sábado, 7 de agosto de 2021

Dom Quixote não fez nada de errado

        Durkheim ainda que rejeitasse formalmente muitas ideias de seu antecessor, Augusto Comte, absorveu seu método e tentou refiná-lo. Sua proposta para os estudos da sociedade, os quais ele próprio inaugurou como matéria acadêmica com o nome dado por Comte; Sociologia, era extremamente similar às dele em muitos aspectos. Seguindo a tendência de sua época, seu método era uma tentativa de cientificizar este campo de estudos por meio de realiza-los baseando-se em dados quantitativos. Teorizando ele que assim, seria possível prever com exatidão quais seriam os efeitos sociais que um dado fato acarretaria, como um aumento da miséria, do desemprego ou qualquer outro.



        Em seu estudo sobre o suicídio, ele buscou verificar a tese de que o suicídio é um ato pessoal. Nela, analisando os dados, descobriu que existiam predisposições para taxas mais altas para certos grupos de pessoas: católicos se suicidavam menos que protestantes, casados menos que divorciados, cidadãos de países mais estáveis menos do que cidadãos de países turbulentos etc.. Porém também notou que quando elas aumentavam ou diminuiam, o faziam proporcionalmente ao seu número inicial. Um país que aumentasse em 20% seu número de suicídios em dado ano, quando estudados os dados mais profundamente, se descobria que os suicídios de católicos, protestantes, casados, divorciados e outros haviam subido em porcentagens semelhantes uns aos outros, ainda que o número absoluto fosse diferente, o que indicava que este aumento era resposta a um fator externo, que ainda que amenizado ou potencializado em seus números por características próprias dos váriados grupos, era comum a todos percentualmente. Comprovando assim, ser este não mais um ato puramente pessoal, pois se assim fosse, esta variação seria randômica entre os componentes dos diferentes grupos.

        Uma das causas sugeridas por ele como causa dessas variações era a desintegração social causada pela sociedade moderna, onde os laços tradicionais entre as pessoas por meio da religião, da família e da comunidade próxima começam a ruir em face as novas dinâmicas sociais da vida moderna, acreditando ele que esta ruína poderia ser remediada com a substituição orgânica destes laços por novos baseados na necessidade de cooperação para a produção nos regimes modernos de divisão de trabalho que esta nova sociedade impõe.



        Porém isto não é o que se apresenta na realidade moderna. Esta crescente modernização das relações criou sociedades doentes, composta por indivíduos literalmente doentes e isolados de seu meio. Hoje não é raro encontrar pessoas que nunca tenham conversado com seu vizinho, ainda que sejam vizinhos há anos, e muito menos raro é descobrir que estas mesmas pessoas tomam anti depressivos ou ansiolíticos diariamente por se sentirem muito sozinhos. A total interação social diária de um crescente número de pessoas do mundo moderno se resume a meia dúzia de palavras trocadas com o caixa do mercado ou da padaria antes de voltar para a mais absoluta solidão em uma sociedade que não se importaria se esta pessoa morresse, obviamente causando graves danos psicológicos e emocionais decorrente desta forma de “solidão compartilhada” do mundo moderno.



        Além dos danos psicológicos desta desintegração, pode ser citado o agigantamento do papel do estado na vida social. Anteriormente relegado a situações de conflito violento, como briga de vizinhos e violência doméstica, hoje é de seu papel em alguns países legislar sobre a altura da cerca de um jardim, horário permitido para uso de equipamento de construção barulhento, como furadeiras ou martelos, que apesar de terem mérito em sí, poderiam e seriam resolvidos há 50 anos atrás com uma breve conversa entre vizinhos ou uma discussão na associação de moradores do próprio do bairro, que nem sempre era amigável, mas que era muito mais próxima e menos robotizada do que a inflexível frieza de uma regra estatal a ser imposta por policiais a quem sequer quem chama conhece.

        Portanto se mostram objetivamente superiores as formas de vida tradicionais para a organização social de forma pacífica e amigável, bem como para a saúde mental e psicológica de seus integrantes. Um radical poderia dizer que a sociedade industrial somente serviu para a perda pelos povos do pouco de liberdade e vivência comunitária que tinham para a concentração de riquezas em grandes grupos por trás das indústrias, empreendimentos de grande porte e seus lacaios na esfera pública em troca de farelos de conforto alienante, que os algema ainda mais à esta cadeia nefasta de produção irracional de bens e serviços que mais e mais claramente se revelam como sendo pagos discretamente com a alma, saúde e liberdade de seus compradores.




Rafael C. M. Martinelli, Direito, Noturno, 1º Sem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário