domingo, 12 de dezembro de 2021

Para o Direito, a questão da raça importa?

A palestra intitulada "A questão da raça em Achille Mbembe", ministrada pelo Professor Jonas Rafael dos Santos, navega pelas ideias do grande pensador camaronês, autor de grandes obras, dentre elas, “Crítica da Razão Negra”. Obra lançada em 2013 que podemos colocar como uma espécie de releitura da obra “Crítica da Razão Pura”, de Immanuel Kant, lançada ao final do século XVIII. Uma palestra riquíssima para estudantes do curso de Direito, mas para aqueles que visam adentrar em questões sociais além das proporcionadas pelo tecnicismo. Uma análise na abordagem sociológica do tema, mas não apenas, já que a reflexão deve partir do âmbito jurídico e nele que nos deparamos com o seguinte questionamento: a questão da raça importa?!

Neste ponto podemos iniciar nossa análise, visto que, o Direito Moderno foi um grande responsável pela reprodução dos ideais coloniais capitalistas e racistas, disseminados pelo mundo através do imperialismo europeu. Uma construção histórica baseada nas relações de poder, que se utiliza do princípio da raça como um  organizador da sociedade capitalista. Na concepção de Mbembe, Raça é o nome dado àquilo que se possui ojeriza, raça é uma ficção útil do racista, aquele que se afirma pelo ódio contra qualquer outra determinação ou forma de sociedade que não julga digna ou um espelho de si. Assim, podemos dizer que a invenção do Negro, como uma raça inferior, foi essencial para a acumulação do capital, ao passo que o Direito foi determinante na formação deste sistema opressor. Aos que foram arrancados do solo africano para desembarcar, escravizados, a serviço do sistema capitalista.

Deste modo, homens e mulheres são esvaziados, transformados em mercadoria em um momento histórico de acumulação do capital, entre os séculos XVI até meados do século XIX. Os marcos para que ocorressem um rompimento no ideal racista em sua forma mais degradante a condição humana, podemos citar a revolução haitiana, fim do trafico de escravos e posteriormente, o desmoronamento do Apartheid na África do Sul. Porém, isso não significa que o Negro deixou de sofrer racismo devido a cor de sua pele, atualmente, no sistema neoliberal que impera sobre nossa sociedade, o ideal racista deixou de possuir apenas atributos biológicos, agora se coloca de modo funcional. Uma funcionalidade que pode ser observada pela incorporação do sistema, transformada por novas designações raciais. Designações estas, que Mbembe chama de Necropolítica, ao qual o Estado Neoliberal se organiza atualmente. 

A partir deste argumento, o autor camaronês cita a Faixa de Gaza como o grande paradigma da Necropolítica. Um sistema de poder que opera sobre os indivíduos, decretando quem vive ou quem morre, espalhando desigualdades e operando um ideal de sociedade, punindo e disseminando preconceitos para qualquer forma de determinação que não seja a hegemônica. Neste ponto, podemos caminhar na forma em que o Direito atua para buscar novas soluções, um longo e árduo processo que exige resignificar a história. Uma luta contra hegemônica para atribuir valores aos quais foram ignorados ou subentendidos por séculos. Se o Direito opera para o sistema, faz-se necessário trabalhar para transformá-lo. Mbembe diz que um dos caminhos passa por dar o protagonismo à África, resignificando sua história, seu povo, aqueles que se desenvolveram lá, ou para os milhões espalhados pelo mundo das diásporas. 

Uma luta global contra o racismo e o modo funcional no qual o sistema neoliberal age sobre todos nós. Por isso, demanda uma abordagem a partir de um triângulo de experiências racistas no mundo ocidental: A brasileira, a americana e o na forma que ocorreu na África do Sul. Só assim, será possível uma luta global e não limitada pela forma americana, atualmente, a mais difundida e exposta como um padrão racista. Tanto, que nosso Direito, muitas vezes apenas reprodutor de outras experiências precisa abandonar a condição de colônia para ditar a regra a partir da nossa realidade, expor a concepção racista de sociedade oriunda do capitalismo que se formou na Europa e criar novas formas independentes acerca da questão em que o racismo estrutural se originou no Brasil. 

Por esses e vários outros argumentos presentes no texto, podemos dizer que, no Direito, a questão de Raça importa, na medida em que toda sociedade se estruturou economicamente e socialmente através destes aspectos e para superá-los devemos dar a atenção necessária ao tema, sem generalizá-lo, sem deixar que o usem para manipular e mantém a sua dominação. Atingir uma nova forma jurídica que possua parâmetros legais que superem tal lógica opressora. Deste modo, a Raça importa até ela deixar de importar, ou seja, até que ela não seja a ferramenta provedora de desigualdades as quais visualizamos por vários séculos.

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