. Acesso em 5 dez. 2021


 

Lorena Prado Silva – 2° Período Noturno


“do outro lado” falamos em liberdade de expressão, subjetividade e pluralidade de manifestações


A partir do século XIX, a ciência médica passou a se aproximar do tema da homossexualidade desenvolvendo inúmeras teses, ainda muito influenciadas pelo preconceito, acerca da natureza dessas relações. Todavia, a literatura demonstra que os indivíduos possuem e expressam orientações sexuais distintas muito antes da medicina preocupar-se em estudá-las. Na Antiguidade Clássica, pautas como o homoerotismo resultam em uma análise muito mais emblemática, pois, naquela época, expressões de sexualidade que são vistas hoje como desvios da “ordem natural”, eram aceitas e tidas como forma particular de exaltar beleza e juventude. Contudo, com a Idade Média, o estabelecimento do pecado cristão conferiu ao homoerotismo um caráter demoníaco, de subversão e, portanto, proibido. A partir daí discussões que tivessem identidade de gênero, sexualidade e orientação sexual como pautas centrais foram cada vez mais sufocadas e silenciadas pelo o que Sara Araújo, dialogando com as ideias de Boaventura de Sousa Santos, irá chamar de “epistemologias do Norte”.

Segundo a autora, com base na tese do professor português, o Norte representa perspectivas, conceitos, normas e princípios que são hegemônicos, enquanto o Sul é composto por todas as outras ideias consideradas atrasadas e invisíveis, caracterizando uma divisão que ultrapassa limites geográficos. Tudo o que é movimentado pelo lado “assimétrico” recai no esquecimento da universalidade, uma vez que uma monocultura do saber transforma o pensamento científico e a cultura do Norte em preceitos únicos e superiores, enquanto uma monocultura do global generaliza tudo o que é singular. A desvalorização daquilo que é produzido pelo não-hegemônico resulta no imaginário popular a ideia de improdutividade, o que, por conseguinte, reverbera a noção de que esse grupo subalternizado é de fato selvagem, atrasado e primitivo e deve, por isso, ser engolido pelo padrão civilizacional da modernidade.

Tal condição pode ser observada na decisão tomada pelo TJRJ de suspender a liminar concedida pelo Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, da 5ª Câmara Cível. No caso que envolvia a apreensão de obras de homoerotismo na Bienal do Livro da cidade do Rio de Janeiro, o desembargador concedeu a liminar para determinar “ (i) a abstenção de apreensão das obras “em função do seu conteúdo, notadamente aquelas que tratam do homotransexualismo” e (ii) a abstenção da cassação da licença para a bienal, embasando-se na preservação da liberdade de expressão”. No entanto, o Tribunal de Justiça do estado, em uma evidente lógica evolucionista de atropelar as diferenças, suspendeu a referida liminar, embasando-se, essencialmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente. A postura adotada pelo tribunal ilustra a urgência não em preservar as pautas descritas nos artigos do ECA, mas sim em manter as formas hegemônicas de pensamento, haja vista que uma produção literária que aborda o mesmo conteúdo, mas aos moldes da heteronormatividade não resulta em tamanha censura e reprovação.

Entretanto, o julgado conta ainda com a suspensão dessa liminar apresentada pela Procuradoria-Geral da República em face de decisão do Presidente do TJRJ, dialogando mais uma vez com as ideias de Sara Araújo. A PGR defende “a necessidade de suspensão da referida decisão, uma vez que estaria por ferir “frontalmente a igualdade, a liberdade de expressão artística e o direito à informação”, afirmando que “o ato da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro discrimina frontalmente pessoas por sua orientação sexual e identidade de gênero, ao determinar o uso de embalagem lacrada somente para “obras que tratem do tema do homotransexualismo” exemplificando como a tentativa de manutenção da colonialidade da ciência e da razão pode ser superada quando a ecologia de direitos é posta em prática, valorizando a liberdade de pensamento e expressão, celebrando a pluralidade de ideias e substituindo o universalismo abstrato do direito moderno.

Giovanna Cardozo Silva - Turma XXXVIII - matutino

 

 

O direito como mecanismo da luta contra hegemônica

    Tendo em vista que tradicionalmente o campo jurídico se fundamenta na “continuidade para fazer melhor o que sempre tinha feito” (p.54), o sociólogo Boaventura de Sousa Santos discorre sobre a necessidade da mudança no ensino jurídico e a expansão do acesso à justiça para que o direito possa atender de maneira efetiva às novas demandas sociais. Para isso, o direito deve passar de mero instrumento alienante e despolitizado para ser um mecanismo da luta contra hegemônica, rejeitando a perspectiva de sua transformação como algo intransponível, dado que esse pensamento limita as possibilidades da luta democrática.

    Entretanto, a juridificação da vida social e consequente sobrecarga dos tribunais pôs em cheque a satisfação quanto à qualidade da justiça oferecida. A morosidade processual acarreta a menor confiança “nos tribunais como meio de resolução de seus conflitos” (p.26) e engendra a razão indolente. Nessa lógica, as alterações da administração pública deve ultrapassar a dinâmica empresarial que se submete a critérios de “eficiência, eficácia, criatividade, competitividade e serviços próprios” (p.29) para o que Boaventura convencionou de Estado como novíssimo movimento social, o qual é “articulador e integrante de um conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações” (p.30). Com essa reformulação democrática da justiça, as instituições estatais estão relacionadas com os movimentos sociais e possibilita a ampliação do espaço dos possíveis.     

    Dessa forma, a medida cautelar da ADPF 467/MG ajuizada pela Procuradoria-Geral da República exemplifica a mudança substancial no âmbito jurídico discutido por Santos. Nessa ação, a parte requerente alega que os arts. 2º caput, e 3º caput, da lei 3.491/2015 do município de Ipatinga contrariam preceitos fundamentais da Constituição Federal. Os artigos mencionados excluem da política municipal de ensino a referência à diversidade de gênero e orientação sexual, indo de encontro com o “princípio da liberdade de ensino, do pluralismo de ideais e concepções pedagógicas e do fomento à liberdade e à tolerância” observada pelo próprio texto constitucional. 

    Posto isto, o papel da Procuradoria-Geral demonstra, de um lado, a transformação epistemológica dos operadores do direito cristalizada na defesa de pautas concernentes aos saberes não hegemônicos, visto que a PGR busca atender as reivindicações dos movimentos sociais traduzido nessa sentença como a possibilidade de ter o ensino sobre orientação sexual e identidade de gênero. De outro, amplia o acesso à justiça, dado que abre precedentes para futuras causas que tangenciam o assunto e, diferentemente da desconfiança causada pela morosidade, estende caminhos para outras lutas sociais utilizarem do judiciário como instrumento politizado para a concretização de seus direitos. Assim, sob a ótica do direito à igualdade, a decisão do Ministro Gilmar Mendes ao acatar o pedido cautelar para a suspensão dos artigos ampliou a possibilidade do campo jurídico de se adaptar ao novo tipo de sociedade e se desvencilhar do ideal de um sistema criado para seguir o pensamento majoritário.


Referência:

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. 3a. Edição. São Paulo: Cortez, 2011. [Cap. 2: “O acesso à justiça”, p. 31-47; Cap. 3: “O ensino do direito e a formação profissional”, p. 54-66”]


Boaventura de Sousa Santos & Caso Mariana Ferrer

Boaventura de Sousa Santos é Doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale e também é Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, além de, ao longo de sua trajetória, ter passado por diversos cargos em instituições renomadas, ter sido autor de diversas obras e ter recebido diversos prêmios – no Brasil, por exemplo, é Doutor Honoris Causa em 11 Universidades.

Em seu livro “Para uma revolução democrática da justiça”, Santos fala justamente na possibilidade de se haver um Direito emancipatório, possibilitado por uma revolução democrática da justiça, revolução essa que se “assenta na valorização da diversidade jurídica do mundo como mola propulsora do pensamento jurídico crítico”.  Ele defende que essa revolução do direito e da justiça deve estar inserida em outra ainda mais ampla, que inclua a democratização do Estado e da sociedade. E daí em diante, ele centra-se no sistema jurídico e judicial estatal.

É preciso que se destaque, como o autor faz, o protagonismo dos tribunais, que é um fato que entra em destaque principalmente a partir do final da década de 1980, em diversos pontos do globo: América Latina, Europa, Ásia e África. Nas sociedades atuais, há o que Santos descreve como consciência de direitos – tais sociedades são imbuídas de extrema desigualdade, mas isso não significada que aqueles afetados por essa desigualdade ficam inertes a ela. Tanto individualmente, como coletivamente, esses indivíduos buscam seus direitos.

E é justamente o desmantelamento do Estado social, que compreende aspectos como o direito laboral, previdência social, saúde, educação etc., como o autor explica, o motivo para a existência de muitos litígios que chegam ao tribunal. Novamente, quando as pessoas tornam-se conscientes de seus direitos, lutam para obtê-los efetivamente. Portanto, hiperjudicialização é igual a hiperconscientização de direitos.  

Isto tudo posto é importante para que se chegue ao ponto pretendido por esse texto, o de falar sobre a profunda transformação que deve ocorrer no sistema judiciário, de acordo com Boaventura de Sousa Santos. Esse sistema carece de ser transformado de modo que a procura de direitos feita pelos cidadãos de classes populares seja de fato efetivada. Mais do que buscar acesso a uma justiça já existente, é preciso buscar mudar a justiça a que se tem acesso. E daí, ele cita diversos vetores dessa transformação que precisa ocorrer, dentre eles: novos mecanismos e novos protagonismos no acesso ao direito e à justiça; e a revolução na formação profissional, desde as faculdades de direito até a formação permanente.

Sobre os novos mecanismos e novos protagonismos no acesso ao direito e à justiça, Santos fala sobre os importantes papéis desempenhados pelas defensorias públicas, pelas promotorias legais populares, pelas assessorias jurídicas e pela advocacia popular. Contudo, pensando na violência de gênero, em que, dependendo da localidade, existem, por exemplo, defensorias especializadas na temática, que podem dar respostas mais qualificadas aos devidos casos, ainda é preciso que se trabalhe mais arduamente e efetivamente para que se garanta o pleno acesso das mulheres ao direito e à justiça. É sabido que existe uma precariedade institucional de defesa da mulher no país e essas próprias instituições especializadas não ficam imunes a isso. São diversos os casos de mulheres que, conscientes de seus direitos, ao denunciar um agressor (o que não é uma tarefa fácil, diga-se de passagem), por exemplo, encontram-se desamparadas quando em órgãos responsáveis, seja por falta de profissionais qualificados e empáticos – ainda hoje, de acordo com a pesquisa Violência Contra a Mulher e Acesso à Justiça, realizada pela CEPIA, “[...] o atendimento ainda se pauta por uma visão preconceituosa e discriminatória contra as mulheres que são descritas como as principais responsáveis pela demora na conclusão dos inquéritos policiais e na deficiência das provas que são produzidas.” - seja por falta de infraestrutura.

Ademais, há de se falar do próprio despreparo do judiciário e de seus operadores em lidar com questões de violência de gênero. O Caso Mariana Ferrer, que ganhou amplitude nacional, é um exemplo de tal despreparo desses operadores. Em julho de 2019, o Ministério Público de Santa Catarina realizou denúncia contra o empresário André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável. O empresário acabou absolvido, mas na época, já em 2020, veio à tona a audiência de julgamento do caso. O advogado de defesa do acusado, Claúdio Gastão da Rosa Filho, valendo-se de uma violência psicológica contra Mariana, mostrou fotos íntimas de Ferrer, fazendo várias menções a sua vida pessoal e chegando a dizer, inclusive, que: “Uma filha do teu nível, graças a Deus. E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você. Só falta uma auréola na cabeça. Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso. E essa lágrima de crocodilo”.  

Esse é um tipo de caso em que se evidencia a necessidade de uma revolução na formação profissional, desde as faculdades de direito até a formação permanente, como Boaventura de Sousa Santos propõe. Para ele:

“Estou convencido de que, para a concretização do projeto político-jurídico de refundação democrática da justiça, é necessário mudar completamente o ensino e a formação de todos os operadores de direito: funcionários, membros do ministério público, defensores públicos, juízes e advogados. É necessária uma revolução. ”

E prossegue:

“Temos que formar os profissionais para a complexidade, para os novos desafios, para os novos riscos. As novas gerações vão viver numa sociedade que, como eu dizia, combina uma aspiração democrática muito forte com uma consciência da desigualdade social bastante sólida. E, mais do que isso, uma consciência complexa, feita da dupla aspiração de igualdade e de respeito da diferença. ”

Dessa forma, a esperança para que audiências como essa não sejam uma constante reside exatamente em um ensino jurídico mais politizado e crítico, que não seja alheio aos seus arredores e que também não seja refém do mercado e da totalidade das normas técnico-burocratas. Como Santos diz:

“Penso que a educação jurídica deve ser uma educação intercultural, interdisciplinar e profundamente imbuída da ideia de responsabilidade cidadã, pois só assim poderá combater os três pilares da cultura normativista técnico-burocrática a que fiz referência: a ideia da autonomia do direito, do excepcionalismo do direito e da concepção tecnoburocrática dos processos.”.

Referências:

https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2013/11/Pesquisa-Violencia-Contra-a-Mulher-e-Acesso-a-Justica_SumarioExecutivo.pdf

https://noticias.r7.com/cidades/com-ofensas-e-humilhacoes-justica-reforca-violencia-contra-a-mulher-17052021

https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/09/28/caso-mariana-ferrer-cnj-abre-procedimento-para-analisar-conduta-de-juiz-de-sc.ghtml

https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Mariana_Ferrer


Laura Ruas, Direito Matutino

 

Refletir acerca das novas institucionalidades que possam integrar o Direito é pensar no Direito que não é prerrogativa apenas dos bacharéis, é pensar no Direito como recurso disponível para o acesso e mobilização social de forma ampla. Boaventura de Sousa Santos aborda essa temática com ferrenha maestria. A saber, de acordo com o autor, devemos fazer das estruturas jurídicas um instrumento de luta política e de ativismo social, visando abrir caminhos para uma perspectiva emancipatória. Ademais, ele afirma que quaisquer mudanças no âmbito do Direito precisa, necessariamente, passar pela expansão do acesso à justiça e por uma transformação no ensino juridico, tendo em vista que a tradição nos quer transmitir uma visão hegemônica e convencional do Direito.

Em um dos parágrafos de sua análise, Boaventura menciona que (2011, p. 46):

“[...] É preciso que os cidadãos se capacitem juridicamente, porque o direito, apesar de ser um bem que está na sabedoria do povo, é manejado e apresentado pelas profissões jurídicas através do controle de uma linguagem técnica ininteligível para o cidadão comum. Com a capacitação jurídica, o direito converte-se de um instrumento hegemônico de alienação das partes e despolitização dos conflitos a uma ferramenta contra hegemônica apropriada de baixo para cima como estratégia de luta”.

           

Ao contemplar esse diagnóstico realizado pelo autor, podemos perceber que as estruturas dominantes têm se utilizado do Direito como uma estratégia para manter os indivíduos distantes do entendimento de seus direitos e garantias. A linguagem é fator determinante na interpretação social e jurídica, sendo que não é possível prever um amplo conhecimento jurídico utilizando de uma linguagem extremamente metodológica e excludente. Assim, o Direito que deveria ser para todos, tem sido para alguns. O Direito, assim como alude Boaventura tem sido “instrumento hegemônico de alienação das partes”.

Ao realizar uma análise histórica, podemos perceber que os indivíduos se viram, a partir do surgimento do Estado de bem-estar social europeu sobretudo, como sujeitos de direito. Dessa forma, movimentos e diversos grupos sociais passaram a buscar a efetivação dessas garantias fundamentais e a exigir a materialização de seus direitos. Além disso, eles também questionavam a grande abstração das leis, tendo em vista que diversas normativas atestavam sobre garantias fundamentais, mas não as fixavam concretamente.

Como barrar esse grande movimento de reivindicação social? Uma das estratégias utilizadas é, assim como menciona Boaventura, através do controle de uma linguagem técnica ininteligível para o cidadão comum. Sabemos, assim como estabelece o autor, que nos tempos atuais, o conhecimento do Direito se encontra mais engendrado no pensamento da sociedade. No entanto, grande parte dos indivíduos componentes desse ambiente social se encontram excluídos do entendimento jurídico, uma vez que não possuem domínio dessa linguagem técnica e complexa que é utilizada pelo campo jurídico.

Um dos maiores filósofos da história, Immanuel Kant, afirmava que o sujeito é resultado daquilo que a educação faz dele, podendo assim, vencer muitas barreiras por meio de sua sabedoria. Os dominadores possuem entendimento acerca desse fator. Eles sabem que uma comunidade conhecedora de seus direitos fundamentais é prejudicial para as estruturas hegemônicas convencionais, por isso lutam pela manutenção de estruturas jurídicas excludentes, por isso lutam pela não concretização da capacitação jurídica para todos.

A saber, Pierre Bourdieu reportou em seus escritos acerca dessa conformação excludente do campo do Direito. Segundo o autor, existe uma necessidade dos representantes do campo jurídico de se diferenciarem dos demais sujeitos sociais. Para Bourdieu, isso vem da tradição de uma epistemologia na qual considera que o sujeito só exercerá domínio se ele se colocar como um elemento de distinção, portando um conhecimento inacessível à grande massa. Isto é, sem dúvidas, ver o Direito como prerrogativa dos bacharéis e não como um recurso social à disposição de todos, e ir contra o pensamento de emancipação pregado por Boaventura.

Lastimavelmente, esse Direito que exclui grande parcela da população por utilizar de uma linguagem inacessível está muito presente na contemporaneidade, inclusiva no cotidiano brasileiro. Exemplo disso, é uma petição que trata de um pedido de liminar em mandado de segurança impetrado por X, contra ato do Sr. Prefeito de Franca, Y, que, por meio do Decreto Municipal proibiu, dentre outras, a atividade de “lotéricas e correspondentes bancários”. Com a leitura do referido julgado, pode-se perceber a utilização de termos extremamente dificultosos ao entendimento de muitos na sociedade.

Vocábulos muito densos foram (e são constantemente) utilizados no referido julgado (e em vários outros). Expressões como “impetrantes”, “impetração”, “autoridade coatora”, “esbulho”, “dilação probatória”, “liminar pleiteada” são exemplos retirados da petição em análise que torna possível a conclusão de que Boaventura estava completamente correto em suas prerrogativas. Quando um julgado como estes, que se destina a toda população, inclusive às mais carentes e desprovidas de conhecimentos técnicos a respeito desses termos, utiliza de palavras que muitas vezes podem ser completamente desconhecidas por vários, podemos constatar como o Direito pode ser usado como ferramenta de dominação.

No entanto, Boaventura afirma que devemos fazer um esforço de ocupar o Direito. Devemos fazer um esforço para preencher o Direito com essas epistemologias dos oprimidos e das minorias, que são silenciadas dentro das doutrinas e legislações.  O autor irá defender muito a capacitação jurídica como forma de ampliação das estruturas jurídicas para além da estrutura estatal hegemônica. Ademais, podemos perceber como ele traz diversas alternativas jurídicas frente ao poder convencional.

Dessa maneira, Santos irá apontar sobre o papel estratégico desempenhado pela Defensoria Pública (instituições que, segundo o autor, são essenciais na defesa da população mais carenciada). O escritor também cita as promotoras legais populares (instituições que viabilizam uma expansão da comunidade de intérpretes do campo jurídico. Sendo que essa expansão significa o aumento de indivíduos que possuem conhecimento jurídico como ferramenta de atuação e luta). Ademais, ele estabelece que   a capacitação jurídica de lideranças comunitárias são importantes estratégias de ampliação de estruturas alternativas às instituições jurídicas convencionais. Boaventura também menciona sobre as assessorias jurídicas universitárias populares e as advocacias populares.

Enfim, Santos traz para debate sobre a importância da transformação epistemológicas do Direito e da relevância da ecologia de saberes jurídicos e não apenas de uma dogmática jurídica do direito estatal, visto que este é responsável por produzir exclusões, domínios e desigualdades (o direito estatal é quase sempre expressão da vontade e do poder da classe dominante). As estruturas jurídicas devem ser amplas e diversificadas, para permitir que os seres humanos possam ser de fato “humanos”. As pessoas deveriam desconhecer a fome por meio do Direito, uma vez que leis poderiam ser aplicadas e não apenas positivadas para atender essa necessidade básica de qualquer ser humano. As pessoas deveriam conhecer a educação, pois o Direito teria de ser um elemento propulsor e assegurador da educação pública para todos. Mencionando assim, parece-me extremamente utópico, porém, abster-se nunca será a solução para um problema, devemos questionar e buscar formas, lutando, para que o Direito seja de fato um certificado de que de fato somos iguais e que de fato possuímos as mesmas garantias efetivadas.

LIVIA GOMES - TURMA 38 - NOTURNO

Pois é, Sara Araújo não estava equivocada em suas teorias!

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

O que acontece do lado de lá conta muito

O que acontece do lado de cá quase não conta.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

Norte é sinônimo de vida

E o Sul é sinônimo de não existência.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

O Sul foi silenciado pelo Norte

E o Norte domina as epistemologias globais como se o Sul não existisse.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

O projeto de hegemonia do Norte impacta as estruturas jurídicas

E o Direito se torna cada vez mais convencional.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

O Norte se globaliza e o Sul não

E o desafio de se pensar o Direito para além de uma perspectiva hegemônica torna-se uma batalha.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

O padrão civilizacional da modernidade é posto como parâmetro global

E a experiência não convencional e hegemônica é desperdiçada.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

A razão metonímica se intensifica com as cinco formas de monocultura

E alimenta, dá fôlego e estrutura as epistemologias do Norte.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

E as monoculturas tratam de homogeneizar princípios, inviabilizar culturas locais, desvalorizar tudo aquilo que não é expressão da acumulação capitalista, naturalizar desigualdades e igualar o tempo social ao cronológico.

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

A linguagem jurídica moderna legitima o modelo capitalista colonial dominante

E coloca como não válido os ordenamentos jurídicos que regem outras formas de culturas não convencionais.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

O modelo jurídico se torna cada vez mais técnico

E acaba por proteger mais ao mercado à vida.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

E tudo que foi mencionado pela autora se encontra presente nas estruturas sociais vigentes.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

E movimentos sociais não hegemônicos que lutam por seus direitos acabam por ser silenciados e massacrados pelo Direito imperante.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

E mais uma vez movimentos sociais como o MST luta, de forma constitucional, para alcançar os direitos previstos legalmente, mas que não são concretizados de fato.

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

E mais uma vez o MST é visto como bárbaros e utilizadores de “um meio inadequado de chamar a atenção das autoridades competentes para resolver o problema social neste país”

Bom, assim afirma o desembargador Luís Augusto Coelho Braga!

 

As coisas do mundo não caminham bem

A Terra foi dividida entre Norte e Sul

E as estruturas sociais dominantes, aqueles grandes possuidores de terras por exemplo, sabe?

Tentam (e quase em sua maioria, conseguem) utilizar das estruturas jurídicas para benefícios próprios.

 

Bem, não sejamos bobos, sabemos que isso acontece!

O Direito, em sua grande maioria, é instrumento dos poderosos, daqueles que dominam, daqueles que são convencionais.

As coisas do mundo não caminham bem.

Mas, ainda tenho fé. As coisas hão de se ajeitar

O Direito há de se constituir enquanto plural e ecológico

O Direito há de ceder lugar de fala aos oprimidos

O Direito há de se constituir enquanto uma “paisagem híbrida”.

 

A vitória do MST em um julgado realizado no RS demonstra que não podemos calar as vozes, não podemos cessar lutas e deixar de crer.

Acredito que ter esperanças na mudança das estruturas imperantes é um dos combustíveis (caro como a gasolina) para nutrir as lutas e batalhas contra essa epistemologia dominante que oprime.

Aquele que se enxerga inferior traz benefícios para as estruturas dominantes, pois quem se vê assim não reage ao domínio.

 

Sejamos resistentes! As lutas devem permanecer e a linha abissal deve cair!


LÍVIA GOMES - TURMA 38 - NOTURNO