segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Um passo a mais para se ultrapassar a linha abissal

A jurista Sara Araújo, em seu texto “O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone” discorre sobre o Direito moderno ter sido criado para ser uma ferramenta de defesa e legitimação do Estado de Direito. Desse modo, uma ferramenta de defesa não apenas dos grupos dominantes, mas também de legitimação do pensamento capitalista neoliberal e colonialista que exporta a forma de conhecimento para o restante do mundo de modo a excluir qualquer produção de conhecimento contra--hegemônico. Em outras palavras, Sara Araújo compreende o Direito moderno como sendo o meio de reprodução daquilo que ficou conhecido como uma Epistemologia do Norte, ou seja, todo conhecimento produzido sobretudo pelas grandes potências capitalistas.

            Essas Epstemologias do Norte transcendem o Norte e atingem o Sul, tanto geográfico quanto social. Com isso, gera-se a exclusão de outras formas de conhecimento (as Epstemologias do Sul) que não condizem com aquilo posto pelo hegemônico. Isto é, a Epstemologia do Norte expande-se de uma forma falsamente global, uma vez que não abrange a universalidade das questões sociais, políticas e econômicas, sufocando e deslegitimando como ciências as demais formas de conhecimento. Nesse contexto, cabe às Epstemologias do Sul lutarem e serem mobilizadas afim de tornar o Direito uma ferramenta de justiça de fato, isto é, ser trabalhado para trazer dignidade e garantia de direitos a todos e não apenas aqueles que pertençam à classe dominante.

            Nesse sentido, quando se analisa a ADPF 467 MC/MG percebe-se claramente o confronto entre as Epstemologias do Norte e do Sul.

            Se por um lado encontra-se no Art. 2º, e 3º, caput, da Lei 3.491, de 28 de agosto de 2015, do Município de Ipatinga a proibição da “educação de gênero”, por outro há uma mobilização do Direito por grupos LGBTQ+ pela suspenção desses artigos.

            Traduzindo para uma linguagem menos jurídica, por intermédio de lei acima citada, o Município de Ipatinga, em Minas Gerais, objetiva excluir da sociedade civil grupos que não se enquadrem na normatividade hetero e cis. Todavia, os grupos agredidos por essa lei passam a mobilizar o Direito na tentativa de se legitimar suas próprias experiências que são invisibilizadas pela regência dessa lei.

           De forma resumida, a Arguição chega ao Supremo Tribunal Federal (STF) que defere o pedido de suspensão dos Arts. 2º e 3º da referida lei, a qual descumpre os seguintes preceitos fundamentais: “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3o, I); o direito à igualdade (art. 5o, caput); a vedação à censura em atividades culturais (art. 5o, IX); o devido processo legal substantivo (art. 5o, LIV); a laicidade do Estado (art. 19, I); a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV); o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, I); o direito à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (art. 206, II).

           Nesse sentido, apesar de a lei do Município de Ipatinga representar muito daquilo que se defende pelo Estado brasileiro atualmente, o STF proporcionou o entendimento de que tal lei fere muito daquilo que é defendido pelo Bloco de Constitucionalidade nacional, não sendo possível permanecer no ordenamento jurídico.

Vítor Salvador Garcia Lopes - MATUTINO

Nenhum comentário:

Postar um comentário