quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Score

 

    A ficção exposta em Fifteen Millions Merits[1], pode, em primeiro momento, chocar o expectador. O episódio de Black Mirror mostra um mundo onde grande parte dos humanos pedala para gerar energia elétrica, com o intuito de receber alguns créditos, que podem ser trocados por comida, melhoramentos nos dormitórios ou itens virtuais para os avatares das pessoas.

    Na obra, grande parte das interações sociais ocorrem em ambiente virtual, gerando assim uma espécie de mercado, onde os usuários podem customizar os personagens através de itens comprados com créditos.

    É interessante pensar nesse mundo que virtualizou o dinheiro, as relações sociais e talvez até os empregos. A informatização da vida já saiu dos livros e filmes e vem operando diversas mudanças na realidade em que vivemos, alterando da forma como compramos comida até as relações de trabalho.

    Tais efeitos podem ser vistos em vários lugares, empresas como Uber ou Amazon aderiram completamente à informatização das relações de trabalho. Impondo aos seus funcionários algo que vai além de uma rotina maçante imposta por tarefas repetitivas e acaba por absorver toda a existência do ser, através de um sistema de pontos tão fictício como o do episódio de Black Mirror.

    Em Sapiens, Harari coloca que 90% de todo o dinheiro do mundo não passa de um monte de números em telas. A informatização das transações bancárias tornou possível a ideia do acúmulo de pontos virtuais que podem ser trocados por comida, objetos para nossas casas ou itens para nos dotarmos de algum status social.

    Esse novo mundo, que guarda muitas semelhanças com os jogos, impõe à maioria de seus habitantes uma vida com dias iguais e pequenas felicidades, como mostrado em Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar.

    É importante lembrar que tal fenômeno é mutável, portanto, se não condiciona o indivíduo a realizar tarefas diárias repetitivas, o molda para uma vida instável, obrigando-o a viver ciclos de ascensão e queda, assim como os vividos por Rico que moldado pela lógica do novo capitalismo, assume de maneira equivocada  as responsabilidades pelas mudanças no ambiente a sua volta, que influenciaram diretamente os rumos de sua vida.

    Será que vivemos em uma infinita busca por pontos, para trocarmos por coisas que em sua maioria nem tem motivo para existir, e por grande parte das vezes, assim como os acessórios dos jogos em Admirável Mundo Novo, só servem para incentivar o consumo de objetos que possuem utilidade somente nas situações construídas pela sociedade ?           



[1]  Segundo episódio da primeira temporada de Black Mirror. 

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