terça-feira, 30 de novembro de 2021

O pensamento do Sul no agravo n° 70003434388

    O Direito moderno é um espelho dos acontecimentos gerados pelo sistema capitalista vigente. A Europa se tornou o palco central de sua atuação e com o colonialismo e o imperialismo, sua visão sobre essa ciência se tornou absoluta, sendo considerada universal, correta e preponderante. É nessa perspectiva que Sara Araújo argumenta em seu artigo, que essa concepção hegemônica é considerada como Norte do pensamento, que torna invisível e exclui as que não vão de acordo com sua lógica de sua concepção, as consideradas como Sul, dado que são excluídas e desmoralizadas.

    Posto isso, ela explica que no pensamento moderno existe uma linha abissal que divide o mundo, sendo separado em “deste lado da linha” com o “outro lado da linha”. O primeiro refere-se ao Norte e o outro ao Sul, sendo dessa maneira dividido o que é agregado ao pensamento (deste lado da linha) e o que não é (o outro lado da linha), ou seja, o que pode ser descartado ou não. Todas as formas de conhecimentos hegemônicos, isto é, os que contribuem para a perpetuação das influências do Norte são aceitas, enquanto as que querem quebrar com essa visão, como o conteúdo sobre a descolonização, são marginalizadas e podendo ocorrer um epistemicídio (morte das formas não hegemônicas).

    Dessa maneira, pode-se analisar o agravo n° 70003434388, em que ao Movimento Sem Terra (MST) invadir uma propriedade sem função social e os proprietários terem a reintegração de posse recusada na corte, esses últimos entraram com um recurso contra a decisão. O que se esperaria nesse caso é a revogação da sentença anterior, dado que os latifundiários são considerados Norte por serem privilegiados e serem os propulsores do eurocentrismo e de sua hegemonia, sendo concedida a reintegração de posse. Porém, o que ocorreu foi o contrário, os juízes (em sua maioria) decidiram continuar com o veredicto anterior, a de não proceder a reintegração.

    Esse resultado mostra um pensamento não hegemônico por parte da maioria dos juízes que votaram. O primeiro magistrado reflete em novas formas de pensar o Direito, se distanciando do tradicional (o que seria o pensamento do Norte) e vota com perspectivas do Sul, a de aderir a trabalhadores sem terra, que são marginalizados por essa característica. O segundo tem a mesma decisão, mas voltado para o Constitucional, em que não havia função social da terra e por isso poderia ser usada por outros para que tivesse renda. Já o último, tem uma visão voltada para o Norte, de que aqueles trabalhadores são invasores, que violaram um preceito constitucional e quebraram a paz social, votando pelo deferimento da liminar.

    À vista disso, como diz a autora, é preciso de um pluralismo jurídico no mundo atual, como um instrumento de descolonização e a introdução de diversas culturas e pensamentos nesse âmbito. Com ela, a razão metonímica, a parte hegemônica sendo universal e a invalidez das demais manifestações, fica contestada e perde força, tendo um ambiente como o do julgado analisado, em que outras formas de pensamentos foram utilizadas e o pluralismo prevaleceu. Assim, o método da ecologia do direito e de justiças é a transcrição dessa negação da predominância do norte e a aceitação dos pensamentos do sul, sendo essencial na atualidade para que cenários plurais iguais ao do agravo n° 70003434388 sejam recorrentes no Direito.


Camila Gimenes Perellon - 1° ano matutino

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