segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Pinheirinho e OAB: o choque com Loureiro

    Em 2004, iniciou-se a ocupação de um terreno previamente inutilizado no município de São José dos Campos por centenas de pessoas sem lar próprio, dando origem ao bairro de Pinheirinho. Entretanto, a Selecta, empresa de massa falida de Naji Nahas, entrou na justiça com um pedido de remoção dos habitantes do local e a reintegração da posse. Esse embate de interesses entre os moradores de Pinheirinho e a Selecta teve seu clímax em 2012, quando, após a juíza Márcia Loureiro decretar que o bairro fosse desocupado, ocorreu a retirada forçada das famílias que residiam no local em uma operação policial que é alvo de diversas críticas por sua atuação violenta no cumprimento da ordem judicial. Esse embate, além de ser mais um episódio de embate entre diferentes classes sociais por um mesmo espaço, também levanta questionamentos sobre os fatores responsáveis pela decisão favorável à Selecta da juíza Loureiro, visto as irregularidades presentes no caso, como a apesar da massa falida da Selecta ter desistido da reintegração de posse em abril de 2011, ainda houve a aprovação desse mesmo pedido e ordem de remoção imediata dos habitantes de Pinheirinho. Ademais, o posicionamento contrário da Ordem dos Advogados do Brasil de São José dos Campos (OAB/SJC) à tal decisão também demonstra que a disputa supratranscrita não é um mero choque de classes unificadas em um único objetivo, havendo subgrupos dentro delas com interesses que nem sempre são concordantes.

   Enquanto indiscutivelmente a disputa entre Pinheirinho e Nahas é uma nítida demonstração de um confronto entre a classe trabalhadora e a elite econômica, o caso também serve como um claro exemplo da complexidade da atual conjuntura desses mesmos grupos, visto, como anteriormente dito, a manifestação contrária à decisão judicial por parte da OAB/SJC. Esse posicionamento adverso por parte dessa organização é consolidado  pela publicação do Ato dos Juristas em Defesa das Famílias do Pinheirinho, no qual há questionamento à decisão da supracitada juíza e como tal foi cumprida, em um claro movimento em favor de Pinheirinho. Entretanto, os integrantes da OAB/SJC não são pertencentes à mesma classe econômica dos habitantes do bairro em questão, visto que, por serem parte da elite nacional dos advogados, possuem condições econômicas mais abastadas que os de Pinheirinho, assemelhando-se mais nesse aspecto a Nahas. Mesmo assim, ainda são contrários ao desfecho do julgado, demonstrando que, apesar de serem próximos desses grupos, pelo menos no quesito da condição financeira, não é meramente esse fator que será decisivo em suas decisões. 

    Essa sobredita disparidade não se limita apenas entre a Ordem dos Advogados e a supracitada empresa, podendo também ser percebida pelo entendimento diferente que o da juíza Loureiro a respeito da disputa jurídica de Pinheirinho, com a OAB/SJC defendendo o lado dos moradores do bairro enquanto a jurista favoreceu a empresa de Nahas, novamente demonstrando a pluralidade de disposições dentro de um mesmo grupo, nesse caso o dos juristas. Tal diferença de posicionamentos pode ser compreendida por uma discordância entre os habitus dos integrantes do grupo e da juíza, ou seja, como definido pelo sociólogo Pierre Bourdieu, a síntese de disposições decorrentes da cultura, experiência, meio no qual se encontra e outros fatores que influenciam na tomada de decisões dessas duas entidades pode ser utilizado como uma parte da explicação para esse ocorrido. Dentre os componentes do habitus de Loureiro que a motivou em sua contestada decisão favorável à Selecta, vale ressaltar as referentes ao próprio Naji Nahas. Mesmo que alvo de acusações de ser responsável pela quebra da bolsa de valores do Rio de Janeiro em 1989, e ser preso pela Operação Satiagraha da Lava-Jato em 2008, o nome do empresário ainda possui grande poder simbólico, seja por seu elevado poder aquisitivo, conexões com figuras importantes, o próprio ser uma personalidade conhecida ou uma junção desses fatores, tornado a possibilidade de ter havido uma parcialidade por parte da juíza devido à esse poder simbólico uma possibilidade que não pode ser descartada.

    Desse modo, há a real possibilidade de que houve uma interferência externa no campo jurídico, por meio da pressão simbólica que o envolvimento de Nahas pode ter exercido sobre a decisão de Loureiro, que favoreceu a Selecta e, como levantado pelo delegado Protógene Queiroz, responsável pela prisão do empresário em 2008, ao site da Carta Capital, beneficia diretamente Naji Nahas. Logo, surge a dúvida de se o habitus da juíza Márcia Loureiro em sua decisão foi influenciado pelo prestígio ou poder financeiro de Nahas, visto que a subseção de São José dos Campos, cidade entre ocorreu o caso, da entidade máxima de representação dos advogados brasileiros, responsável também pela regulamentação da profissão, publicou um documento em que fortemente discorda dessa resolução, revelando que tal decisão não foi aceita com unanimidade mesmo no grupo, os juristas, em que Loureira pertence.

Rafael Nascimento Feitosa, 1° ano de Direito

Nenhum comentário:

Postar um comentário