segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Resistências e exceções contra um pensamento abissal

Em 15 de outubro, uma propriedade foi invadida por pessoas integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra. Os proprietários da propriedade recorreram ao judiciário para uma ação de reintegração de posse, para que fossem restituídos na posse da área rural de sua propriedade. No entanto, o magistrado assentou a necessidade da demonstração do atendimento, pela propriedade, de sua função social. A decisão envolvia um conflito de direitos patrimoniais e pessoais, e o juiz, como intérprete da norma, aplicando o preceito abstrato à vida concreta, ponderou ser mais importante no caso a função social da propriedade. 

Apesar da função social da propriedade estar garantida na Constituição, com a finalidade de proporcionar um bem comum à toda coletividade, a decisão do caso citado acima ainda continua sendo uma exceção no mundo jurídico. Isso se deve ao fato de que o Direito se encontra inserido no modelo de pensamento moderno ocidental, a saber, o pensamento abissal. Trata-se de uma forma de pensamento que divide o mundo entre “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha” que desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. O mundo passa a ser compreendido por dicotomias impostas que invocam a ideia de caos/ordem, são pois, nutridas de uma lógica evolucionista, que sobrepõe diferença, inferioridade e anacronismo. E o Direito vêm ser uma das manifestações mais bem estabelecidas desse pensamento, no qual há uma linha abissal que separa o legal e ilegal, sendo estas as únicas formas de existência relevante perante a lei. Sobre isso Sara Araújo diz que “o Direito moderno ignorou ter um lugar de enunciação e reivindicou universalidade e poder para definir o futuro global”. 

Visto como o Direito é uma invenção ocidental, constitutiva do mito de ocidental do progresso, um localismo globalizado, as denominadas Epistemologias do Sul que são “o outro lado da linha”, não representam apenas o silenciamento, o sofrimento causado pelo capitalismo, colonialismo e patriarcado, mas também são a resistência, “em que cabe uma multiplicidade de conhecimentos excluídos do mapa e desperdiçados pela modernidade”. São as epistemologias do Sul que podem lutar por uma maior justiça. Justiça esta que é verdadeira, pois inclui na discussão  não apenas um visão, mas universos jurídicos e políticos excluídos, em que os dois lados são levados em conta, como na decisão tomada acima.


Luisa K. Herzberg 

2º semestre Direito matutino 

Turma XXXVIII

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 30 de nov. de 2021, 17h26

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