domingo, 27 de junho de 2021

NO BRASIL O NEGRO NÃO VIVE, ELE SOBREVIVE  

Pode-se indagar que Descartes e Bacon ficariam abatidos ao se depararem com as questões sociais vigentes no Brasil. Esses filósofos modernos foram uns dos responsáveis pela formulação da ciência moderna, sendo, inclusive, os autores que inauguraram o método científico moderno. Uma das grandes preocupações de ambos era alcançar a superação de uma forma de conhecimento meramente contemplativa e atingir, por meio da ciência, uma transformação social. Eles desejavam criar uma ciência cujo conhecimento fosse ativo, e pudesse contribuir para aliviar e melhorar a condição humana. Contudo, é perceptível que o método científico aplicado no Brasil tem sido falho e insuficiente para aparar inúmeras questões sociais.

O Brasil configura-se como um país patriarcal, racista e desigual. Ao analisar a questão ético-racial no territorial nacional torna-se evidente como os negros sofrem discriminação, preconceitos e marginalização. São indivíduos que não possuem seus direitos plenamente reconhecidos. E enquanto isso, muitos insistem em dizer que o Brasil é um país democrático e que não existe racismo no país. Não seria esse pensamento um dos ídolos da mente de alguns, assim como mencionava Bacon? No qual se antecipam ao que é real e racional e criam especulações irreais sobre o mundo? Pois, se vivemos em um país onde 75,5% das pessoas assassinadas são pretas ou pardas, é quase que indiscutível a questão da não existência de bases democráticas no país e a presença do preconceito racial.

Abraham Lincoln, ex-presidente dos Estados Unidos da América declarava que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. No entanto, lastimavelmente, não é isso que se percebe no território brasileiro, uma vez que um contingente extremamente considerável de indivíduos está desprovido de seus direitos. A população negra brasileira, por exemplo, precisa preparar-se diariamente para um combate. Um combate contra a abordagem policial, um combate contra a diferença na oportunidade de empregos, um combate em como a pobreza se reproduz entre eles, um combate na desigualdade de acesso à justiça, um combate de dificuldades no ingresso ao ensino superior. Enfim, um combate de sobrevivência diária. O negro no Brasil não vive, ele sobrevive.

Quando a abolição da escravidão ocorreu no Brasil, os negros foram literalmente colocados na periferia da sociedade, a abolição não inseriu o negro na estrutura social do país. Uma pessoa negra não possui as mesmas condições e oportunidades que as brancas possuem. O racismo foi e é vergonhosamente ignorado por muitos na nação brasileira. Somente em 1988, depois de exatamente um século da abolição, a Constituição nacional determinou o preconceito e discriminação racial como crime inafiançável e imprescritível. Porém, mesmo positivada, a lei quase sempre não é posta em prática.

E é exatamente por um indivíduo negro não possuir as mesmas condições e oportunidades que os brancos, que as políticas de ações afirmativas se tornam extremamente relevantes no país. O antropólogo e professor brasileiro-congolês Kabengele Munanga, por exemplo, sustenta a necessidade de implementar políticas de ações afirmativas no Brasil, como as cotas raciais, e menciona que estas seriam medidas compensatórias e que tentariam atenuar as desigualdades sociais do Brasil. É evidente que o Brasil possui uma injustiça social que não foi superada até hoje. Se as desigualdades raciais tivessem sido superadas no território nacional, certamente as conclusões sobre a utilização das cotas raciais seriam outras.

Portanto, a revisão da Lei de Cotas ocorrerá no país por que possuímos um método científico concreto e eficiente para buscar medidas alternativas de aumentar os indivíduos negros na universidade, seja esse método moldado pelos parâmetros cartesianos, seja ele embasado em prerrogativas baconianas, ou por que possuímos uma elite branca que não suporta perder seus privilégios? Não é irônico que um grupo majoritariamente branco esteja presente para realizar essa revisão da Lei de Cotas no país?

Certamente, essa revisão deve seguir os pressupostos de Bacon e Descartes, fazendo a inclusão de avaliações regulares por meio de dados quantitativos e aspectos qualitativos. Sobre o método cartesiano, pode-se utilizar das prerrogativas de questionamento, pois, assim como menciona o autor, questionar algo é o primeiro passo para atingir o conhecimento, e, portanto, alcançar transformações sociais. Assim, deve-se interpelar: o Brasil superou o racismo existente e a população negra não sofre mais desigualdades? Se a resposta for sim, certamente as cotas raciais não possuem fundamentos. Mas, como a resposta é, lastimavelmente, não, as cotas raciais são mecanismos importantes de inclusão dos negros em um dos vários ambientes em que estão excluídos, e devem permanecer no país.  Em relação ao uso do Novo Organum, ou seja, o novo método proposto por Bacon para se atingir bases sólidas e reais de conhecimentos, faz-se necessário o uso do chamado por ele de “Interpretações do mundo”. Esse método consiste em investigar e trazer elementos da concretude para sustentar uma dedução. Por exemplo, ao analisar dados, números e estatísticas podemos perceber que os negros são hoje no Brasil o grupo étnico-racial mais pobre e com menor nível de escolaridade. Também são os que mais morrem assassinados e são as maiores vítimas da violência policial.

Portando, seguindo as atribuições dos grandes autores que inauguraram a ciência moderna, pode-se afirmar que não se justifica do ponto de vista racional a realização de qualquer distinção entre pessoas, porém, justifica-se do ponto de vista histórico e experimental brasileiro. Em outras palavras, a política de cotas raciais não significa indagar que os indivíduos negros são menos capazes do que brancos e sim que é extremamente covarde colocar duas pessoas com bases educacionais extremamente gritantes para concorrer igualmente. É como em uma maratona olímpica, seria completamente fora das normas colocar os competidores para disputarem saindo de linhas de largada diferentes.

Lívia Gomes, 1º ano direito noturno 

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