segunda-feira, 5 de julho de 2021

LEMA CAPITALISTA: CONHECER PARA DESTRUIR

A evolução da ciência não é algo individual e instantâneo, sabemos que ela é coletiva e gradual. Sócrates dava “luz” às ideias através da prática discursiva e dialógica, estilo que ficou conhecido como maiêutica ou nascimento das ideias. Platão, discípulo de Sócrates, organizava os pensamentos filosóficos por intermédio de diálogos, já que em sua época era muito comum organizar as ideias em forma de poesia/versos, pois, Platão acreditava que através do diálogo seria possível chegar a um refinamento das ideias, método esse que ficou conhecido como dialética. Aristóteles definiu o ser humano como um “animal portador da palavra, que pensa”, isto é, “animal racional”. Para ele, a filosofia seria a atividade mais digna a ser escolhida pelos homens, uma vez que o homem, através dela, exercita sua faculdade racional, logo, a prática do amor a sabedoria. René Descartes, por outro lado, critica o pensar filosófico uma vez que atua apenas no âmbito subjetivo, não produzindo ações concretas para as resoluções das demandas sociais, o que chamou de esterilidade do saber, sendo aclamado como o grande fundador do racionalismo. Francis Bacon, pensador empirista, acreditava que só a razão não seria suficiente para fazer conhecimento, uma vez que a experiência sensorial se posicionava como imprescindível para o conhecimento real, mais fidedigno. René Descartes e Francis Bacon, são considerados os grandes fundadores do pensamento moderno e os pensamentos de ambos exerceram, e exercem, grande influência na constituição do conhecimento moderno. Dessa forma, maiêutica, dialética, filosofia, racionalismo e empirismo são concepções distintas, em alguns aspectos, porém, inegavelmente complementares e que contribuíram para a ciência moderna. No entanto, a relação do homem com a ciência moderna tem sido pautada pelo binômio conhecer para destruir, eis a grande verdade.

É notório a contribuição do racionalismo e do empirismo para o Método Científico e para o bem da raça humana, já que a intenção era que o conhecimento estivesse a serviço do bem da humanidade, mas uma percepção apenas mecanicista do conhecimento tem sido mais deletéria do que benéfica para a humanidade. O filme “Ponto de Mutação” - dirigido pelo diretor Bernt Amadeus Capra -  história que se desenvolve entre três personagens: uma física, indignada com o uso do conhecimento científico para fins bélicos; um ex-candidato à presidência dos EUA, buscando uma plataforma política para definir em um futuro pleito eleitoral e um poeta que sofreu uma desilusão amorosa -, filme cujo um dos conceitos apresentados é o pensamento mecanicista, pensamento este que é manifestado no filme através de um relógio, que nos permite fazer um paralelo de como percebemos o conhecimento científico, na qual focamos apenas nas partes, sem correlacionar todas as variáveis que possam interferir no resultado final de um conhecer científico, produzindo assim um conhecimento fragmentado, portanto, questionável do ponto de vista social. O filme faz oposição a esse pensamento e procura ver na realidade as relações existentes entre cada parte como um todo, faz uma visão sistêmica e holística do conhecimento, ou seja, é a partir de uma visão holística e expansionista que é idealizado o conhecimento. O filme relaciona o conhecimento construído com as mazelas do mundo, como o uso do conhecimento para construir bombas atômicas, poluição do ar, rios e refere-se explicitamente a destruição da Floresta Amazônica, mostrando que a ciência construída, considerando apenas o todo, tem refletido negativamente em todos.  

Vemos que a máxima “saber é poder” continua servindo para propósitos dominadores e exploratórios, uma vez que o conhecimento científico tem sido apropriado para a manutenção do poder do regime ditatorial neocapitalista. Ademais, a forma como percebemos as ciências, o próximo, a natureza e o mundo têm sido cruciais para explicar os “porquês” das atrocidades perpetradas sutilmente pelo regime capitalista. Estamos, aos poucos, perdendo nossa humanidade e esquecendo o verdadeiro propósito de Descartes e Bacon para o conhecimento científico. Essa “crise de percepção”, narrada no filme “Ponto de Mutação”, pela personagem Sônia, é explicada quando à personagem diz: "nunca nos ensinaram sobre ética e responsabilidade na faculdade", e acrescenta: "nunca nos ensinaram a sabedoria dos indígenas americanos, que tomavam decisões pensando na sétima geração"; estamos nos esquecendo de olhar para as futuras gerações; estamos perdendo a sensibilidade humana. Visão mecanicista, sistêmica, enfim, a humanidade esqueceu a essência da “razão” de fazer ciência, não compreenderam o que os filósofos pré-socráticos, socráticos e cientistas modernos como Descartes e Bacon nos deixaram de mais valioso, que era criar uma ciência orientada pela razão e pela experiência, livre de sentimentos, para auxiliar a vida. Entretanto, sucumbimos à religião dominadora do presente século, o capitalismo, com sua trindade terra, trabalho e capital; coloniza, domina, explora, usurpa e mata. A teoria mais apropriada para explicar a relação do homem com a ciência seria a de Nicolau Maquiavel, que certamente se regozijaria em ver sua "ciência" predominando, ou seja, a prática acima da ética para a manutenção do poder, a ditadura capitalista ama-o.

Por conseguinte, nossa percepção de mundo está corrompida, nossa humanidade está ameaçada. O cientificismo não é a salvação da humanidade; não isoladamente. Estamos vendo os pensamentos e trabalho daqueles que contribuíram para a ciência moderna sendo deturpados pela ganancia do capital. A luta pelos interesses individuais preconizadas por Adam Smith prepondera sobre os interesses coletivos, científicos e humanitários de Descartes e Bacon. Os antigos tinham uma visão contemplativa da natureza, nós, porém, utilitarista. Karl Marx estava certo.


Edson dos Santos Nobre - 1º semestre de direito noturno 

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