segunda-feira, 9 de agosto de 2021

Consciência coletiva e a falsa necessidade de submissão a ordem

    Nascido em 1858, o pensador francês Émile Durkheim consagrou-se como clássico da sociologia por desenvolver um método autônomo e rigoroso - do ponto de vista científico - para analisar os acontecimentos que movimentam a sociedade. Em conformidade com o positivismo de Augusto Comte, Durkheim estabelece a necessidade de um rigor metodológico, que deve ser adotado pelo sociólogo, como é feito pelo químico e o biólogo por exemplo, a fim de construir uma ciência social sólida. Valendo-se dessa abordagem, o sociólogo elabora o que viria a caracterizar seu trabalho na opinião popular contemporânea: a teoria dos fatos sociais.

    Em sua obra “As Regras do Método Sociológico”, Durkheim define os fatos sociais como: “... toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou, ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter”. À luz dessa ideia, o objeto de estudo da sociologia é geral, coercitivo e exterior, logo, se apresenta através de regras gerais, responsáveis por definir o modo de agir dos indivíduos. Sua característica exterior faz com que os fatos exerçam uma força sobre os homens, sem que estes sejam capazes de modificá-los com o uso da ação individual.

    As relações de parentesco, o casamento, o papel de cada membro em uma família, a utilização de vestimentas, os rituais religiosos e a organização política são alguns exemplos práticos da existência de uma consciência coletiva que determina o pensamento e a conduta adotada pelas pessoas em dadas situações. Nesse sentido, pensar o fato social é também analisar o contexto cultural, uma vez que cada conjuntura possui seus próprios costumes e crenças e, por conseguinte, determina diferentes normas de comportamento. Assim sendo, mesmo que não sintam a presença dos fatos sociais por já estarem habituados a eles, os seres humanos sentirão sua força ao tentarem transgredi-los, por efeito das punições.

     Em sua obra “Da Divisão do Trabalho Social”, Émile Durkheim discute a evolução organizacional e o papel do Direito nas diferentes comunidades. Tendo como base o conceito de solidariedade – noção de pertencimento a um coletivo e garantia da coesão social - o sociólogo investiga a organização das sociedades em dois momentos distintos, separando as menos complexas das modernas. Segundo sua teoria, as primeiras, também chamadas de pré-capitalistas, são caracterizadas por uma solidariedade mecânica, por isso, tem sua coesão mantida por hábitos e tradições, haja vista que a divisão do trabalho era muito simples. Por outro lado, em uma conjuntura mais complexa, a solidariedade estabelecida é orgânica. Graças a especialização do trabalho exigida pelo modelo econômico, a manutenção da harmonia se dá através dos laços de interdependência entre as pessoas, o que corrobora para a compreensão da realidade como um organismo vivo, que necessita que os diferentes órgãos cumpram suas funções para o seu bom funcionamento.

    Bem como a solidariedade, o direito adquiriu diferentes funções com o passar do tempo. A princípio, exercia um papel de repressão dos atos nocivos ao coletivo, mediante o exercício de sanções de cunho vingativo por toda a sociedade, visando a conservação daquilo que é universalmente aceito. Com o advento do capitalismo, essa área assumiu outras particularidades, pois agora tem o objetivo de restituir o que foi perdido e estabilizar a ordem social abalada. Nas sociedades de diferenciação funcional, a consciência coletiva perde espaço para a individualidade, o que demanda uma aproximação técnica do direito, juntamente com a valorização do amor e da solidariedade em detrimento da difamação.

    Infere-se, portanto, que muitas foram as contribuições de Durkheim para o desenvolvimento e consolidação da sociologia tal qual conhecemos hoje, contudo é preciso observar suas teorias com um olhar mais evidente. Ao afirmar que os fatos sociais devem ser analisados sob um rigor metodológico similar ao das ciências naturais, o pensador corrobora para a perpetuação de um conservadorismo do método, dando continuidade às ideias positivistas. Ademais, a metáfora que ele utiliza para relacionar a organização da sociedade às funções vitais de um organismo põe em cheque a necessidade de reprimir toda e qualquer ação que interrompa, interfira ou transforme as leis e o curso natural da vida social, conformando-se com as condições pré-estabelecidas e admitindo uma postura antirrevolucionária. Análogo a isso, a manutenção do bom funcionamento do organismo justifica as diferenças resultantes da divisão do trabalho, naturalizando as desigualdades sociais sob o discurso da necessidade de todas as funções - mesmo que permitam o trabalho em condições insalubres, sem regulamentação ou garantia de direitos básicos – e preservando no imaginário popular a urgência da conservação da ordem social burguesa.

Giovanna Cardozo Silva - Turma XXXVIII - matutino

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