terça-feira, 30 de novembro de 2021

Desconstrução do direito eurocêntrico na visão de Sara Araújo

A concepção de Sara Araújo sobre o direito moderno é atribuída aos discursos que impõem uma continuidade da prática colonial, uma linguagem jurídica com modelo capitalista, a qual traz uma modernidade associada à neutralidade de um mundo homogeneizado.

Destarte, a estrutura do direito ocidental que alega a superioridade de suas instituições, marginaliza as sociedades e culturas que não se adequam ou se encaixam ao padrão imposto pelo legado dos paradigmas coloniais, desta forma, “o pensamento moderno impõe e estabelece os limites de uma linha abissal que divide o mundo entre o universo “deste lado da linha” e o universo “do outro lado da linha¹”. (p. 95-96)

Assim, entendemos que existe dois lados que o dividem, aquele estabelecido pelos “donos do poder” que almejam a perpetuidade das epistemologias do Sul, centrado em princípios únicos de verdade, e por outro lado, um público que clama pela desconstrução do cânone hegemônico, que buscam implementar o pluralismo jurídico.

  Nesta perspectiva, para superar o modelo eurocêntrico que coloca o capitalismo acima das demandas dos grupos vulneráveis, que está engessado no centralismo jurídico e no patriarcado, a autora acredita que o pluralismo jurídico seria o instrumento imprescindível para democratização da justiça, ferramenta capaz de descolonizar e excluir as hierarquias impostas por este sistema moderno, abrindo caminho para o reconhecimento da diversidade e transformações dos direitos na sociedade.

Posto isto, podemos identificar através das lutas de inúmeros movimentos sociais o grande papel do pluralismo jurídico, assim, a análise da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF nº 54, nos denota o enfrentamento de uma justiça patriarcal pelo direito da mulher que queira optar pela interrupção da gestação nos casos de fetos anencéfalos.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu que o direito da mulher em escolher não seguir a diante com a gravidez de um feto sem cérebro (ausência de crânio e encéfalo) não caracteriza crime de aborto conforme legislação penal brasileira, desse modo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde propôs a ação para que o órgão judiciário declarasse “a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.²”

Em síntese, o julgado supracitado é claramente um exemplo de mudança que as mulheres almejam, sair de um direito opressor em que o homem é o detentor de sua voz, onde a religião dita o certo e o errado, e a classe social atua como garantidora de “escolha” de uma minoria. A dogmática que afasta o argumento da saúde pública, do direito de decisão que cabe apenas a titular de seu corpo, ainda é realidade que precisa ser levantada pelo ordenamento jurídico. Essa desconstrução surge a partir de debates que mostram os interesses dos cidadãos, presente em um Estado altamente heterogéneo, que necessita lutar contra o colonialismo.

 

Joyce Mariano Santos - Noturno


¹ ARAÚJO, Sara. O primado do direito e as exclusões abissais: reconstruir velhos conceitos, desafiar o cânone. Sociologias, v. 18, p. 88-115, 2016.

² Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Anencefalia. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde Voto do Min. Ricardo Lewandowski. Plenário. Relator: Min. Marco Aurélio Mello. Brasília-DF, j. 11/04/2012j. Informativo do STF.

 

 

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