segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

 Sara Araújo em seu trabalho, explicita de forma muito inteligente e interessante a desigualdade abissal presente na sociedade. Abismo esse que se configura tanto de forma jurídica como epistemológica, tal diferença conceituada como sul e norte, onde o norte é dominante e sempre atuando para excluir o sul das ideias age de forma para garantir a ordem colonialista.

As sociedades ao redor do mundo todo sempre elegeram seu norte ideológico, jurídico, moral etc., sempre segregando quem esta as margens da ideia dominante, Sara justifica que temos que inverter essa lógica e rever conceitos, mudar cânones e principalmente descontruir o primado da ideia nortista que sustenta o colonialismo e o capital, ou seja, avanços precisam ser feitos. O indeferimento da ação de reintegração de posse da fazenda primavera nos dá um horizonte que mudanças podem ser feitas (mesmo dentro do capitalismo) para fortalecer ideias do sul e garantir direitos frente a investida colonialista.

Tal horizonte de vitorias mesmo dentro do capitalismo é referenciado por outros autores além de Sara, Alysson Mascaro é um claro exemplo. E qual vitória é essa? Essa vitória chama “função social” que está presente em nosso ordenamento jurídico desde 1934. Antes de 1934, principalmente durante as constituições de 1824 e 1891, o colonialismo interno e oligarquias preenchiam todo o direito e deixava as margens todos aqueles que não faziam parte do grupo dominante. Trabalhadores poderiam passar gerações em um pedaço de terra sem ter seus direitos ou proprietários poderiam deixar grandes latifúndios parados mesmo que milhares precisam dessas terras. Na época o direito à propriedade era absoluto e isso perpetuava a sociedade excludente e colonial, mesmo após a independência.

As lutas campesinas e dos trabalhadores resultou na lei de função social da propriedade, mesmo dentro do sistema colonial, a população conseguiu uma luz, um dispositivo anticolonial, contra hegemônico para fazer de suas lutas um pouco mais justas. E é através da luta pela função social que os proprietários Plinio Formiguieri e Valéria Dreyer Formiguieri perderam suas propriedades para trabalhadores por não cumprirem com a função social da propriedade no artigo 5 da constituição de 1988. Tal artigo expõe a vitória do sul jurídico frente ao pensamento jurídico burguês colonial, como diz Sara “Se a justiça social global depende da justiça cognitiva global e se esse objetivo envolve um exercício de ecologia de saberes que combate o desperdício da experiência (Santos, 2007), exige, também, um exercício jurídico epistémico que permita o reconhecimento da pluralidade jurídica e dos seus 

significados políticos sem sobrepor diferença e desigualdade.”

Na parte do voto de indeferimento do desembargador Carlos Rafael dos Santos Junior ele demonstra sensibilidade em fazer justiça e desafiar o norte ideológico, remetendo a fala de Sara quando diz “Nessa atividade, muitas vezes, de há de buscar novos rumos, não nos satisfazendo com a interpretação jurídica tradicional. Periodicamente é necessário revisar conceitos, adequando-os aos novos fatos, de nova época, e sob contexto diverso daqueles existentes não apenas ao tempo da criação da norma, mas principalmente quando da fixação da exegese sedimentada.” 

Em geral ainda existe um abismo abissal entre o sul e norte jurídico, entretanto votos como o de Carlos no caso da fazenda primavera mostra que a luta e ocupação do direito pode render bons frutos. O importante é não nos darmos de satisfeitos, precisamos continuar a preencher o direito com nosso sul epistemológico para que novas funções sociais sejam angariadas.

João Vitor Pereira de Oliveira- direito diurno

Nota da Monitoria: texto enviado por e-mail no dia 06 dez. 2021, 11h25

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