domingo, 6 de setembro de 2020

Carta ao amigo

Caraguatatuba, 06 de setembro de 2020. 
 
Querido amigo, 
 
Como você está? Sua mãe melhorou daquela dor de estômago? Espero que vocês estejam todos bem na medida do possível 

Bem, escrevo a você, pois acredito que não há ninguém mais capaz de compreender minha revolta e minha dor. Lembra-se de Rita? Aquela sempre bem humorada, que você atendeu na última semana no cartórioEla foi assassinada. Assim como Dandara, Soraya e Branca. Seu corpo foi encontrado próximo ao rio com marcas de apedrejamento e violência sexual.  

Sim, meu amigo, mais uma. Ou menos uma. Pego-me refletindocotidianamente, sobre a cultura que permite que essas barbaridades ocorram, que cultura é essa que dá sentido a ações tão desumanas e para mim, inexplicáveis. Aquele capaz de tal monstruosidade se valeu de qual objetivo, eu indago. Gostaria que pudéssemos ensiná-los a comportar-se, não apenas compreender o que pensam. Será que poderíamos, um dia, conduzir esse entendimento à política e, assim, transformá-lo? Será que seríamos capazes de levar essas demandas para que essa cultura brutal se modificasse pelo menos um pouco? São pensamentos que me veem à mente a todos os momentos.  

Sinto-me tão acabado, tão inerte. Como eu almejo ser poderoso, meu caro, pois ninguém naqueles espaços tão renomados sentem a destruição que pulsa dentro do meu ser a cada amiga perdida. Não há ao menos uma lei específica para as atrocidades que foram cometidas contra elas. E provavelmente nem haverá. Todos aqueles sentados nas cadeiras luxuosas, todos aqueles que dominam nosso direito estão ocupados demais em sua cosmovisão para se importar com uma travesti. Dizem que somos iguais perante a lei, mas a quem se referem quando dizem iguais? Afirmam que temos direito à vida, então por que não se importam quando as delas são perdidas? Esse direito é o que se espera, mas jamais será o que ocorre. E, enquanto isso, uma por uma se vai, enquanto um por um domina mais algum espaço por meio dele.  

Espero que você tenha compreendido o que gostaria de ter dito. Faltam-me palavras para expressar tamanha devastação e revolta. 

Aguardo sua resposta com muita dor e pesar,
 
F.B.

Marina Colafemea - 1° ano do Direito - Noturno 

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