domingo, 6 de setembro de 2020

A escravidão assalariada idealizada e o tipo ideal de Weber.


            Já faz certo tempo que postei um texto analisando a figura na classe média no capitalismo e essa análise me deixou reflexivo no que tange a dominação entre burguês e proletariado, principalmente por uma parcela considerável acreditar que os direitos trabalhistas da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) são ferramentas que, na verdade, atrapalham. Pode-se usar, como exemplo, o movimento anarco-capitalista (ou ANCAP) que, por mais que tenham virado motivo de ridicularização nas redes sociais, insistem em confirmar a tese de que, na realidade, o Estado não deveriam existir, somente as empresas capitalistas deveriam reger a vida social de todos.

            Ainda que sejam um grupo pequeno, esse tipo de pensamento me incomoda. Essas características se assemelham muito com o inicio do capitalismo, nas revoluções industriais, onde praticamente não havia nenhum tipo de legislação trabalhista e o trabalho era praticamente escravo, sem regulamentação de horas, sem salário mínimo, sem indenizações por danos físicos, simplesmente nada. O trabalhador mais parecia um escravo do que um assalariado, apesar de praticamente ganhar nada. E é essa figura que me assusta quando grupos ANCAP afirmam que o Estado não é necessário. Como que iriam sobreviver esses trabalhadores? Fazendo greves? Como eles iriam fazer greves se o empresário pode demitir todos que participarem e contratar novos mais “comportados”?

            Acredito que precisamos montar um modelo dessa relação social. Um modelo ideal. Não, um tipo ideal, como propunha Max Weber, que propunha uma essa ideia justamente para estudo. Estabelecer, no plano ideal e perfeito, mas objetivo, uma construção mental que racionaliza todas (ou a maioria) as variações de possibilidades do real. Assim posto, o primeiro elemento que me chama atenção (e que já fora citado anteriormente), e a diferença de poder existente entre o burguês e o operário. Um deles possui os meios de produção, tudo aquilo que é necessário para todo o comercio: as máquinas e a matéria prima. Mas essa personagem não tem quem controlar as maquinas. Para isso tem-se o operário. Parece (note que não usei o termo “é”) uma relação igual. Parece que só a presença de um contrato de duas páginas e nenhuma lei são necessários para firmar uma boa e segura relação entre ambos. O problema é que as regras do capitalismo se aplicam a essa relação também, principalmente porque força de trabalho também um produto a ser vendido (uma espécie de mercantilização do indivíduo) e, como bem se sabe, quanto maior a disponibilidade, menor o preço. E é assim que se forma essa relação. O burguês vai pagar o mínimo possível para seus empregados visto que, se ele não aceitar, há quem queira.

            Além disso, a corrente filosófica do iluminismo também acaba propondo algumas justificativas do trabalho assalariado, principalmente pelo movimento econômico do liberalismo. A ideia de um Estado mínimo que não interfira na economia (e nas relações de trabalho) e a de livre-mercando, regulando-se a si próprio, também se refletem nessa venda de mão de obra. “Ora, o salário miserável pago aos trabalhadores é apenas resultado das concorrências, não se pode culpar o patrão por buscar um produto barato” disse o liberal. Esse baixo salário foi tendo sua visibilidade alterada ao passar do tempo por uma visão burguesa, obviamente. Viu-se necessário o aumento do mercado consumidor e, para isso, os trabalhadores também precisam consumir. Essa busca por consumidores foi uma das influências da abolição da escravidão no Brasil, por exemplo.

            Também se notou necessário uma articulação religiosa, um formulador da moral coletiva. Nesse aspecto, nenhuma doutrina fora mais importante do que o calvinismo, um movimento teológico protestante que teve importância fundamental para essa mudança no paradigma do trabalho. João Calvino, fundador desse movimento, afirmava que sua vida eterna já estava predefinida por Deus, que sabe de todas as coisas, e uma das formas de se saber esse tal resultado é através da prosperidade do indivíduo. Ora, para se alcançar essa prosperidade, é necessário que o indivíduo trabalhe, e trabalhe muito.

            São essas três relações sociais, formando um tipo ideal que se renova atualmente. O burguês, o trabalhador, a moral religiosa e a economia. Todos esses elementos ressurgiram com algumas situações e certos movimentos. O Movimento Brasil Livre (MBL), por exemplo é um dos representantes desse pensamento neoliberal, creditando ao Estado toda a culpa por todos os prejuízos econômicos existentes. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi um desses ícones, tutelado por Paulo Guedes a aplicar o modelo neoliberal que havia sido estruturado no Chile e que dera muito certo (ou quase isso). Obviamente há diversas formas de resistência no que tange esse tipo ideal: o ludismo do século XVII por exemplo, ou os sindicatos, ou os grupos socialistas, mas não se pode negar o Estado não pode simplesmente sumir. Na verdade, podemos ver o que acontece quando um novo recurso surge e o Estado ainda não é capaz de regulamenta-lo no caso do entregador Thiago de Jesus Dias, que sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em 2019 e a empresa Rappi para a qual trabalhava não forneceu nenhum tipo de suporte, apenas solicitou o cancelamento das viagens programadas dele. Esse é o novo operário do século XXI.

Murilo de Oliveira Botaro - 1° Ano Direito Noturno

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