domingo, 7 de novembro de 2021

A mobilização da Justiça numa tentativa de garantia de direitos

 Após o período dos regimes autoritários no Brasil e na América Latina, instaurou-se uma nova forma de organização política: a democracia neoliberal. Esta é marcada principalmente pela ampliação dos textos constitucionais e dos direitos neles contidos, além da maior ausência do Estado nas relações sociais. Com essas modificações, o acesso à justiça passou a ser uma necessidade, especialmente quando o Estado Democrático se vê incapaz de garantir a todos os cidadãos os direitos previstos na Constituição. Isto leva o indivíduo a procurar e a enxergar no judiciário a possibilidade para a solução de seus conflitos. 

O teórico e magistrado francês Antoine Garapon expressa essa ideia ao dizer que “Chama-se a justiça no intuito de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno.” e que esta mesma justiça “[...] se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada” (p. 139, 1999). Diante disso, é transferido ao judiciário a ideia de que este seria o único responsável pelo resgate da justiça. A autora Ingeborg Maus, apesar de apresentar um visão diferente sobre esse aspecto, converge sua análise com o pensamento de Garapon ao apontar que: 


A Justiça aparece então como uma instituição que, sob a perspectiva de um terceiro neutro, auxilia as partes envolvidas em conflitos de interesses e situações concretas, por meio de uma decisão objetiva, imparcial e, portanto, justa. (p.190, 2000)


Esse fenômeno apontado pelos autores recebe o nome de judicialização, no qual os tribunais, e o sistema de justiça como um todo, passam a ter destaque em decisões que antes eram resolvidas no âmbito político ou social. Na maioria dos casos, o juiz - como principal representante do judiciário - assume o papel de árbitro dos bons costumes e da moralidade política, sendo requisitado a exercer um certo magistério ou tutela em relação aos indivíduos mais frágeis. Isso se dá por medidas judiciais que obrigam os governantes, e o Estado de maneira geral, a cumprirem o que já está positivado na lei. 

A exemplo disso, é possível citar o Recurso Extraordinário 580.252, analisado pelo Supremo Tribunal Federal em 16 de fevereiro de 2017. Nele se debatia a questão da preservação - como um dever estatal - de direitos fundamentais de detentos em estabelecimentos carcerários e que, caso fossem descumpridos, seriam obrigatoriamente sujeitos a ressarcimento. Os autores do pedido recorreram à Constituição Federal que em seu art. 1º estabelece a dignidade humana como fundamento de sua composição e no art. 5º inciso XLIX  assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. Por fim, o Tribunal fixou a seguinte tese: 


“Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de  encarceramento”.


Assim, é possível observar que em casos como este, os indivíduos necessitam mobilizar a justiça para que o Estado cumpra o que está já positivado na Constituição de 1988. Dessa forma, ir aos tribunais possibilitou um acesso mais rápido e efetivo aos direitos que foram negados a essas pessoas, contribuindo para a democracia, não a prejudicando. 

Em oposição a isso, tem-se o ativismo jurídico no qual o magistrado age por si só, ou dá uma interpretação descolada da realidade, deliberando por motivos de convicção ou crença pessoal. Este sim pode ser responsável pelo enfraquecimento do Estado Democrático, posto que esta arbitrariedade do juiz pode ser usada em benefício próprio ou de um determinado grupo social.  

Por fim, pode-se concluir que a judicialização é algo inerente e até mesmo orgânico às sociedades modernas e os problemas que nelas ocorrem. Contudo não é correto afirmar que esse fenômeno seja de tudo prejudicial para a democracia, mas sim uma forma de se garantir com mais rapidez a efetivação de direitos. 




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


GARAPON, Antoine. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999.


MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na "sociedade órfã". Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n. 58, p. 183-202, nov. 2000.


http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2600961





Ana Beatriz da Silva - 1º Ano Direito - Diurno


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