segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Análise da medida cautelar de Ipatinga com Boaventura Santos


    O autor Boaventura de Sousa Santos, em sua obra “Para uma revolução democrática da justiça”, destaca a necessidade de tornar o direito, cada vez mais, um recurso disponível para o acesso social. E a fim de demonstrar a existência de novas institucionalidades que buscam uma perspectiva contra hegemônica, Boaventura destaca instituições que podem representar a possibilidade de construir uma perspectiva emancipatória dentro do Estado.

    Dentre essas instituições, tem-se como exemplo a Defensoria Pública, órgão que possui um papel contra hegemônico, podendo entrar em confronto com outros órgãos. Ainda nesse sentido, essas institucionalidades dão mais uma perspectiva ao espaço dos possíveis, idealizado por Pierre Bourdieu, almejando ampliá-lo em busca de proporcionar um posicionamento contra o desperdício das diversas experiências.

     E atrelado ao tópico de diversidade, em outubro de 2019, o Ministro Gilmar Mendes, julgou uma “Medida cautelar Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ajuizada pela Procuradoria-Geral da República”, petição essa para concretizar a proibição da “educação de gênero” em Ipatinga – MG. Na documentação realizada pelo relator, encontra-se o seguinte trecho:

Outrossim, observa-se a existência de periculum in mora, tendo em vista o desenvolvimento de ações educacionais em contrariedade a todas as normas internacionais, constitucionais e legais acima transcritas, com a possível ocorrência de prejuízos irreparáveis para a formação dos alunos.

A passagem em latim presente periculum in mora expressa que o pedido deve ser julgado procedente com urgência ou imediatamente suspenso o efeito de determinado ato ou decisão, para evitar dano grave e de difícil reparação. Na perspectiva do magistrado, o comportamento desviante que essa educação pode causar necessita de uma urgente interferência. Na obra de Boaventura, essa conduta do ministro enquadra-se no conceito de morosidade ativa – define a ação dos magistrados –, que juntamente a morosidade sistêmica constroem a qualidade da justiça.

Ainda na documentação apresentada acerca da decisão sobre o assunto, uma passagem explicita a incoerência de classificar tal posicionamento como inconstitucional:

Nesse ponto, cumpre registrar que a ausência de debate sobre questões envolvendo sexo e gênero não equivale à suposta “neutralidade” sobre o assunto. Na verdade, reflete uma posição política e ideológica bem delimitada, que optar por reforçar os preconceitos e a discriminação existentes na sociedade. Ademais, não há estudos científicos ou dados estatísticos que sustentem a posição que a discussão sobre essas questões estimule ou promova a adoção de comportamentos denominados “erráticos” ou “desviantes”, de acordo com uma pauta de valores tradicionais.

    A decisão do ministro sem o confronto de instituições que promovam um papel contra hegemônico, possibilita que atitudes baseadas em uma morosidade ativa subjetiva sobressaiam sobre tópicos que necessitam de uma ampliação e mobilização muito mais abrangente do que infelizmente é na atualidade. O sistema criado pelo poder estatal almeja exclusivamente uma estabilidade, impossibilitando que temas diversos e essenciais sejam debatidos. Por isso, Boaventura pontua a necessidade de uma transformação epistemológica no ensino jurídico, porque, assim, será palpável que ocorra uma “ecologia de saberes jurídicos”, proporcionando uma pluralidade de interpretação.

Maria Fernanda Barra Firmino – 2° semestre


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