domingo, 5 de dezembro de 2021

ANÁLISE SOBRE O CASO DE APOLOGIA DE ESTUPRO NA UNIFRAN

 

Analiso o caso ocorrido em 2019 em que o Ministério Público de São Paulo ajuizou uma Ação Civil Pública Cível contra Matheus Gabriel Braia por danos morais coletivos e danos sociais. Matheus havia promovido, num trote, entonações de cunho machista, pornográfico e misógino contra mulheres ali presentes.

A Juíza responsável decidiu por julgar improcedente a ação. Ela alega que, após uma longa argumentação, “não se pode presumir que o comportamento do requerido, dirigido a um grupo específico de pessoas, seja uma agressão dirigida a todos os indivíduos do sexo feminino”, e, portanto, não sendo o caso o crime de danos morais coletivos e/ou sociais.

A partir da perspectiva expressa no episódio, remeto à ideia de Sarah Araújo sobre o pensamento moderno, que estabeleceria uma divisão tácita entre o “nós” e o “eles”: uma “linha abissal” que separa este lado do de lá. Nesse contraste, vemos um lado representando a ótica hegemônica, ou seja, dominante; enquanto a outra, uma minoria desconsiderada e silenciada.

Explica a autora que referida estrutura da realidade social é alimentada por monoculturas, que seriam formas de legitimação e blindagem das relações de opressão. Dentre as monoculturas, há o tipo da “monocultura da produtividade”, a qual consiste na desconsideração de um pensamento “d’outro lado” por ser considerado “improdutivo”.

Isso me faz refletir sobre como que ao longo de tantos anos, num tribunal, o “ele disse” pesava mais do que o “ela disse”. Pelo fato de a voz vir de uma mulher, não se dava relevância ao valor da fala por se tratar de uma reivindicação pertinente “do outro lado da linha abissal”, favorecendo a conservação de valores dominantes. Seria, por acaso, o caso analisado um exemplo moderno daquele costume?

Quão quanto observamos as relações de dominância, mais conhecemos a força dos interesses dominantes no direito, reagindo às reivindicações e conquistas do lado desprivilegiado. Julgam uma afronta à “ordem natural”, mantendo o direito ainda espelhado nas monoculturas que reproduzem a linha abissal – que apenas promove desigualdade.

Dessa forma, como uma ação contra-majoritária, é necessário que incentivemos uma luta tendendo no sentido de fazer com que o caráter universalizante, único, do direito seja substituído em favor do reconhecimento da pluralidade de direitos e justiças “sociedade a fora”, a fim de que os mesmos passem a ter uma posição muito mais marginal do que central na sociedade, produzindo toda uma pluralidade de direitos que há no mundo.

O caso mencionado serve como exemplo para argumentarmos em defesa dessa importância de nos mobilizarmos a favor de uma produção às mulheres de uma verdadeira ecologia de direitos e de justiça que vão, por sua vez, solapar as monoculturas, desmantelando a linha abissal entre homens e as mulheres.

É realmente triste lermos no julgado que “o requerido reproduziu ideias que remetem à cultura do estupro, estimulando agressão e violência”, sem que tenhamos como resposta à altura algo que faça justiça às mulheres ali presentes.

Fernando Carvalho

Noturno

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