domingo, 8 de agosto de 2021

 O Brasil tem um código de leis e, por seguirmos tal código, não podemos fazer o que estiver dito nele como errado, ou deixar de fazer o que ele dita mandatório, não sem sofrer as consequências. Tal código que distingue o correto do incorreto foi feito pelo homem, logo, o certo e o errado escrito ali provém da noção de moral dele próprio. Matar é errado, roubar é errado, não pagar a pensão dos filhos é errado, tudo isso positivado em nossa constituição. Porém, apesar de um prover do outro, eles nem sempre estão em sinergia.

Em teoria, não podemos ser punidos pelo Estado ou pela sociedade se não cometermos algum crime, porém, não é isso que se observa. Por exemplo, a partir de 1830 homesexualidade já não era mais crime no Brasil, porém, é evidente que a sociedade trabalha para punir e “por de volta nos trilhos” aqueles que são abertamente LGBTQ+. As formas de punição variam de não serem contratados para trabalhos, impedidos de demonstrar afeto em público e expulsos de casa até serem vítimas de violência física, psicológica e homicídio. Ser gay não só não é mais um crime para o Estado, como homofobia ainda foi positivada como crime, mas ainda assim a homossexuliadade não deixa de ser um crime para uma grande parcela da sociedade. 

O exemplo da homofobia é apenas um dos exemplos mais extremos, como o racismo e o machismo, mas essa coerção social teorizada pelo sociólogo Émile Durkheim se estende para até os menores aspectos de nossas vidas. Quantas vezes não nos perguntamos: O que vão achar de mim? O que vão pensar do meu cabelo, das minhas roupas, do meu corpo? Não há nada na lei que nos proíba de usarmos um certo estilo de roupa ou cabelo, não a nada que diga que não podemos pesar um peso x, no entanto, quando se observa que os assentos dos ônibus não são feitos para acomodar pessoas gordas, quando recebemos cochichos sobre nossas roupas ou somos recusados em empregos por um estilo de cabelo vemos que há, de fato, punições para quem foge das normas. 

Desse modo, observa-se que, apesar de termos uma constituição tecnicamente progressiva com relação à moral da sociedade, isso ainda não evita injustiça e preconceito. Podemos não sofrer nenhuma pena do Estado quando desafiamos as normas, mas estamos constantemente subjugados ao padrão coercitivo do corpo social. Enquanto tal padrão não mudar ou se adaptar àquilo que é novo ou diferente a repressão irá continuar.



Isabelle Carrijo Mouammar - Matutino


Depende, anomia.


  

Émile Durkheim é considerado por muitos um grande cientista social e pai da sociologia; o “grande” sociólogo das instituições. Para Durkheim, uma sociedade assemelha-se um organismo vivo, um ser biológico e como todo ser biológico, a sociedade precisa de um determinado e certo ordenamento para não colapsar, pensamento conhecido como funcionalismo sociológico. É inegável, ao meu modo de pensar, as contribuições de Durkheim para a conformação da sociologia, instituto este voltado a estudar, entender determinada organização social para que outras ciências ou autoridades públicas possam propor meios de intervenção social que resultem em melhorias na sociedade. É para isso que nasceu a sociologia. Umas das grandes preocupações desse sociólogo era de como a sociedade iria continuar inabalável diante das mudanças sociais, para ele, deve-se evitar a anomia (Ausência de normas, regras), ou seja, alguma mudança repentina na sociedade, pois levaria ao caos social. É importante acrescentar que Durkheim também aperfeiçoou o pensamento positivista de Auguste Comte. Dito isto, permita-me acrescentar, no parágrafo seguinte, uma conjunção adversativa, pois é necessária uma “anomia estrutural dissertativa” 

Entretanto, os pensamentos de Durkheim, em certo ponto, configuram-se uma patologia em nosso atual organismo social, segundo sua própria perspectiva sociológica. Digo isso porque muito dos pensamentos de Durkheim visava, em suma, manter uma sociedade “estável” diante das mudanças que toda sociedade sofre à medida que o tempo passa e uma das formas pensadas por ele, para manter o órgão em perfeito funcionamento, foi que, o indivíduo que transgredisse as normas seria punido, recuperado e reintegrado ao ordenamento social novamente. O “modelo” de sociedade que excluí pobres, pretos, indígenas, comunidade LGBTQIA+ e mulheres, enfim, as minorias, deve ser questionado constantemente para que a institucionalização da exclusão e opressão sutil seja rompida, se necessário, “que venha à anomia.” 

Vivemos em uma sociedade onde impera o regime ditatorial capitalista, que se esforça em nos ditar o que devemos comprar, vestir, ler, comer e manter uma vida, tipo “Sessão da Tarde”. Somos influenciados a levarmos um modo de vida norte americano, ou seja, um modelo de viver pautada pelo consumismo, a padronização social e a crença nos valores democráticos sociais. Outrossim, pensar em um “organismo” em que um operário tem seu lugar definido no corpo orgânico e uma eventual mudança dessa condição configuraria uma patologia (exemplo simplista, Durkheim) desse órgão, é uma piada de mal gosto de um pensamento fortemente influenciada pela burguesia. Logo, vemos que romper com um modo de vida ditado pelo pensamento americano de padronização da sociedade seria uma anomia para Durkheim, já eu penso que este modo de pensar é uma “patologia social”.   

Portanto, claro que podemos considerar Émile Durkheim um pensador que contribuiu para o amadurecimento da nossa sociedade, já que pensar em aplicar o mesmo método de pesquisa científica para estudar a sociedade, ajuda a compreende-la melhor e, com base nos resultados, corrigi-la se necessário. Porém, muitas dessas “contribuições, não todas, foram deletérias para a humanidade uma vez que foram deturpadas e salpicadas pelo pensamento ditatorial burguês e usadas inescrupulosamente por um sistema que oprime as minorias. A sociedade continua em constante transformação, pois somos naturalmente diferentes e às diferenças são justamente o que nos torna humanos e respeitá-las, mais ainda. Se a ‘tal” anomia for necessário para quebrarmos regras opressoras e supremacistas, estão precisamos da “tal anomia”.    

 

*Necessidade de causarmos o “caos” para quebrar regras sociais que oprime, excluí e condiciona nossa sociedade negativamente. Quebrei as regras. 

 

 

EDSON DOS SANTOS NOBRE 

1º SEMESTRE DIREITO/NOTURNO 

É possível se afastar de Omelas?

              No conto da escritora estadunidense Ursula Kroeber Le Guin, “Aqueles que se afastam de Omelas”, presente em sua coletânea “The Wind’s Twelve Quarters” (do inglês para o português: os doze quartos do vento) nos é apresentada uma sociedade prospera, na qual as pessoas são felizes e tudo parece funcionar na mais perfeita harmonia, porém, para que todo este conto de fadas que é Omelas vigore, é necessário que uma criança seja trancada no subsolo da cidade, sendo mantida em condições sub-humanas, sofrendo constantes agressões. Esta realidade não é escondida de seus moradores, muito pelo contrário, quando estes chegam à adolescência, são levados a um tour para que sejam expostos a essa situação e para que lhes sejam explicados que sua felicidade se baseia nisso. Tal situação inicialmente gera revolta e enoja os habitantes, no entanto, após alguns dias tentando encontrar maneiras de modificar a condição de vida da criança e falhando, estes já se acostumam com ela e a compreendem como necessária para a manutenção da felicidade de todos. A fantasia mistura-se como a nossa realidade cotidiana ao ponto que, todos os dias usamos roupas que compramos no fast fashions, mesmo não sendo segredo para ninguém que são produto de trabalhos infantis e análogos a escravidão, consumimos pornografia, aquela baseada em vários casos de estupro e pedofilia, comemos carne, derivados do leite, ovos, ainda que saibamos todos os maus tratos envolvidos na produção destes, tudo isso para a manutenção dos costumes, afinal, esta é nossa sociedade, é assim que aprendemos a agir para manter nossa felicidade, é o nosso fato social.  

              O conceito citado anteriormente pertence ao filosofo e sociólogo francês Émile Durkheim, sendo que, para ele, fato social seria a maneira de agir do indivíduo na sociedade e até os pensamentos por traz de tais ações, configurando assim, padrões culturais, uma vez que esses fatos sociais são externos ao indivíduo, sendo anteriores ao nascimento deste e, aquele que divergem das regras pré-estabelecidas pela sociedade na qual estão inseridos são punidos e rechaçados. Ou seja, é difícil libertar-se de um fato social, desde o momento que somos lançados ao mundo, ele já faz parte de nós e nós dele, nem toda regra social imposta por este é escrita, as mais poderosas nem precisam ser, uma vez intrínsecas no consciente coletivo de nossa sociedade e, para o próprio autor: “[...] ainda que, de fato, eu possa libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso jamais ocorreria sem que eu seja obrigado a lutar contra elas. E ainda que elas sejam vencidas, demonstram sua força coercitiva pela resistência que impõe [...]”.

              Ademais, outro conceito do autor que se pode observar no conto expresso previamente é o de organicismo, que implica na ideia de que cada instituição exerce uma função, como os órgãos do corpo humano, possuindo assim uma relação de interdependência para manter o organismo vivo, portanto, o garoto que precisa sofrer em prol da felicidade dos demais é mais uma instituição social presente nos mais diversos setores de nossa sociedade.

              Finalmente, o conto é finalizado com o trecho “[...] o lugar para onde se dirigem é ainda menos imaginável para a maioria de nós do que a cidade da felicidade. Eu realmente não posso descrevê-lo. É possível que não exista. Mas eles parecem saber para onde estão indo, aqueles que se afastam de Omelas.”, fazendo um paralelo com aqueles que tentariam se afastar da sociedade, negar os fatos sociais, seria isso realmente possível? Tem como viver em um mundo globalizado sem que sua felicidade dependa do sofrimento alheio? Por fim, parece que todos nós somos moradores de Omelas.


- Isabela Batista Pinto- Direito Matutino- Turma XXXVIII

É assim porque é.

Quando nasci, minha família me vestiu de branco, me entregou nas mãos de um padre e ele me molhou com água benta. Eu estava batizada, como todo católico deve ser. Nos anos seguintes, frequentei as missas, aprendi a rezar o “Pai Nosso”, assim como aprendi a usar vestido. Todos me diziam como eu ficava linda de tiara cor de rosa, mesmo que ela me incomodasse para brincar às vezes.

Aos cinco anos me matricularam nas aulas de ballet, eu amava dançar e  vestir roupas que me deixavam parecida com as princesas da Disney, porque elas eram o padrão de beleza no qual eu me espelhava. Entretanto, eu não me sentia confortável na companhia das outras bailarinas; elas eram mais magras, não comiam “porcaria” e tinham coisas caras que eu não poderia comprar. Era como se eu não pertencesse àquele lugar, mesmo que eu fosse apaixonada pela dança. Aos oito anos parei de fazer ballet.

Como bolsista numa escola particular, notei como essa mesma forma de tratamento se repetia. A “adesão social”, como chamada por Durkheim, não era completa, uma vez que os pais das outras crianças eram os donos das empresas e elas passavam as férias nos Estados Unidos ou na Europa, enquanto o meu pai era “só um empregado”. Muitas vezes pensei em alisar os cabelos para me parecer um pouco mais com as meninas da sala. 

Quando eu tinha 15 anos, minha família sugeriu que era hora de eu fazer crisma, já que eu deveria ser católica como eles. Todos os sábados pela manhã eu ia até a Igreja aprender sobre algo em que eu não sabia se acreditava; me contaram que a homossexualidade era um pecado e isso me fez chorar. Era doloroso ouvir “Deus criou o homem e a mulher”, bem como ver as princesas da Disney as quais eu tanto admirava se casando sempre com homens, enquanto eu só conseguia pensar na Isabella (que se sentava atrás de mim no nono ano).

Um dia, nas aulas de crisma, a catequista disse: “o padre é o único a realizar celebrações, uma freira não tem esse poder”. Essa afirmação não fazia nenhum sentido na minha perspectiva, por isso decidi perguntar as motivações dessa regra. Ela me respondeu que era assim porque era. Simples assim. As pessoas da Igreja passaram a me olhar com outros olhos quando questionei suas estruturas, não consegui enxergar onde estava o “amor” que eles pregavam. 

Um ano depois, mudei de escola; fiz novos amigos os quais, assim como eu, sentiam que não se encaixavam em lugar algum. Nesse mesmo ano, tomei coragem para beijar uma menina pela primeira vez e finalmente entendi o que era estar apaixonada, mas a culpa ainda me perseguia. Na verdade, essa culpa me persegue até hoje... Não vejo nada de errado em ser quem sou, porém ainda não fui capaz de contar para minha família sobre essa parte tão importante de mim. 

Nesse texto, há uma série de fenômenos apelidados, pelo sociólogo Durkheim, de fatos sociais, os quais se caracterizam pela forma como a sociedade, a partir de suas instituições, impõe padrões comportamentais na tentativa de manter um “equilíbrio”. 

Nunca me perguntaram se eu queria ser católica ou se eu acreditava em Deus; os vestidos e as tiaras foram presentes que não escolhi, não tem como ter certeza se realmente gosto de rosa. A magreza das meninas do ballet me fez desenvolver uma relação pejorativa com a comida, afinal ser magra como elas e as princesas é, supostamente, um sinônimo de beleza. Adquiri uma mentalidade mais consumista, pois meus colegas me disseram que roupas de marca é que tinham qualidade. Carrego o grande peso da heteronormatividade em minhas costas, em consequência das expectativas em mim engendradas pela família, pela Igreja, pela Escola e pelo restante do corpo social, todos exercendo sua função de oprimir o indivíduo.


Caroline Migliato Cazzoli - Direito Matutino - Turma XXXVIII

                                                                                                                 

Por que não posso te abraçar na rua?

 

Por que não posso te abraçar na rua?

Por que não posso te beijar na pista de dança?

Eu queria que pudesse ser assim.

Por que nós não podemos ser assim?”

Os versos acima são a tradução de um trecho da música Secret Love Song, do grupo Little Mix. A canção é dedicada ao público LGBTQIA+, e a letra é um desabafo sobre casais homoafetivos que não podem assumir seu romance.

Mas por que não podem?

Bom, no Brasil, realmente, a homossexualidade não é crime. Logo, em tese, todos são livres para demonstrar publicamente seu amor, independente do gênero. Na prática, contudo, a realidade é outra: xingamentos, socos, pauladas, lampadadas na cabeça… Esses são apenas alguns exemplos do que casais homoafetivos recebem simplesmente por andarem de mãos dadas na rua.

É que na nossa sociedade, é reprimido tudo aquilo que foge da cisheteronormatividade. Desde a infância os indivíduos são pressionados a seguirem esse padrão. Se um menino, por exemplo, possui qualquer comportamento fora desse modelo, como andar de maneira considerada afeminada, ele é punido por outros membros da sociedade, como familiares, vizinhos, professores e colegas de escola. Isso pode ocorrer por meio de apelos para que o sujeito mude seu comportamento (os famosos “deixa de ser gay!” ou “vira homem!”), xingamentos, exclusão e até mesmo agressão física. Essa realidade coage muitas pessoas LGBTQIA+ a tentarem se encaixar em tal norma, ocultando sua verdadeira essência. Além disso, mesmo as pessoas cisgênero e heterossexuais são pressionadas a agir de modo que sua identidade de gênero e orientação sexual não sejam colocadas em dúvida. Dessa forma, percebe-se que a cisheteronormatividade age como uma força coercitiva, a qual atinge todos os indivíduos independente da vontade deles, configurando-se, sob uma perspectiva durkheimiana, como um fato social.

Sendo assim, aqui está a resposta para os questionamentos feitos pelo Little Mix em sua canção: o que te impede de abraçar a pessoa amada na rua e beijá-la na pista de dança é um fato social. Quem ousar resistir a ele, enfrentará as punições resultantes disso.


Johann de Oliveira Plath, Direito Matutino - 1° ano.



Ir contra a coerção? Vem aí a sanção!

         Pela teoria de Émile Durkheim, os fenômenos são divididos em três: os orgânicos, que consistem em representações e em ações; os psíquicos, que só têm existência na consciência individual e através dela; e os sociais, que são um domínio próprio da sociologia, onde a teoria do fato social é relacionada, já que tem por definição todos os fenômenos que se dão no interior da sociedade, desde que haja um interesse social, possuindo existência própria, independente de manifestações individuais. 

        É neste último tópico que adentra a coerção, caracterizada pela pressão e/ou repressão que a sociedade exerce sobre o indivíduo pertencente a ela. “Somos então vítimas de uma ilusão que nos faz crer que elaboramos, nós mesmos, o que se impôs a nós de fora”, é o que Durkheim analisa sobre ela dentro do fato social. Ele continua a dizer que há um peso desde a infância, onde as crianças sofrem a mesma influência da sociedade que tende a moldá-la à sua imagem através de hábitos educacionais e de vivência em conjunto.

        Dentre os exemplos em que o sociólogo dá, para uma melhor abordagem do tema, há uma quebra de realidade dessa pressão que muitas vezes não é nem percebida e compreendida por cada um. A apreensão de como não podemos escolher a forma de nossas roupas, mas o seu uso é essencial e obrigatório, e é algo que já está implícito a nós desde a infância, porque fomos moldados a nos comportar da maneira que o senso comum da sociedade implica. 

        Porém, segundo Durkheim, “ainda que, de fato, eu possa libertar-me dessas regras e violá-las com sucesso, isso jamais ocorre sem que eu seja obrigado a lutar contra elas”, porque a força coercitiva é tremenda. Não existe, por exemplo, uma lei propriamente dita que obrigue o indivíduo a usar roupas, porque isso está subentendido em nossas consciências desde muito cedo, mas se alguém decidir andar nu pelas ruas ou em lugares públicos, será apreendido pela falta da vestimenta. 

        É o caso do britânico Stephen Gouch, conhecido como o andarilho nu. Em 2003, ele decidiu cruzar a Inglaterra e a Escócia sem roupa alguma, apenas com alguns pequenos acessórios no corpo, dizendo estar em um protesto sobre como a sociedade enxerga o corpo humano. Foi preso inúmeras vezes apenas na Escócia foram mais de 30 ordens de prisão e mais de sete anos de sentença e dentro do presídio, ele passou grande parte do tempo em celas solitárias justamente por recusar o uso de vestimentas. 

        Em todos os julgamentos que ganhou liberdade, ele sempre voltou com o mesmo ato, acabando por ser detido novamente. Seu principal argumento de defesa era sobre no Reino Unido não existir lei que impedisse expressamente alguém de andar nu e é bem aqui que entra o subentendimento coercitivo geral. Por fim, Stephen continuou nesse grande vai e vem por anos, até a mais recente condenação, em 2011, onde permanece atrás das grades, mostrando que ao ir contra a coerção, sua consequência será a sanção.

Camila Miranda Assi

Direito - Turma XXXVIII

Período Matutino





Um cenário não tão “social “

 Era um domingo, na grande São Paulo, do ano de 2018. Eu, meus pais e meus irmãos fomos à Avenida Paulista, para aproveitarmos a tarde, estacionamos o carro e descemos o coração de São Paulo. Fomos em direção ao cinema, e a primeira cena que vimos foi a de dois homens se beijando, meu pai ficou perplexo gritava, muito alto, sobre como aquilo era fora da norma estabelecida pela sociedade, e como já se viu dois “baitolas” se agarrarem em público, ferindo os bons costumes e os valores da sociedade brasileira. Eu com meus doze anos, não entendi a revolta e ira, e pensei comigo, afinal “ quais eram os bons costumes e valores da sociedade brasileira, que dois homens se beijando feriam? ”.

Na intenção de acalmar meu pai, minha mãe, eu e meus irmãos desistimos do cinema e fomos nos sentar em um banco do lado de fora. Ficamos uma hora observando os carros, as passagens e as pessoas. Meu pai parecia cada vez mais estressado, reclamava da roupa curta de algumas moças, da cor do cabelo e piercings de outros, da mãe solteira, enfim tudo parecia incomodar meu progenitor.

Assim, calados, fomos embora. No caminho em direção ao carro, um silêncio absoluto. Toda a minha família olhava para meu pai. Quando chegamos ao carro, no caminho de volta para casa, perguntei ao meu pai sobre seu incômodo, em relação às coisas que vira aquela tarde. Ele, mais calmo, respondeu que tudo aquilo que vimos não era normal, a sociedade não aceitava essas pessoas diferentes, que o certo era: um homem e uma mulher, roupas adequadas para mulheres decentes,pessoas com cores de cabelos normais e sem furos no corpo e mulheres com filhos casadas. Fiquei quieto.

No caminho para casa, refleti sobre a fala do meu pai, e cheguei a conclusão que tudo isso não importava para mim, afinal se as pessoas estavam felizes, qual era o problema?. Entretanto, não discuti com meu velho, pois ele parecia estar em um século diferente e não parecia aberto a se adequar às coisas incomuns à ele.


Alda Victoria Oliveira da Rocha- 1ª Semestre Direito Noturno

Antagonismo: Freire e Durkheim

 Durkheim é considerado um dos pais da sociologia, ao lado de Marx e Weber. Dentre as inúmeras teses desenvolvidas por ele, destaca-se o ramo do funcionalismo que busca  explicar a sociedade com base nas funções das estruturas sociais nela presentes. As funções sociais, para ele, devem conviver em harmonia a fim de construir uma sociedade coesa que siga as regras e padrões pré-estabelecidos sem grandes questionamentos e desenvolvimento de senso crítico. 

Para o sociólogo, o questionamento é perigoso porque estimula a mudança e reformulação das regras sociais e da própria sociedade, o que ele considera extremamente negativo porque a retira do convívio harmonioso e propício ao desenvolvimento. Dessa forma, a educação deve ter como principal papel manter a continuidade das regras estabelecidas, ensinando aos sujeitos a não questioná-las tendo em vista que as crianças devem aprender a conter suas vontades individuais em prol do bem coletivo e a manutenção da coesão social. Esse pensamento, vai na linha oposta a um dos maiores educadores brasileiros, Paulo Freire, que defende a educação como libertadora das amarras promovidas pela sociedade hierarquizada. Para Freire, quando a educação não é libertadora, ou seja, é desprovida de estímulo à reflexão e senso crítico, o sonho do oprimido é tornar-se o opressor, de forma que as desigualdades são acentuadas e a ordem é mantida.

Visto isso, tem-se na modernidade, com a ascensão de governos autoritários e conservadores, na América Latina, por exemplo, a tentativa de implantação de um modelo educacional que exclua o pensamento crítico e a “ideologia”, tirando matérias como Sociologia e Filosofia da base curricular obrigatória  e desestimulando os incentivos à pesquisa, principalmente nas áreas de ciências humanas e sociais. Dessa forma, a educação passa a ser o que Freire denominou de “modelo bancário”, em que os professores depositam seus conhecimentos e os alunos absorvem de forma pacífica e desprovida de criticidade. O que, como visto nos últimos anos no Brasil, levou a um aumento significativo da aceitação das desigualdades como inerentes ao sistema, da criminalização da política como forma de luta social e da manutenção dos privilégios e da concentração de renda.



Mariana Moreira Belussi - 1º semestre diurno


Durkheim previu a cultura de cancelamento

   Enquanto juízo de valores sempre houve, atualmente esse ato deu origem a um fenômeno que impõe de forma velada uma determinada norma de conduta, através da sanção do que se desvia de tal. Esse evento comum da modernidade, que principalmente se manifesta em redes sociais é denominado como cultura do cancelamento, sendo a mesma parte da progressão dos meios de controles sociais descritos pelo sociólogo Durkheim.

    Segundo o pensador, a sociedade, para manter os seus membros dentro dos padrões normativos por ela estabelecidos, pressiona os indivíduos por meio da ameaça de repreensão, seja por meios violentos como encarceramento ou por métodos sutís como ostracismo pelo resto da sociedade. Tendo em mente essa reflexão do pensador, percebe-se que a cultura do cancelamento, que ocorre quando algum comentário ou ação realizada, seja online, no mundo real ou em ambos, não sendo necessário que o ato seja recente. O caso de Scott Cawton, criador da franquia Five Nights at Freddy's, que foi cancelado após ter sido tornado público o fato do mesmo ter realizado doações monetárias à políticos de direita estadunidenses é um indicador de que esse fenômeno pode ocorrer devido ao mero posicionamento político de alguém, sem ter sido realizado crime ou ato convencionalmente considerado como imoral pelo cancelado.

    Todavia, a cultura de cancelamento pode ser uma ferramenta para forçar o afastamento e responsabilização de pessoas que cometeram atos hediondos, porém são acobertados devido a seu status social ou econômico, como o caso da empresa Activison-Blizzard, que não tomou providências a respeito dos inumeros casos de assédio sexual perpetrados por seus membros, culminando em uma maior visibilidade de tal problema e comprovando o potêncial desse fenômeno de ser uma ferramenta para a execusão de justiça contra aqueles que anteriormente eram dados como intocáveis. Entretanto é necessário a ressalva que do mesmo modo que a cultura do cancelamento pode promover uma responsabilização de atos criminosos, também pode causar a perseguição de alguém apenas pelo mesmo não aderir à mentalidade do grupo com maior presença social.

    É possível afirmar que a crescente presença do ocorrido aqui tratado é decorrente da necessidade da sociedade punir aqueles que a mesma julga como "errados", com seu aumento em uso sendo decorrente do sentimento cada vez maior na população de impunidade por aqueles que cometem crimes, principalmente quando estes são figuras influentes. Fatos como no Brasil investigações a respeito de corrupção, que mesmo quando resultando em prisão a cela do preso ainda é mais luxuosa que a casa de muitos brasileiros, ou EUA tendo um ex-presidente que abertamente incitou insurgência violenta de seus apoiadores após não aceitar sua perda nas eleições e mesmo assim não sofrendo represália significativa do sistema judiciário, colaboram para a criação desse sentimento de impotência da justiça. Logo, há o fomento do desejo de que justiça seja executada, resultando na cultura de cancelamento sendo utilizada como uma meio dos indivíduos saciarem esse anseio, mesmo que resultando em uma resposta desproporcional à suposta infração ou desvio da moral.

    Pela própria natureza punitiva do cancelamento, se enquadrando como uma sanção não violenta prevista por Durkheim, pressionando indivíduos pelo medo de represália à agirem do modo considerado como "correto" pela maioria, ou pelo menos pela parcela mais vocal sobre o que consideram como adequado e moral. Desse modo, o fenômeno também se qualifica como um fato social, por não depender da ação de um único indivíduo, forçar os membros da sociedade a aderirem a ele a partir do temor de uma sanção, nesse caso sendo o ostracismo e o estigma de ter sido cancelado, e ser amplamente presente e empregado no momento atual. Portanto, a existência da cultura de cancelamento é uma continuação do longo processo histórico da sociedade forçar de modos indiretos comportamentos que a mesma julga como adequados, tornando o ato de ser aberto com sua posição política sendo vista na contemporaneidade da mesma forma o período colonial enxergava uma mulher não ter ser casada após os 30 anos de idade: uma quebra do esperado e portanto motivo de exclusão do indivíduo dos círculos sociais e motivo de ridicularização.

 Rafael Nascimento Feitosa, Direito Diurno

    

A solidariedade mecânica no século XXI

      Émile Durkheim, um notável sociólogo do século XIX, revolucionou a maneira de se analisar o meio social humano, uma vez que instituiu o fato social como objeto de estudo na sociologia. Assim, para Durkheim, era função da sociologia estudar os fatos que demonstravam o agir do homem em sociedade, desde que tal ação fosse exterior ao indivíduo. Dessa forma, em conformidade com Auguste Comte, percebe-se que na análise social de Durkheim, os interesses coletivos possuem relevância em relação aos individuais, e assim, Durkheim classificou os tipos de relações sociais numa sociedade, e os intitulou de solidariedade mecânica, típica das sociedades pré-modernas, e de solidariedade orgânica, típica das sociedades modernas.

          Entretanto, apesar de Durkheim salientar que a solidariedade mecânica é típica das sociedades pré-modernas, é possível analisar que tal ainda está presente nas sociedades modernas do século XXI. Dessa forma, para caracterizar e exemplificar a solidariedade mecânica na século XXI, pode-se utilizar, entre muitas, da questão da homofobia, muito comum nos dias de hoje. Assim, na solidariedade mecânica, as normas da sociedade estão presentes na consciência dos indivíduos, a fim de fortalecer a moral imperante e reprimir comportamentos individuais considerados anômalos. Assim, percebe-se que a homofobia é um comportamento de represália da sociedade com o homossexual, o qual estaria ofendendo a consciência coletiva e causando a deterioração das regras que mantém o equilíbrio social.

                Assim, tal como ocorria nas sociedades menos complexas, o homossexual ainda é vítima de ataques e de difamação no meio social, típicas de uma justiça repressiva difusa, que não é exercida pelo Estado, mas sim por intermédio da própria sociedade. Dessa forma, é notável que a presença da justiça repressiva no século XXI é uma justificativa para os altos números de linchamentos, os quais no Brasil, atingem a média de um por dia, ceifando a vida de muitos homossexuais. Assim, destaca-se um caso de 2015, em que onze pessoas quase foram linchadas por suspeita de homossexualidade na Nigéria, aonde o próprio código penal previa a criminalização da homossexualidade.

                 Portanto, é perceptível que, no século XXI, há casos em que a sociedade utiliza da punição individual para tentar preservar o equilíbrio social, o qual fora ditado por ela mesma. Dessa forma, comportamentos individuais que configurem ameaças para a afirmação contínua da moral serão vítimas de justiça repressiva, com a finalidade de aniquilar o ato perverso e de preservar os "bons costumes".

                 ENZO MARIO SUGUIYAMA-1 ANO DIREITO MATUTINO

              

Necessidade do fato social

     Emile Durkheim, sociólogo francês do final do século XIX, definiu o objeto de estudo de sua disciplina como o “fato social”, isto é, os modos de ação tradicionais dentro de uma sociedade. São gerais, porque todos os praticam; coercitivos, já que se forem suprimidos haverá alguma pena ao omisso; e por fim, exteriores, pois não partem em si das consciências individuais, mas vêm de fora. Em poucas palavras, spartem de fora da mente pessoal e se generalizam, isso só se pode dar através da imposição. 

     Em seu livro “As regras do método sociológico”, ele aponta um exemplo esquemático de como estes fatos são impostos: todo o projeto pedagógico das escolas se trataria de condicionar a cabeça das crianças ao que pensam seus pais e professores, perpetuando valores e modos de vida. Não obstante, poderia esse processo ser diferente?

     Sabemos que, diferente dos outros animais, nós homens não possuímos grandes mecanismos físicos de defesa; não temos garras, dentes afiados, pelagem suficiente para suportar um frio mais intenso... o que possuímos, de fato, é a nossa inteligência e a nossa sociedade.  

     Ao longo da história, desenvolvemos tecnologias a partir da natureza selvagem que nos permitiram vencê-la e aumentar nossa prosperidade. Logo que nascemos, precisamos imediatamente do suporte de outras pessoas, justamente por essa falta de capacidades naturais. Todos nós fomos cuidados. Em resumo, o que leva nossa espécie adiante é a faculdade que possuímos de compreender e agir sobre o mundo e o ato de passar o que foi aprendido adiante. Assim as gerações dão às seguintes o que julgam possuir de melhor.


     É óbvio que esse julgamento nem sempre está correto, mas ao menos parece sinceroPor que um pai ensinaria ao filho algo que não lhe parecesse útil? Sobretudo a uma criança, uma folha em branco, como diria John Locke? A isso Durkheim chama de coerção - e a coisa parece mesmo ser um pouco como ele diz. Talvez seja só constatação. O ponto é que, se não for assim, não há civilização. Como reiniciar o pensamento a cada geração?


Rafael. M. P. Rosa de Lima - 1º semestre, noturno.